Herança digital: TJMG nega pedido para desbloquear dispositivos de falecido

Herança digital: TJMG nega pedido para desbloquear dispositivos de falecido

07/12/2022
Fonte: Assessoria de Comunicação do IBDFAM

Com base no direito de personalidade e na proteção constitucional ao direito à intimidade, a 3ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais – TJMG indeferiu o pedido de antecipação da tutela recursal de uma herdeira que buscava a quebra de sigilo das "contas e dispositivos Apple" do falecido. A sentença também considerou o conceito de herança digital.

No caso dos autos, a mulher alegou que não possui a senha de acesso ao celular e ao notebook deixados pelo falecido – motivo pelo qual os aparelhos estão bloqueados para uso. Afirmou também que o desbloqueio por meio de serviço técnico licenciado não é possível em razão das normas de segurança do fabricante.

Ao avaliar a questão, a relatora, desembargadora Albergaria Costa, explicou que a herança “inclui não só o patrimônio material do falecido, como também o imaterial, onde estão inseridos os bens digitais de vultosa valoração econômica, como as mídias digitais de propriedade intelectual do falecido e até mesmo as moedas digitais, como as criptomoedas ou o recentíssimo non-fungible token - NFT, ativo de grande ascensão no espaço virtual”.

“Assim, há de se reconhecer a existência da herança digital, uma vez que os ativos digitais poderão ser suscetíveis de negociações comerciais, levando em conta o seu reconhecido conteúdo econômico-patrimonial”, destacou a relatora.

Para a magistrada, a autorização judicial para o acesso às informações privadas do usuário falecido deve ser concedida apenas nas hipóteses de relevância para o acesso de dados mantidos como sigilosos. “Isso porque os direitos da personalidade são inerentes à pessoa humana, necessitando de proteção legal.”

Em seu voto, a desembargadora também frisou a garantia constitucional da intimidade e ressaltou que não restou demonstrada qualquer necessidade de alienação antecipada dos bens que compõem o acervo patrimonial do espólio.

A relatora do agravo entendeu que os requisitos para a concessão da antecipação da tutela pretendida não estavam presentes. Assim, o tema será apreciado futuramente quando da decisão sobre o mérito do pedido.

Universalidade

“O Judiciário vem repetidas vezes entendendo que os ativos digitais integram a herança”, afirma o advogado Marcos Ehrhardt Júnior, vice-presidente da Comissão Nacional de Família e Tecnologia do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM.

“A herança tradicionalmente é entendida como a universalidade de direitos. Um conjunto de todos os direitos, deveres, créditos, pretensões e débitos que o falecido deixou. Os ativos digitais não são diferentes e integram a herança digital”, explica o especialista.

O advogado lembra que não há no Código Civil nenhum dispositivo específico sobre bens digitais, “até porque, quando ele foi criado não havia discussão sobre esse assunto”. Menciona a discussão em andamento no Congresso sobre a temática, mas ressalta que não há lei específica.

No caso dos autos, o advogado avalia a falta de fundamentação mais precisa da parte requerente. “Faltou justificar a necessidade de acesso aos bens nessa fase processual, ou seja, de modo antecipado.”

Herança digital

Marcos Ehrhardt aponta que há uma separação entre o direito dos herdeiros de acesso aos bens patrimoniais e o direito de acesso à conta vinculada a esses aparelhos. “Com acesso às contas, eles passam a ter acesso às informações trocadas por essa pessoa. Aqui reside essa importante distinção.”

“A parte patrimonial deve ser assegurada e transferida para os herdeiros. Contudo, as conversas privadas que ele tinha, eventuais fotografias que foram trocadas e outros ativos digitais que dizem respeito à expressão de seus direitos de personalidade vêm sendo apontados pela doutrina especializada como bens que não devem ser de transferência”, comenta.

Para Marcos, falta uniformidade no que se refere ao tratamento de ativos digitais. “Enquanto uma corrente defende a mais ampla transmissibilidade dos bens possível, outra busca distinguir o que é essencialmente patrimonial daquilo que tem com a conotação única e exclusivamente existencial, relacionada à intimidade e à dignidade pessoal."

Limites do acesso

Entre os desafios desta seara na atualidade, o especialista cita o reconhecimento e a  quantificação dos bens que integram a herança digital. “Hoje, a tecnologia permite que a gente mantenha informações privadas. É quase um segredo para qualquer pessoa além do próprio titular”, avalia.

“Se o titular, em vida, quiser transmitir esse acesso aos seus herdeiros, as próprias plataformas digitais já apresentam ferramentas que permitem isso. No caso dos autos, porém, a pessoa não fez o seu planejamento sucessório em relação a ativos digitais”, observa Marcos.

O advogado frisa que há, atualmente, instrumentos que garantem a proteção dos interesses patrimoniais. “O que a gente precisa é desenvolver a compreensão em relação aos interesses existenciais. Esses interesses estão protegidos na nossa Constituição, mas o alcance ainda precisa ser definido pelo Poder Judiciário.”

Marcos ressalta que a decisão é provisória e o assunto ainda será discutido mais adiante, “quando será oportunizado à parte que fez o requerimento apresentar uma justificativa mais elaborada sobre a necessidade de acesso”.

Fonte: IBDFAM

Notícias

“Enriquecimento indevido”

Viúvo pode não ter direito a mais da metade de bens comuns de cônjuge A Câmara analisa proposta segundo a qual, em caso de falecimento de pessoa casada em regime de comunhão parcial de bens, o cônjuge sobrevivente somente concorrerá com os descendentes do falecido na divisão dos bens...

Centavos, papagaios e narizes

04/12/2011 - 08h00 ESPECIAL Centavos, papagaios e narizes: casos incomuns também formam a jurisprudência penal do STJ   “Compete ao Superior Tribunal de Justiça processar e julgar...” Quem lê o trecho da Constituição sobre as atribuições do STJ relativas a matérias penais dificilmente...

“Aproximar meros interessados não implica obter resultado útil”

SIMPLES APROXIMAÇÃO DE INTERESSADOS NÃO GARANTE COMISSÃO PARA CORRETOR DE IMÓVEIS 02/12/2011  A comissão por corretagem não é devida nos casos em que o corretor aproxima as partes até a assinatura de um termo de compromisso, porém a promessa de compra e venda não é assinada. Isso porque...

Evidente desequilíbrio financeiro

Inadimplemento de parcelas vencidas não impedirá viúva de receber seguro de vida (02.12.11) A 4ª Turma do STJ garantiu a uma viúva o pagamento de indenização contratada por seu marido, no valor de R$ 42 mil, com a Bradesco Vida e Previdência S/A. O pagamento foi negado pela seguradora porque...

"Ou o Brasil reforma o Judiciário ou o Judiciário acaba com o Brasil"

"Ou o Brasil reforma o Judiciário ou o Judiciário acaba com o Brasil" (02.12.11) A questão do Judiciário (*) Por dom Dadeus Grings, arcebispo metropolitano de Porto Alegre. S. Paulo garante que tudo concorre para o bem daqueles que amam a Deus (Rom 8,28). É o que leva a perceber os...