Menos de 100 contratos de namoro são registrados por ano no Brasil

Dia dos namorados

Menos de 100 contratos de namoro são registrados por ano no Brasil

A formalização do namoro derivou da necessidade de resguardar patrimônio individual após fim da relação afetiva. Veja como e quando se deve fazer o documento.

Da Redação
segunda-feira, 12 de junho de 2023
Atualizado às 09:32

"a vida é breve, e o amor mais breve ainda..."
Mário Quintana

Colocar tudo no papel, quando se trata de namoro, é uma tendência moderna. Não se trata de união estável, muito menos de casamento: é simplesmente o namoro tutelado pela lei, resguardando o patrimônio individual dos apaixonados.

Em uma realidade de relacionamentos cada vez mais efêmeros, a autorização para esse tipo de contrato no ordenamento jurídico pátrio, e a sutil diferença entre ele e a união estável, são temas que instauram muitas dúvidas nas cabeças e corações dos brasileiros.

Amar... verbo intransitivo?

Se as relações forem idealizadas pelo princípio exclusivo do afeto, contrato de namoro é uma expressão com termos aparentemente inconciliáveis. Amar pode ser verbo intransitivo, mas não é intransigível: é possível harmonizar o namoro romântico com a racionalidade de um ato contratual.

Ainda visto como novidade, nem sempre aceitável, o contrato de namoro é prova de que novas configurações de relacionamentos resvalam no Direito Civil, o qual admite situações mais amplas do que o casamento e a união estável. 

O modelo clássico de relação afetiva, herança da legislação portuguesa, não via abertura para um namoro com efeitos patrimoniais, porque, na época, o namoro era uma relação incipiente, restrita, um ensaio para o futuro matrimônio. Mas o tempo agora corre em ritmo baumaniano... tudo é líquido. 

De fato, lá se foi o trovadorismo. E os casais, temerosos dos efeitos de amores cada vez mais oscilantes, passaram a resguardar seus direitos. E como o ChatGPT não explica como se resguardar de uma desilusão amorosa, a solução é depositar as fichas na proteção do patrimônio individual.

É nesse contexto que casais passaram a recorrer ao formato extrajudicial de formalização do namoro, via contrato. O principal escopo é evitar eventual confusão patrimonial decorrente do término da relação e, de acordo com Giselle Oliveira de Barros, presidente do Colégio Notarial do Brasil, privilegiar a segurança jurídica.

"A segurança jurídica de uma relação pode ser garantida nas mais diversas formatações de relacionamento, incluindo os que querem garantias durante aquele período de 'conhecer melhor' o seu parceiro, sem se comprometer com a intenção de formar uma família. É uma forma de estabelecer uma linha concreta entre um namoro e uma união estável, evitando uma possível confusão patrimonial durante este período da relação."

Em termos de legislação, pelo princípio civilista da autonomia da vontade, o contrato de namoro é possível como contrato atípico, conforme art. 425 do CC, pois toda pessoa capaz tem o direito de contratar da forma que lhe convier. Assim, desde que personalíssimo, resultante da vontade entre partes livres e capazes e ausente fator impeditivo, o contrato será válido.

Portanto, se as partes são capazes e consensualmente estabelecem contrato, o Estado, em respeito ao princípio de intervenção mínimo na vida privada, não deve privá-las de firmar um contrato de namoro.

O contrato de namoro em tempos de união estável

Um dos pontos mais sensíveis a respeito do contrato de namoro é a tênue linha entre ele e a união estável. Esta foi reconhecida como entidade familiar pela Constituição de 1988 e regulamentada pelo CC.

Conforme o art. 1.723 do CC, a união estável é reconhecida como a união entre homem e mulher, em convivência pública, contínua e duradoura, com o objetivo de constituição de família, equiparada ao casamento e sujeita aos mesmos impedimentos deste. Observe que a redação do CC já ficou vetusta, pois, desde 2011 o STF reconhece a união estável entre pessoas do mesmo sexo.  Além disso, conforme o art. 226, §3º da CF, a conversão da união estável em casamento deve ser facilitada pela lei.

Por sua vez, no contrato de namoro, segundo o juiz de Direito e professor, Pablo Stolze Gagliano os indivíduos declaram ser namorados e há ausência da intenção de constituir família.

"Trata-se de um negócio celebrado por duas pessoas que mantêm relacionamento amoroso - namoro, em linguagem comum - e que pretendem, por meio da assinatura de um documento, a ser arquivado em cartório, afastar os efeitos da união estável."

Foi nesse sentido que, em 2012, a 3ª turma do STJ proferiu decisão no REsp 1263015/RN. De acordo com a relatora, ministra Nancy Andrighi, o "desejo de constituir uma família [...] é essencial para caracterizar a união estável, pois distingue um relacionamento, dando-lhe a marca da união estável, ante outros tantos que, embora públicos, duradouros e não raras vezes com prole, não têm o escopo de serem família, porque assim não quiseram seus atores principais".

O namoro, afinal, trata-se de relação de afetividade na qual as pessoas partilham momentos com parcela menor de responsabilidades e após o fim da relação, independentemente do tempo convivido, cada um ficará com os respectivos bens individuais.

Carlos E. Elias de Oliveira, professor de direito civil e notarial e consultor legislativo do Senado, aponta que a contratualização de um relacionamento afetivo pode gerar mal-estar pela sensação de falta de confiança. Aliás, é esse aspecto cultural que influencia na decisão de contratualizar um namoro.

Ainda, segundo o professor, é pela razão da maturidade que o contrato de namoro no Brasil costuma ser feito por casais com maior bagagem de vida e/ou por pessoas com patrimônio já consolidado, ou com filhos de relacionamentos anteriores. 

Números

De acordo com dados do Colégio Notarial do Brasil, de 2007 a 2015 a quantidade de contratos de namoro firmados no Brasil foi bastante baixa, atingiu patamares máximos de sete contratos anuais em dois anos.

Os números aumentaram a partir de 2016, quando foram registrados 26 contratos do gênero. O ápice, entretanto, ocorreu em 2022, quando 92 contratos de namoro foram contabilizados.

Esse aumento recente, segundo o Colégio Notarial do Brasil, pode ser explicado pelo período de pandemia, quando muitos casais de namorados passaram a morar com seus parceiros, mesmo sem a intenção de constituir família.

___________________________________

Fontes:

https://repositorio.pucgoias.edu.br/jspui/bitstream/123456789/1704/1/ARTIGO%20CIENTIFICO%20CONTRATO%20DE%20NAMORO%20%20-%20LUDMILLA%20ALMEIDA%20DE%20SALES.pdf

https://ibdfam.org.br/noticias/na-midia/16495/N%C3%A3o+confunda+namoro+qualificado+com+uni%C3%A3o+est%C3%A1vel

https://cnbsp.org.br/2021/08/25/jornal-jurid-cresce-busca-de-contrato-de-namoro-para-classificar-relacionamento-que-pulou-etapa-na-pandemia-segundo-especialista-em-direito-de-familia/

GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil, volume 6: direito de família /Pablo Stolze Gagliano, Rodolfo Pamplona Filho. - 7. ed. - São Paulo: Saraiva, 2017. 1. Direito Civil - brasil 2. Direito de família - Brasil I. Pamplona Filho, Rodolfo II. Titulo. 16-1552 CDU 347.6

Fonte: Migalhas

 

 

Notícias

Proteção dos alimentos: a inclusão dos avós na ação de alimentos

OPINIÃO Proteção dos alimentos: a inclusão dos avós na ação de alimentos Diego Ferreira da Silva Voloski 18 de junho de 2024, 19h43 A responsabilidade alimentar dos avós é subsidiária e complementar e só se configura na impossibilidade total ou parcial dos pais de cumprir com suas obrigações...

Nova lei limita liberdade de empresas para escolher foro de ações

LIBERDADE CONTRATUAL Nova lei limita liberdade de empresas para escolher foro de ações José Higídio 17 de junho de 2024, 7h44 O texto da lei diz que a escolha do foro precisa “guardar pertinência com o domicílio ou a residência de uma das partes ou com o local da obrigação” — exceto em contratos de...

Mães não precisam ser casadas para registro de filhos por fertilização

Mães não precisam ser casadas para registro de filhos por fertilização A juíza ressaltou a importância de suprir lacunas na legislação para garantir a proteção dos direitos das crianças e das genitoras. Da Redação quinta-feira, 13 de junho de 2024 Atualizado às 18:14 Não é necessário que genitoras...

Modificações no art. 63 do CPC via Lei 14.879/24: 6 pontos de preocupação

OPINIÃO Modificações no art. 63 do CPC via Lei 14.879/24: 6 pontos de preocupação Murilo Teixeira Avelino 11 de junho de 2024, 18h33 Com a alteração legislativa, a eleição de foro contratual ficou extremamente limitada: as partes só podem escolher, consensualmente, litigar perante os órgãos com...

Certidão com efeito de negativa prova quitação de dívida, decide TJ-DF

TUDO NOS CONFORMES Certidão com efeito de negativa prova quitação de dívida, decide TJ-DF 11 de junho de 2024, 7h51 Relator do agravo, o desembargador Robson Barbosa de Azevedo explicou que o artigo 192 do Código Tributário Nacional estabelece que o formal de partilha só pode ser expedido mediante...