Moradores vencem banco em disputa por imóvel com usucapião

Moradores vencem banco em disputa por imóvel com usucapião

Werner Damásio

Mesmo após a consolidação da propriedade fiduciária em favor de instituição financeira, a Justiça reconheceu o direito à usucapião de um imóvel ocupado por mais de 15 anos de forma mansa e pacífica.

quinta-feira, 27 de novembro de 2025
Atualizado às 09:27

Introdução

Imagine construir sua casa, viver nela por mais de 15 anos e, de repente, descobrir que o imóvel foi dado como garantia em um empréstimo bancário - sem seu conhecimento. Foi exatamente isso que ocorreu em um caso em que o juiz reconheceu o direito de usucapião de moradores que ocuparam o imóvel por décadas, mesmo após a consolidação da propriedade fiduciária em nome de uma cooperativa de crédito.

A decisão reforça a segurança jurídica dos possuidores legítimos e lança luz sobre os cuidados que instituições financeiras devem tomar antes de aceitar imóveis em garantia. Vamos entender os fundamentos por trás dessa decisão.

O que diz a decisão

No processo, os autores ingressaram com ação de usucapião extraordinária pleiteando o reconhecimento da propriedade de um terreno urbano, onde haviam construído uma casa no fim da década de 1990. A posse sempre foi exercida de forma mansa, pacífica, contínua e com animus domini, ou seja, como se fossem os legítimos proprietários.

A parte ré, uma cooperativa de crédito, alegou que a área havia sido alienada fiduciariamente em 2014 por um familiar dos autores, e que posteriormente, com a inadimplência, a propriedade foi consolidada em seu nome - o que, em sua visão, impediria o reconhecimento da usucapião.

A sentença, porém, rejeitou os argumentos da instituição financeira e reconheceu o direito à propriedade dos autores com base no exercício regular da posse anterior à constituição da alienação fiduciária.

Base legal

A decisão baseou-se no art. 1.238 do CC, que prevê:

"Aquele que, por 15 (quinze) anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé (...)."

O parágrafo único reduz o prazo para 10 anos, caso o possuidor utilize o imóvel como moradia habitual ou realize obras de caráter produtivo.

A sentença também analisou o art. 26 da lei 9.514/97, que trata da consolidação da propriedade na alienação fiduciária, mas entendeu que a posse dos autores foi anterior e não interrompida pela constituição da garantia fiduciária.

Importância da decisão

Essa decisão tem grande relevância prática e jurídica por reforçar os seguintes pontos:

A usucapião é forma originária de aquisição de propriedade, não dependendo da situação registral anterior.

. A alienação fiduciária não impede o reconhecimento da posse legítima, desde que ela tenha se iniciado antes do contrato e seja exercida com animus domini.

. A ausência de vistoria prévia do imóvel por parte da instituição financeira, antes de aceitar o bem em garantia, pode gerar insegurança jurídica ao próprio credor.

Impactos práticos

Para empresários, investidores e instituições financeiras, este caso traz lições valiosas:

Instituições devem realizar diligência prévia rigorosa sobre a situação fática dos imóveis oferecidos em garantia - inclusive com vistorias presenciais.

. Pessoas que exercem a posse de imóveis sem registro, mas de forma contínua, devem considerar a ação de usucapião como forma de regularização e proteção patrimonial.

. Investidores que adquirem imóveis em leilão ou por cessão de crédito precisam verificar eventuais situações de posse consolidada de terceiros, sob pena de frustrações posteriores.

Caso real

Um imóvel de 2.550m² havia sido dado como garantia em um financiamento. Dentro desse terreno, existiam três casas, cada uma ocupada por familiares distintos. Um dos familiares deu o imóvel inteiro em garantia sem o consentimento dos demais. Após inadimplência, o banco assumiu o imóvel por consolidação da propriedade, mas descobriu tardiamente que parte dele já era ocupada há mais de 15 anos por outros familiares que, inclusive, tinham construído casa própria, pagavam luz, cuidavam da manutenção e nunca haviam sido questionados por sua posse.

A Justiça, ao analisar a situação, decidiu que a usucapião havia se consumado muito antes da consolidação bancária, reconhecendo a propriedade dos moradores.

Conclusão

A sentença é clara: quem exerce posse legítima, pacífica e duradoura tem direito à propriedade, mesmo diante de registros em nome de terceiros ou contratos fiduciários posteriores. A usucapião protege aquele que age como verdadeiro dono e pune a negligência de quem não exerce seu direito de forma efetiva.

Esse caso reforça a necessidade de atenção e estratégia preventiva por parte de credores, investidores e possuidores de imóveis.

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proc.n: 0101392-44.2016.8.20.0113 - TJ/RN

Werner Damásio
Advogado pós-graduado em Direito Privado, especialista em Direito Civil, Empresarial e Imobiliário. Sócio do Lettieri Damásio Advogados, com 17 anos de atuação nacional.

Fonte: Migalhas

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