O contrato de namoro no Direito brasileiro
O contrato de namoro no Direito brasileiro
Aline Martim da Silva
O contrato de namoro protege casais que não desejam constituir família, mas não substitui provas da realidade fática em caso de litígio judicial.
sexta-feira, 13 de junho de 2025
Atualizado em 12 de junho de 2025 14:17
1. Introdução
O Dia dos Namorados é comemorado em diversos países e tem origens históricas das mais variadas, há países que comemoram o Valentine's Day - Dia de São Valentim, em 14 de fevereiro, com trocas de cartões, flores e presentes entre casais, já no Brasil, a comemoração é feita no dia 12 de junho, véspera do dia de Santo Antônio, popularmente conhecido como "Santo Casamenteiro".
Além das comemorações românticas, os relacionamentos de namoro, ao longo dos anos têm se transformado de modo que o Direito de Família passou a conceituar o namoro para distingui-lo da união estável ou do "concubinato"1.
A partir da década de 1960, com a chamada "revolução sexual", houve alteração nos costumes, de modo que antes eram considerados namorados o casal que não mantinha relação sexual, e aqueles que mantinham eram os "amigados" ou "amasiados", relações que poderiam ter consequências jurídicas seja no direito das obrigações ou no Direito de Família.
Atualmente, com a alteração dos costumes, é comum que casais tenham relações sexuais sem que isso configure além de um relacionamento de namoro, tão pouco que isso tenha consequências jurídicas.
Contudo, nos últimos anos, principalmente, em razão do isolamento social imposto pela Covid-19, as pessoas foram compelidas a mudar a forma de conviver uns com os outros seja no aspecto profissional, seja no pessoal.
No aspecto das relações pessoais, em especial nas relações de namoro, os casais passaram a coabitar, mas sem o intuito de constituição de família - animus familiae.
Diante disso, a fim de evitar litígios e/ou aborrecimentos, os casais com o intuito de evitar a confusão sobre os conceitos de união estável e namoro têm feito contrato de namoro ou "declaração de namoro", com intuito de obter segurança jurídica, principalmente no aspecto da proteção patrimonial.
Embora o contrato de namoro já exista no Brasil desde 19902, este instrumento não era tão utilizado, mas passou a ter a maior procura a partir da pandemia do Covid-19. Diante disso, importante destacar suas características e os riscos jurídicos envolvendo esse tipo de contrato.
2. Conceito e natureza jurídica do contrato de namoro
A legislação brasileira não define o conceito de namoro e nem lhe atribui efeitos jurídicos, embora as relações entre namorados podem ser dos mais diversos formatos, com diferentes regras, rotinas e grau de intimidade. É certo também que atualmente muitos casais de namorados viajam juntos, dormem juntos e muitas vezes moram juntos, sem que ambos considerem ser companheiros ou tem o intuito de constituírem família, mas apenas consideram-se namorados.3
Assim, o namoro pode ser considerado uma relação afetiva entre duas pessoas sem a intenção imediata de constituição de família, desde que, na realidade fática não estejam preenchidos os requisitos legais da união estável, previstos no art. 1.723 do CC4. O namoro, portanto, em sua essência, não gera efeitos jurídicos de ordem patrimonial.
No entanto, diante da dificuldade em distinguir, na prática, as fronteiras entre o namoro e a união estável, surgiu a necessidade dos casais formalizarem essa ausência de intenção de constituição familiar, mas ao mesmo tempo manter o relacionamento de namoro com mais intimidades ou não.
O contrato de namoro é, portanto, um instrumento particular firmado entre o casal de namorados com o objetivo de declarar, de maneira expressa, que a relação entre eles é de namoro e não de união estável.
Trata-se de um contrato atípico, cuja natureza é de declaração negocial de vontade, pautado na autonomia da vontade privada, conforme prevê o art. 421 do CC:
"A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato."
O contrato de namoro também se apoia nos princípios da boa-fé objetiva (art. 422, CC) e da segurança jurídica, ao buscar afastar dúvidas quanto à natureza da relação do casal.
3. Requisitos e conteúdo do contrato de namoro
Embora não haja forma legal obrigatória para o contrato de namoro, recomenda-se que seja por instrumento escrito, com firma reconhecida ou mesmo por escritura pública em Tabelionato de Notas, a fim de garantir maior lisura e segurança jurídica.
O contrato pode conter, entre outras cláusulas: (i) Declaração expressa de que a relação é namoro e não configura união estável; (ii) Afirmação que não há intenção atual de constituir família; (iii) Renúncia expressa a efeitos patrimoniais decorrentes de eventual alegação de união estável; (iv) Cláusulas sobre eventual divisão de bens adquiridos separadamente; (v) Previsão de data de início do relacionamento.
Importante destacar que o contrato por si só não impede que uma relação de fato seja reconhecida como união estável pelo Judiciário, caso se comprove a existência dos requisitos legais.
4. A jurisprudência sobre o contrato de namoro
O Poder Judiciário tem se posicionado de forma cautelosa sobre o contrato de namoro. Embora reconheça sua existência e validade como manifestação da autonomia privada, prevalece o entendimento que, diante de provas da convivência pública, contínua, duradoura e com objetivo de constituição de família, o contrato não é suficiente para afastar a configuração da união estável.
Nesse sentido é o posicionamento do STJ, vejamos:
EMENTA: CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. DIREITO DE FAMÍLIA. UNIÃO ESTÁVEL SEGUIDA DE CASAMENTO, DIVÓRCIO E PARTILHA DE BENS. [...]. NAMORO QUALIFICADO INEXISTENTE. LÓGICA NATURAL DA VIDA COMPOSTA POR CONHECIMENTO, NAMORO, NOIVADO E CASAMENTO. CONCEITO JURÍDICO INEXISTENTE. VISÃO DE MUNDO E CONCEITO MERAMENTE PESSOAL E PARCIAL. IMPOSSIBILIDADE DE MODELAÇÃO SOCIAL OU JURÍDICA A PARTIR DE VISÕES PESSOAIS. IMPOSSIBILIDADE DE IMPOSIÇÃO DE PADRÕES COMPORTAMENTAIS OU SOCIAIS A PARTIR DE PADRÕES PESSOAIS. DIREITOS DAS FAMÍLIAS QUE SE ORIENTA A PARTIR DA LEI, DOS FATOS E DAS PROVAS. [...]3- Embora o exame dos fundamentos do recurso ocorra, normalmente, de maneira sequencial, seguindo-se ao próximo após a superação do primeiro, a riqueza de elementos fático-probatórios existentes no acórdão recorrido permite que seja ele examinado por qualquer de seus fundamentos, sendo necessário, nesse contexto e com base no princípio da primazia da resolução do mérito, que o enfrentamento da questão ocorra pelo fundamento capaz de resolver a questão meritória em caráter definitivo.(RECURSO ESPECIAL Nº 1.935.910 - SP (2021/0130523-4), Relatora Ministra Nancy Andrighi. Data julgamento 07.11.2023).
Por outro lado, em casos onde se demonstrou que não havia intenção de constituir família, o contrato de namoro foi aceito como prova da ausência de união estável.
5. Limitações e riscos do contrato de namoro
Apesar de caráter preventivo, o contrato de namoro não possui eficácia absoluta. Por se tratar de um contrato atípico, sua validade poderá ser confrontada com os elementos fáticos da relação. Se a realidade fática do relacionamento não for de namoro, mas sim de união estável, sem a formalização de um novo pacto, o contrato de namoro perde sua eficácia.
Além disso, a tentativa de utilização do contrato de namoro como instrumento de fraude patrimonial pode ser levada ao Judiciário, especialmente se restar comprovado que o casal convivia em união estável.
6. Conclusão
O contrato de namoro representa inovação no campo do Direito de Família à medida que busca preservar a autonomia privada e a segurança jurídica dos parceiros.
Contudo, sua eficácia está diretamente condicionada à realidade da relação.
O Judiciário brasileiro tem deixado claro que não basta a formalização contratual para afastar a união estável quando esta for comprovada por outros meios.
Dessa forma, o contrato de namoro deve ser encarado como instrumento auxiliar de prova, e não como instrumento único para blindagem patrimonial absoluta.
Recomenda-se que, caso a relação evolua, os parceiros atualizem seus acordos, com lavratura de contrato de convivência ou união estável, para evitar litígios futuros.
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1 PEREIRA. Rodrigo da Cunha. Direito das Famílias. Prefácio Edson Fachin. - 2ª Edição. Rio de Janeiro. Editora Forense, 2021.
2 https://cnbmg.org.br/g1-mg-contrato-de-namoro-protege-casais-que-querem-evitar-status-de-uniao-estavel-saiba-onde-fazer/#:~:text=Criado%20em%201990%2C%20mas%20contabilizado,no%20Brasil%20desde%20sua%20regulamenta%C3%A7%C3%A3o.
3 NIGRI, Tânia. Contrato de namoro. São Paulo: Editora Blucher, 2021. E-book. p.1. ISBN 9786555062052. Disponível em: https://app.minhabiblioteca.com.br/reader/books/9786555062052/. Acesso em: 11 jun. 2025.
4 Código Civil, Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.
Aline Martim da Silva
Advogada no Gouvêa Franco Advogados.
Fonte: Migalhas
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