Enviado por Humberto Santiago (Béu)

Por Gabriela Rocha

A 9ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo condenou a Sul América Companhia de Seguros a custear tratamento de gastroparesia grave feito por uma associada com aplicações de botox (toxina botulínica), considerado tratamento experimental. Com base na Lei 9.656/1998, a empresa recorreu à Justiça contra decisão que mandou pagar o tratamento sob a alegação de que se trata de prática experimental. Alegou também que uma cláusula do contrato assinado pela associada veda a cobertura de tratamento experimental.

O plano de saúde só juntou aos autos cópia do contrato padrão, no qual o Tribunal não identificou nenhuma cláusula restritiva à cobertura de tratamento experimental. A cláusula indicada pela empresa se limitava a ressalvar a possibilidade de recusa de atendimento a “pedidos abusivos, desnecessários e/ou que não se enquadrem às Condições Gerais deste seguro”.

Quanto à alegação de que a negativa à cobertura de tratamento experimental estaria contida no inciso I, artigo 10, da Lei 9.656/1998, o desembargador relator, Grava Brasil, esclareceu que o intuito desse dispositivo legal é estabelecer restrições de cobertura mínima para as seguradoras, e não “mitigar as obrigações eventualmente já assumidas pelas prestadoras de planos de saúde”.

A redação do inciso I, artigo 10, da Lei 9.656/1998 é a seguinte: ”É instituído o plano-referência de assistência à saúde, com cobertura assistencial médico-ambulatorial e hospitalar, compreendendo partos e tratamentos, realizados exclusivamente no Brasil, com padrão de enfermaria, centro de terapia intensiva, ou similar, quando necessária a internação hospitalar, das doenças listadas na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde, da Organização Mundial de Saúde, respeitadas as exigências mínimas estabelecidas no artigo 12 desta Lei, exceto: I - tratamento clínico ou cirúrgico experimental”.

Além de não reconhecer o caráter experimental do tratamento devido à falta de provas, o Tribunal declarou que a natureza e o fim social do contrato é a saúde do segurado, e que assim sendo, como o tratamento teve sucesso, deve ser custeado pela Sul America.

Por outro lado, a decisão não concedeu o pedido de indenização por danos morais, pois a empresa não impediu a realização do tratamento, mas tão somente adiou o mesmo. Segundo o relator, “a consternação e o sofrimento invocados pela apelada advém como consequência natural e previsível da situação, considerando a debilidade de seu estado de saúde”. Além disso, a empresa teria sido razoável, pois a demora se deu por interpretação do contrato e da lei.

O revisor, desembargador Piva Rodrigues, discordou desse ponto e se manifestou a favor da condenação por danos morais. Seu voto ainda não foi publicado.

O advogado da autora, Carlo Frederico Muller, espera alterar essa parte da decisão em sede de Embargos Infringentes, ainda a serem apresentados. Segundo o advogado, o dano moral existe porque a autora poderia ter sofrido menos os efeitos da doença se a autorização para a cobertura tivesse sido dada como a lei manda, já que além de esperar, teve que lidar com o medo da não cobertura.

Segundo o advogado, não só a vida deve ser protegida, mas também a dignidade e o direito à busca da felicidade. Nesse sentido, “a não condenação da empresa pelos danos morais foi contra a jurisprudência e o que a legislação busca, inclusive com leis futuras, como a Proposta de Emenda Constitucional 513/10 em que a felicidade é considerada objetivo do Estado e busca de todos”.

Com relação à não apresentação do contrato original, Muller explica que as empresas de plano de saúde não costumam mostrar os contratos assinados em processos judiciais porque não os possuem. “São contratos leoninos e de adesão, que na maioria das vezes os clientes nem lêem antes de aderir. Neles existem cláusula abusivas em que as empresas tentam se livrar das responsabilidades, mas não são discutidas antes da contratação“, disse.

Além de não provar que o tratamento era experimental, o plano de saúde não provou o mais importante, explica o advogado: que o tratamento não seria eficaz. Foi feita uma primeira aplicação de botox, e após comprovado o efeito positivo no organismo da paciente, o médico particular receitou o tratamento. “Não há nada mais absurdo do que negar a cobertura porque o tratamento é experimental, 90% das curas foram descobertas mediante tratamentos desse tipo”, defende Muller.

O advogado explicou, ainda, que empresas da área de saúde assumem para si uma função do Estado, e que, portanto, devem arcar com as responsabilidades e riscos da mesma, até porque “quanto maior o lucro, maior o risco, e entre o lucro e a vida, prevalece a vida” finalizou.

 

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