Projeto de lei quer legalizar ortotanásia

03/05/2013 - 18:22 | Fonte: TJMT

Projeto de lei quer legalizar ortotanásia

O anteprojeto do Código Penal, que está no Congresso Nacional para ser reformado, traz entre outros pontos a legalização da ortotanásia no Brasil. Diferente da eutanásia, que consiste na abreviação da vida de um doente incurável, a ortotanásia é a morte natural, sem interferência da ciência, permitindo ao paciente morte digna, sem sofrimento. Esta prática inclusive já é aceita pelo Conselho Federal de Medicina, por meio da Resolução 1.995/2012. 

Apesar das práticas serem diferentes, o assunto continua provocando polêmica, já que para a maioria da população o Código Penal, se alterado, vai legalizar a eutanásia, que no Brasil é considerado crime de homicídio e quem o praticar está sujeito a pena que pode chegar a 20 anos de reclusão.

Para os médicos, porém, a polêmica é causada pela falta de informação das pessoas. “O que o anteprojeto prevê é a ortotanásia, que é deixar a morte vir na hora certa, quando se trata de doença incurável. Até que isso aconteça temos que aliviar o sofrimento, tirar a dor, até que ocorra naturalmente a falência múltipla dos órgãos. Isso não é crime desde que o diagnóstico seja feito corretamente e todos da família estejam cientes”, explica o médico intensivista Ronaldo Taques, que há 12 anos trabalho em Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) e convive diariamente com esse drama.

Em casos de doença incurável, há pessoas que optam por retirar o paciente do hospital e levá-lo para casa, para morrer junto com os familiares. “Esses são casos de ortotanásia. É melhor levar essa pessoa para casa do que deixá-la em um leito de UTI, sozinha, afastada de todos, vendo o inaceitável acontecer. Acho mais digna essa atitude do que a falsa esperança”.

Nem todos, porém, estão preparados para tomar essa decisão. “A família normalmente não está preparada para a morte e nós temos que respeitar. Eu conforto a família, falo que não tem mais tratamento, mas em hipótese alguma desligo aparelhos, isso é eutanásia e eu sou contra a antecipação da morte, defendo que a morte deve vir no tempo certo”.

A presidente do Conselho Regional de Medicina, Dalva Alves das Neves, destaca que abreviar a vida foi e continua sendo proibido pelo Código de Ética Médica. “Somos favoráveis a ortotanásia, que é morrer no tempo certo e contra a distanásia, que é prolongar a vida quando não há mais o que fazer do ponto de vista médico".

Ela cita como exemplo de distanásia a internação de Tancredo Neves, que foi mantido vivo apenas por aparelhos durante meses. “O Código de Ética Médica também não permite a distanásia”, explica a presidente do CRM, completando que do outro lado, como um caso clássico de ortotanásia, está à morte do papa João Paulo II. “Ele deixou escrito que não prolongassem sua vida fora do tempo certo”.

Mesmo a ortotanásia sendo aceita pelo CRM, o assunto ainda está longe de ser consenso e continua gerando polêmica. “Não sei a diferença exata entre eutanásia e ortotanásia, mas não concordo com nenhuma delas. Acho que só Deus tem direito de tirar a vida, só Deus sabe a hora certa de cada um. Além disso, temos que usar tudo o que a medicina tem de bom em favor desse doente”, defende a professora aposentada Maria Conceição Almeida.

A secretária Tereza Petroni, também é contra a abreviação da vida, não importa a terminologia usada. “Cada um tem seu tempo de vida, só Deus dá a vida e só ele pode tirar. Enquanto há vida, há esperança, por que acabar com ela?”.

Para o desembargador Paulo da Cunha, as mudanças no Código Penal – se aprovadas – não vão encerrar a discussão. “A polêmica vai permanecer, até mesmo porque os que são contra, vão continuar sendo contra. Dificilmente haverá convergência de pensamento, seja por questões éticas ou religiosas. O papel do judiciário é aplicar a lei e se esta lei for aprovada o judiciário não tem nada a fazer a não ser acolher o que for aprovado pelo Congresso. O magistrado, pessoalmente, pode até ser contra, mas não cabe a ele questionar a lei e sim aplicá-la”.

Quando se fala em eutanásia, ortotanásia ou distanásia é praticamente impossível não falar em religião, pois o assunto está ligado diretamente à vida, e assim como o aborto, a antecipação da morte não encontra apoio em nenhuma das crenças religiosas.

“O problema é que vivemos em uma sociedade extremamente materialista, que foca a produção, quando uma pessoa fica doente, em um leito de hospital, ela para de produzir e acaba se transformando em peso para a sociedade e muitas vezes para a família, por isso o tema eutanásia sempre vem à tona. O ser humano não pode ser descartado, a moral cristã prega a vida em todos os seus estágios”, defende o padre Deusdédit, pároco da Igreja do Coração Imaculado de Maria.

Para ele, só depois de esgotado todos os recursos da ciência, esgota-se a vida. “Além disso, já está provado cientificamente que o doente que tem fé tem mais chance de cura, por isso não podemos descartar a vida, milagres existem e acontecem”, destaca o padre, ressaltando que o sofrimento em um leito de hospital pode ser visto por uma outra ótica, “podemos ver o sofrimento como algo redentor, purificador, que serve para santificar não apenas o doente, mas os familiares também, é um momento de bênçãos”.

O religioso ainda ressalta que todo ser humano ter que ser olhado com dignidade, porque todo homem e toda mulher é feito a imagem e semelhança de Deus. “É preciso nascer com dignidade, viver com dignidade e morrer com dignidade”.

O diretor da Federação Espírita de Mato Grosso, Afro Steffanine II, afirma ser totalmente contra a interrupção da vida no corpo, “mesmo sabendo que as possibilidades de manter a vida no corpo sejam mínimas. Não se faz interrupção e não se tira a vida do corpo. A eutanásia é uma prática abominável e criminosa, vai contra a lei que rege o universo”.

Ele argumenta que a vida é um patrimônio de Deus e que somente ele tem o direito de determinar o segundo exato da partida de cada um da terra. “O homem não é dono da vida que alimenta o corpo, qualquer tentativa de tirar a vida do corpo constitui grave infração das leis divinas”.

 

Janã Pinheiro/Juliana Polippo

Extraído de Âmbito Jurídico

Notícias

Lacunas e desafios jurídicos da herança digital

OPINIÃO Lacunas e desafios jurídicos da herança digital Sandro Schulze 23 de abril de 2024, 21h41 A transferência de milhas aéreas após a morte do titular também é uma questão complexa. Alguns programas de milhagens já estabelecem, desde logo, a extinção da conta após o falecimento do titular, não...

TJMG. Jurisprudência. Divórcio. Comunhão universal. Prova.

TJMG. Jurisprudência. Divórcio. Comunhão universal. Prova. APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE DIVÓRCIO - COMUNHÃO UNIVERSAL DE BENS - PARTILHA - VEÍCULO - USUCAPIÃO FAMILIAR - ÔNUS DA PROVA - O casamento pelo regime da comunhão universal de bens importa na comunicação de todos os bens presentes e futuros...

Reforma do Código Civil exclui cônjuges da lista de herdeiros necessários

REPARTINDO BENS Reforma do Código Civil exclui cônjuges da lista de herdeiros necessários José Higídio 19 de abril de 2024, 8h52 Russomanno ressalta que, além da herança legítima, também existe a disponível, correspondente à outra metade do patrimônio. A pessoa pode dispor dessa parte dos bens da...

Juiz determina que valor da venda de bem de família é impenhorável

Juiz determina que valor da venda de bem de família é impenhorável Magistrado considerou intenção da família de utilizar o dinheiro recebido para adquirir nova moradia. Da Redação terça-feira, 16 de abril de 2024 Atualizado às 17:41 "Os valores decorrentes da alienação de bem de família também são...

Cônjuge não responde por dívida trabalhista contraída antes do casamento

CADA UM POR SI Cônjuge não responde por dívida trabalhista contraída antes do casamento 15 de abril de 2024, 7h41 Para o colegiado, não se verifica dívida contraída em benefício do núcleo familiar, que obrigaria a utilização de bens comuns e particulares para saná-la. O motivo é o casamento ter...