STJ julga autorização de acesso a herança digital em inventário
Caso inédito
STJ julga autorização de acesso a herança digital em inventário
Caso envolve bens armazenados em computador de herdeira falecida na tragédia aérea que vitimou a família Agnelli.
Da Redação
terça-feira, 12 de agosto de 2025
Atualizado às 19:15
Nesta terça-feira, 12, a 3ª turma do STJ começou a analisar um caso inédito: a possibilidade de acesso, no inventário, a bens digitais armazenados no computador de herdeira falecida.
Até o momento votou apenas a relatora, ministra Nancy Andrighi para determinar o retorno dos autos ao 1º grau, onde deverá ser instaurado incidente processual de identificação e classificação dos bens digitais.
A ministra entende que um inventariante digital especializado deverá acessar o conteúdo da máquina, sob sigilo, apresentar lista minuciosa ao juiz e caberá exclusivamente ao magistrado definir quais bens são transmissíveis e quais devem ser preservados por envolver direitos da personalidade.
Pedido de vista do ministro Ricardo Villas Bôas Cueva suspendeu o julgamento.
Entenda
O caso decorre do acidente aéreo que, em março de 2016, matou o empresário Roger Agnelli, ex-presidente da Vale, sua esposa Andréia, os filhos João e Carolina, a nora, o genro e o piloto.
Com a comoriência (morte simultânea dos integrantes da família), uma das mães que assumiu a inventariança requereu autorização judicial para verificar o conteúdo do computador da filha, a fim de identificar eventuais bens, de valor econômico ou afetivo, que pudessem integrar o patrimônio.
O pedido visava tanto ativos com valor econômico, como obras literárias, direitos autorais ou arquivos valiosos, quanto bens de valor afetivo, como fotografias e registros pessoais.
Voto da relatora
Ministra Nancy Andrighi destacou que a situação é matéria novíssima no Direito brasileiro, sem precedentes ou doutrina consolidada sobre o procedimento.
Observou que, quando a pessoa falecida não deixa senha de acesso, a única forma de abrir o computador é por autorização judicial. No caso, a inventariante pediu que o juiz oficiasse à plataforma para que abrisse o conteúdo e informasse o que havia na máquina.
A ministra ponderou, contudo, que a abertura irrestrita poderia expor bens intransmissíveis, como informações íntimas protegidas pelo direito da personalidade do falecido ou de terceiros.
"Vamos imaginar que fosse aberto esse computador e se deparasse a família com ela revelando um relacionamento afetivo que nunca ninguém soube. Esse é um direito à intimidade que não pode ser objeto de divulgação", exemplificou.
Para a relatora, a ausência de regulação específica exige criar, a partir das regras do CPC aplicadas por analogia, um procedimento judicial seguro.
Propôs, então, a instauração de um incidente processual de identificação de bens digitais, com a nomeação de um inventariante digital, profissional capacitado a acessar o computador, manter sigilo e elaborar um rol minucioso do conteúdo encontrado.
"Não é apenas pedir para oficiar a plataforma. A abertura indiscriminada pode até configurar crime, se expuser fatos ofensivos à personalidade", alertou.
O juiz, munido dessa listagem, decidirá quais bens são transmissíveis, por exemplo, ativos financeiros, obras, direitos autorais ou arquivos com valor econômico, e quais são intransmissíveis por violarem direitos da personalidade.
Entre estes últimos, a ministra exemplificou, estariam registros que pudessem expor relacionamentos íntimos ou aspectos da vida privada.
Ela defendeu que a classificação é ato jurisdicional indelegável, e que o inventariante digital não poderá decidir sobre a transmissão.
A ministra destacou ainda que muitos bens digitais estão sendo perdidos no Brasil por falta de legislação específica e que projetos em tramitação no Congresso não definem o papel do juiz.
Para Nancy, o procedimento também pode prever que o inventariante digital administre temporariamente certos bens até a extinção do inventário.
"Notem que muito dinheiro pode ser deixado nesses computadores, além de bens emocionais, como séries de fotografias familiares", disse.
Ao final, votou por conhecer e dar parcial provimento ao recurso, determinando o retorno dos autos ao 1º grau para processamento do incidente, classificação e avaliação dos bens digitais, conforme o roteiro delineado em seu voto.
Processo: REsp 2.124.424
Extraído de Migalhas
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Herança digital
Novo Código Civil pode entregar herança digital a plataformas, alerta Karina Nunes Fritz
Em entrevista ao Migalhas, professora fala da importância da transmissão de bens digitais.
Da Redação
segunda-feira, 13 de maio de 2024
Atualizado às 16:17
Proposta de alteração do Código Civil em tramitação pode restringir transmissão da herança digital. Isto porque o texto dispõe que, em princípio, o patrimônio virtual não será transmitido aos herdeiros. É isto o que alerta a professora Karina Nunes Fritz, especialista em Direito Civil. A advogada observa que, se se impedir a herança digital, seremos o primeiro país a fazê-lo, e "deixaremos o patrimônio mais existencial do ser humano nas mãos das plataformas digitais".
Em entrevista ao Migalhas, a professora faz um panorama do tema: explica o que há hoje no Brasil em termos de legislação, o que é bem digital e qual o seu conteúdo econômico.
Faz, ainda, um paralelo com a Alemanha, país que, segundo explica a advogada, tem papel importantíssimo no debate, por ser o primeiro em que uma Corte Superior - equivalente ao STJ no Brasil - se manifestou no sentido de que há transmissão da herança digital.
Para Fritz, não é necessário disciplinar a matéria especificamente: a legislação estabelece que todos os bens do falecido vão para os herdeiros, e não faz sentido excluir da regra o conteúdo digital. O inverso - a negativa de transmissão - só deveria ocorrer se a pessoa deixar expressa essa proibição.
Jurisprudência
Na entrevista, a especialista cita recente decisão do TJ/SP divulgada pelo Migalhas referente a patrimônio digital. A Corte autorizou que uma mãe acesse os dados digitais do celular da filha falecida. Na decisão, a 3ª câmara de Direito Privado do Tribunal reconheceu que o patrimônio digital de uma pessoa falecida pode fazer parte do espólio e ser transmitido como parte da sucessão. Para Karina Nunes Fritz, trata-se de importante jurisprudência que pode representar uma guinada sobre o tema.
Leia a matéria.
O que é um bem digital?
O bem digital é tudo aquilo que armazenamos, em vida, na internet. De acordo com a professora, qualquer objeto de valor evidente, como criptomoedas, por exemplo, serão transmitidos em sucessão - do contrário, seria uma expropriação por parte das empresas privadas com fins lucrativos - as plataformas.
A discussão se dá quanto aos bens que não têm um conteúdo patrimonial evidente - como é o caso dos perfis em redes sociais, Instagram, Twitter, Facebook, arquivos de Dropbox, contas de Spotify, músicas, filmes.
Karina destaca que mesmo os bens não patrimoniais são transmitidos - como é o exemplo de cartas guardadas no fundo do baú.
Economia de dados
Karina Nunes Fritz explica que ainda é difícil para as pessoas mensurarem o caráter patrimonial de conteúdo digital, como e-mail ou perfis em redes sociais. Por outro lado, como dizer que não existe valor econômico se as big techs fazem dinheiro com isso?
"Eles não têm, para nós cidadãos, caráter patrimonial evidente porque a gente foi embalado pela ideia de que tudo o que era online era de graça. E, depois de muito tempo, quando nos demos conta, já estávamos dependentes do mundo digital."
Fonte: Migalhas
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