Testamento vital: como fazer valer a sua vontade no fim da vida - O Globo

Testamento vital: como fazer valer a sua vontade no fim da vida - O Globo

Publicado em: 29/08/2017

O tema é polêmico, mas falar sobre a morte é preciso. Morte com autonomia, de preferência. Instituído há cinco anos, o testamento vital, espécie de garantia de que a vontade do paciente tem seu valor, ainda enfrenta resistência de médicos e familiares dos pacientes. Também faltam serviços especializados em cuidados paliativos no Brasi. Levantamento feito pela Academia Nacional de Cuidados Paliativos (ANCP) detectou a oferta de equipes especializadas em apenas 126 centros em todo o país, o que corresponde a uma oferta por apenas 2% de todos os hospitais brasileiros.

Quando nada mais é possível e não há perspectiva de cura, o que você prefere? O testamento vital, segundo o vice-presidente da ANCP, André Filipe Junqueira dos Santos, ajuda exatamente nesses casos. Trata-se de uma forma de assegurar um processo de fim de vida mais tranquilo para a equipe multidisciplinar, para a família e, principalmente, para o paciente.

Por que é importante fazer o testamento vital?

Embasado por resolução do Conselho Federal de Medicina sobre Diretivas Antecipadas de Vontade, o testamento vital permite que uma pessoa manifeste sobre que tratamentos deseja que sejam realizados, ou não, diante de uma doença crônica em fase terminal. O documento serve para garantir que as vontades do paciente sejam respeitadas pela equipe médica e para diminuir a angústia dos familiares em tomada de decisões difíceis em um momento crítico de saúde.

Quais as regras que devemos seguir ao elaborar o documento, ou melhor, como fazer para valer?

O mais importante é que o declarante detalhe quais procedimentos deseja ou não que sejam realizados e quais valores ele deseja que sejam respeitados. Essas manifestações devem ser alinhadas com o tratamento da doença a que a pessoa está submetida, preferencialmente.

Que profissional é preciso consultar, ou quem pode ajudar na elaboração do documento?

O ideal é que um médico de confiança ajude a pessoa a preencher esse documento. Entretanto, o testamento pode ser desconsiderado nos casos em que o médico entenda que o procedimento possa contribuir para o tratamento do paciente ou que represente uma infração ao Código de Ética Médica.

Os médicos já sentem segurança em seguir as vontades eventualmente declaradas pelos pacientes?

Infelizmente, ainda não. Poucos médicos conhecem as resoluções e documentos que abordam o testamento vital. Existe uma grande dificuldade na aplicação das diretivas por conta do baixo fluxo de informação que se tem sobre esse instrumento. Além disso, não há uma legislação específica no país sobre o assunto, e muitos médicos se queixam dessa falta de amparo legal. A ausência da lei e a falta de conhecimento de aspectos técnicos e éticos contribuem para a pouca difusão dessa forma de expressão de vontade.

Que orientação esses profissionais têm recebido para evitar conflito com familiares de pacientes?

O Conselho Federal de Medicina e os conselhos regionais têm publicado material para orientação do médico. É fundamental também que os hospitais promovam educação e treinamento para suas equipes.

Os hospitais brasileiros estão preparados para garantir cuidados paliativos?

Estudos internacionais demonstram que a presença de equipes de cuidados paliativos no Brasil ainda é muito pequena. Em grande parte, são pequenos e serviços isolados. A ANCP fez um levantamento em 2016 que encontrou pouco mais de 126 serviços de Cuidados Paliativos no Brasil. Considerando que temos mais de 5000 serviços hospitalares é possível estimar algo em torno de 2% dos hospitais com equipe de Cuidados Paliativos.

Há algum risco para o paciente?

O testamento vital é uma garantia de expressão da cidadania de uma pessoa em um processo de fim de vida. O risco maior é ela ser submetida a tratamentos desnecessários que ao invés de ajudá-la irão prolongar o seu sofrimento e de seus entes queridos. O documento deve estar alinhado com boas práticas de medicina visando controle de sintomas, conforto e dignidade.

Leia mais:
Para tentar controlar a própria morte, pessoas buscam testamento vital

Fonte: O Globo
Extraído de Recivil

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Cinco anos após entrar em vigor, testamento vital é pouco utilizado - Folha de S. Paulo

Publicado em: 22/05/2017

Cinco anos após ser regulamentado pelo CFM (Conselho Federal de Medicina), o testamento vital, documento por meio do qual a pessoa se manifesta sobre quais tratamentos não quer se submeter no final de vida, não é aplicado na rotina dos hospitais.

As instituições e os médicos alegam que, por falta de legislação específica, há uma insegurança jurídica.

Eles temem ser processados por familiares do paciente que, muitas vezes, insistem para que se faça de tudo para salvar a vida do doente, mesmo quando não há mais possibilidade de sobrevida e o paciente não queira mais.

Na semana passada, a Fehosp (federação dos hospitais, clínicas e outros estabelecimentos de saúde) entregou ofício ao ministro da Saúde, Ricardo Barros, pedindo a elaboração de projeto de lei regulamentando as diretrizes antecipadas de vontade do paciente.

O ofício da Fehosp também foi enviado aos presidentes da Câmara, Rodrigo Maia, e do Senado, Eunício Oliveira, e aos membros da Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara dos Deputados.

"A falta de uma lei tem causado uma série de problemas no dia a dia. Muitos médicos não sabem como proceder diante de um pedido do doente para que não seja submetido a procedimentos dolorosos e invasivos em sua hora final", diz Yussif Ali Mere Junior, presidente da Fehosp.

Segundo ele, embora o avanço da medicina e a incorporação de novas tecnologias devam servir para propiciar cura e qualidade de vida, muitas vezes estão apenas prolongando a dor e o sofrimento do paciente terminal.

Para Douglas Crispim, secretario da Academia Nacional de Cuidados Paliativos, não haveria necessidade de lei federal se os hospitais tivessem equipes de cuidados paliativos treinadas não apenas para cuidar dos doentes sem chances de cura, manejando a dor e outros sintomas, como para acolher e orientar seus familiares.

"Em hospitais onde existem equipes preparadas, o testamento vital é respeitado. Muitas vezes, o desejo do paciente não é atendido por desinformação da equipe."

Ele diz que um cenário ainda pior do que as intervenções desnecessárias é o médico respeitar o desejo do paciente de não ser entubado, por exemplo, mas deixá-lo com falta de ar por não ter a capacidade técnica de manejar os sintomas fora da UTI.

DIÁLOGO

A geriatra Ana Claudia Arantes, especialista em cuidado paliativos, ajuda pacientes a elaborar testamentos vitais há dez anos, cinco anos antes de o tema ser regulamentado pelo CFM.

"Já fui alertada por colegas de que advogados dos hospitais dizem que essa é uma prática que pode trazer riscos. Risco é não conversar sobre isso. Eu nunca tive problemas. A conversa com o paciente tem que incluir o familiar", diz ela.

Quando existe um conflito na família, o diálogo com quem é contra também é necessário. "Ninguém é contrário ao alívio do sofrimento. O familiar tem a fantasia de que é possível fazer tudo. Mas precisamos saber o que é 'tudo' para ela."

Segundo Ana, os médicos, em geral, não têm formação para conversar sobre morte com o seu paciente. "É um procedimento de alta complexidade. Nosso trabalho de 'paliativista' envolve saber o que é valor para o paciente, o que ele quer fazer com o tempo que tem."

Para ela, o medo de ser processado é também uma forma de o médico evitar o desconforto de falar sobre morte. "Desconheço casos de médicos processados por respeitar a vontade do doente no final de vida. Porém, muitos médicos deveriam ter medo de ser processados por tortura, por causar sofrimento ao paciente."

DOCUMENTO IGNORADO

O advogado Eduardo Alferes, que morreu aos 40 anos no início deste ano, dizia que o seu maior medo não era a morte, mas ficar sofrendo, cheio de tubos, em uma UTI.

Para evitar isso, ele decidiu fazer seu testamento vital, mas, mesmo assim, encontrou resistência de profissionais de saúde.

A primeira pessoa a ignorar o testamento de Alferes foi a enfermeira que trabalhava em seu homecare. Segundo Tom Almeida, 46, primo do advogado, ela havia se afeiçoado ao paciente e dizia que "iria ressuscitá-lo, que faria o máximo".

Outra enfermeira que cuidava de Eduardo Alferes afirmou, durante um processo de internação, que, no Brasil, esse documento não tinha valor.

A gestora de risco Fabíola Murta, 42, passou por situação semelhante. Ela teve que enfrentar dois médicos para fazer valer a vontade de seu marido, Carlos Murta, expressa na diretiva antecipada de vontade --outro nome para o testamento.

A oncologista dele queria interná-lo. "Ela falou que ele não tinha mais consciência, que nem ia lembrar que tinha feito o documento", diz Fabíola. O neurologista queria usar uma sonda. "Ele disse: 'Não quero saber de advogado e desse documento. Eu sou o médico dele'", relembra.

Segundo Fabíola, o neurologista dizia que já tinha se formado há muitos anos e que não conhecia a aplicação da diretiva. Ele continuou, até a morte de Murta, a tentar executar procedimentos que o paciente tinha especificado que não queria.

A mulher de Murta diz que entende o lado dos médicos de querer fazer tudo pelo paciente, mas que a intenção do testamento "é permitir que a pessoa tenha uma morte digna".

DESCONHECIMENTO

Os casos mostram que, além da alegada insegurança jurídica, ainda há desconhecimento do documento. "Neste ano eu comecei a receber casos de profissionais de saúde com dificuldades para aplicar o testamento, que diziam desconhecer o documento e a validade dele", afirma Luciana Dadalto, advogada administradora do site Testamento Vital e que há dez anos estuda o tema.

Segundo dados do Colégio Notarial do Brasil, até abril deste ano, foram registrados 185 testamentos vitais.

No ano passado, foram feitos 673 e, desde 2006 (data do primeiro registro em cartório do documento), já foram feitos 3.127.

"Mas é preciso lembrar que não existe obrigatoriedade de registro em cartório no Brasil", afirma Luciana.

A advogada defende a criação de uma lei sobre o assunto, mas diz acreditar que isso não será suficiente.

"Precisa melhorar o acesso à informação para todos. É um processo de conhecimento geral, que não pode ser direcionado só ao médico", diz ela.

Fonte: Folha de São Paulo
Extraído de Recivil

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Testamento Vital: “É importante que tenhamos uma legislação específica”, alerta autoridade no assunto

Publicado em: 19/08/2016

Testamento vital, instruções prévias e declaração de vontade do paciente em fim de vida. Essas são algumas das nomenclaturas destinadas ao documento pelo qual se manifesta os próprios anseios acerca dos cuidados, tratamentos e procedimentos que se deseja ou não ser submetido, em caso de acometimento de doença ameaçadora da vida. Tal declaração põe em prática a solicitação da pessoa enferma, já fora de possibilidades terapêuticas e impossibilitada de se expressar livremente por conta de seu grave estado de saúde.

No Brasil, não existe legislação específica sobre o tema nem determinações legais para formalização do testamento vital. Portanto, antes de tecê-lo, recomenda-se consultar um médico e um advogado – ambos de confiança. Esses profissionais auxiliarão o requerente no momento em que este fizer a definição dos tratamentos, procedimentos e cuidados os quais estará disposto ou não a ser submetido. O jurista analisará a validade do pedido e, caso deseje, o paciente nomeará um procurador. Este, por sua vez, ficará responsável por tomar decisões – de acordo com a vontade do autor do testamento – e esclarecer dúvidas dos médicos, quando o outorgante já não reunir condições de se manifestar.

Apesar da não-existência de uma lei exclusiva, a confecção do testamento vital exige que o requerente tenha mais de 18 anos e seja capaz. O documento valerá até o momento em que o paciente decidir por revogá-lo, sendo recomendado lavrar uma escritura pública perante os tabeliães de notas e, se possível, armazená-lo em um banco de dados online, desde que específico para tal, além de seguro e confiável. Luciana Dadalto, autoridade em Testamento Vital, defende a criação de uma norma singular, apta a estabelecer diretrizes acerca do tema.

“É importante que tenhamos (uma lei específica), pois há pontos que precisam ser legislados. Por exemplo: quem pode fazer o testamento vital; qual o conteúdo lícito desse documento; necessidade ou não de lavratura em cartório de notas; necessidade ou não de testemunhas; prazo de validade; criação do Registro Nacional de Testamento Vital”, afirma a especialista.

Dentro deste universo, existem três possibilidades: a eutanásia – proibida pela legislação brasileira – (quando o paciente, sabedor de que a doença é incurável ou em situação que o levará a não ter condições mínimas de uma vida digna, solicita ao médico ou a terceiro que o mate, a fim de evitar sofrimentos e dores físicas e psicológicas); a ortotanásia (que vem a ser a morte no seu devido tempo, ou o não-prolongamento da vida por meios artificiais ou além do que seria o processo natural); e a distanásia (neste caso, tudo deve ser tentado, mesmo que o tratamento seja ineficaz e cause sofrimento ao paciente terminal; admite-se que o médico suspenda procedimentos e tratamentos, mantendo apenas os cuidados necessários para alívio das dores).

“A eutanásia é proibida pelo ordenamento jurídico brasileiro. Para autorizá-la, precisaríamos de um pedido de eutanásia ao Poder Judiciário. Além disso, seria necessário que o magistrado fizesse uma interpretação extensiva do ordenamento jurídico vigente”, explica Luciana Dadalto.

Em 2013, um senhor de 79 anos optou por não se submeter a procedimento cirúrgico que lhe amputaria o pé esquerdo, já necrosado. À época, a lesão lhe causava emagrecimento progressivo e anemia acentuada, o que tornava a operação necessária, sob pena de morte por infecção generalizada. O caso foi tratado sob a ótica da ortotanásia, e a Justiça decidiu que a recusa da amputação era lícita. Porém, de acordo com Dadalto, “isso não é ortotanásia”. De acordo com ela, “ortotanásia é a realização ou abstenção da realização de tratamentos, cuidados e procedimentos médicos fúteis, que visam apenas prolongar a existência do paciente em fim de vida. E, neste caso, o indivíduo não estava em fim de vida”, argumenta.

Em virtude da inexistência de regulamentação apropriada, o que gera diferentes interpretações como no caso do senhor de 79 anos, faz-se necessário criar uma legislação neste sentido, a exemplo da França. Em fevereiro de 2016, o país europeu aprovou a lei 2016-87, que trata dos direitos das pessoas em fim de vida e introduz as Diretivas Antecipadas de Vontade (DAV) no Código Civil francês. A norma reafirmou pontos importantes que, em determinadas situações, são distorcidos no Brasil.

Principais pontos LOI nº 2016-87 du 2 février 2016:

1. Conceito: a lei francesa deixa claro que as DAV são documentos de manifestação de vontade da pessoa no fim da vida. Deixando claro, portanto, que não se tratam de documentos genéricos de aceitação e recusa de tratamento.

2. Formalidades: a) Apenas adultos podem fazer DAV, mas pessoas incapazes podem fazê-lo mediante autorização judicial; b) as DAV podem ser revistas e revogadas a qualquer momento; c) criação de um registro nacional de DAV, que deverá emitir lembretes regulares de existência do documento para o autor.

3. : Modelo: A lei francesa instituiu que as DAV podem ser escritas de acordo com um modelo a ser definido por decreto. Esse decreto foi publicado dia 05 de agosto de 2016 e trouxe dois modelos de DAV: a) um para pessoas saudáveis; b) outro para pessoas com doença grave ou em fim de vida. Uma interessante inovação e que merece um estudo mais aprofundado.

4. Caráter vinculante: as DAV vinculam os médicos, que precisam levar em conta a vontade escrita pelo paciente para investigação, intervenção ou tratamento. Os médicos podem não seguir as DAV quando o caso for urgente e não houver tempo para avaliar completamente a situação ou quando entenderem que a vontade do paciente é manifestamente inadequada à situação clínica do paciente. A decisão de não seguir as DAV deve ser tomada por um órgão colegiado e deve estar anotada no prontuário
.

Fonte: Ibdfam
Extraído de Recivil

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