Entidades médicas criticam projeto que obriga recém-formado a trabalhar em pequenas cidades

Para Carlos Vital, do CFM, saída é criação de carreira de Estado para médicos

08/05/2013 - 16h35 Comissões - Educação - Atualizado em 08/05/2013 - 21h24

Entidades médicas criticam projeto que obriga recém-formado a trabalhar em pequenas cidades

Iara Guimarães Altafin

Obrigar médicos recém-formados cujos cursos tenham sido custeados com recursos públicos a trabalhar, por dois anos, em pequenos municípios não resolve os problemas da saúde e ainda submete o profissional a riscos por atuar sem as condições necessárias ao atendimento à população. A avaliação é de representantes de entidades médicas que participaram nesta terça-feira (7) de audiência pública na Comissão de Educação, Cultura e Esporte (CE).

Os especialistas discutiram o PLS 168/2012, do senador Cristovam Buarque (PDT-DF), que obriga médicos recém-formados em faculdades públicas ou com financiamento público a exercerem a profissão, por dois anos, em municípios com menos de 30 mil habitantes ou em comunidades carentes de regiões metropolitanas.

De acordo com o texto, o chamado “exercício social da profissão” deverá ser feito imediatamente após a conclusão do curso, em jornada integral e exclusiva de 40 horas semanais, com contrato regular de trabalho, financiado pela rede de saúde à qual o médico recém-formado estiver vinculado.

Para Carlos Vital Corrêa Lima, vice-presidente do Conselho Federal de Medicina (CFM), a universalização da assistência à saúde e a superação dos problemas no setor requerem a criação da carreira de Estado para médicos que atuam na rede pública, em especial nas pequenas localidades.

Também Waldir Araújo Cardoso, da Federação Nacional dos Médicos, considera essencial que os médicos do setor público possam contar com a estruturação da carreira, que assegure continuidade da formação, permanência no serviço e perspectiva de futuro.

No mesmo sentido, o senador Paulo Davim (PV-RN) disse que não se pode “jogar" o médico recém-formado no interior, sem que sejam reunidas as condições necessárias para sua atuação e para sua evolução na carreira.

– O médico vai fazer o quê, só com a caneta e o estetoscópio? Vai ser parteiro e, ao mesmo tempo, vai ser urgentista? Isso vai colocar [a população] em risco. O caminho para melhorar a saúde é a definição de carreira de Estado, como já existe para o Ministério Público, por exemplo.

Já o representante do Ministério da Saúde, Fernando Antonio Menezes, observou que não se pretende, com a adoção de modalidades de serviço obrigatório, levar médicos para o interior sem as condições necessárias para o trabalho.

Conforme Menezes, diversos países usam esse tipo de regulação como política de Estado. Como exemplo, ele citou o caso do Reino Unido, que tem programa de serviço compulsório, no qual graduados passam dois anos no serviço público de saúde como parte da formação e pré-requisito para ingresso na especialização médica.

Prioridade

Para José Luiz Bonamigo Filho, tesoureiro da Associação Médica Brasileira, a adoção do mecanismo no Brasil esbarra na falta de estrutura para atendimento médico no interior. No entanto, ele observa que o país, sendo a sétima economia do mundo e praticando uma alta carga tributária, dispõe de recursos para os investimentos no setor.

– O que falta é definir a saúde como prioridade – frisou.

A má utilização de recursos públicos também foi apontada pelo presidente da CE, senador Cyro Miranda (PSDB-GO), como causa da ineficiência do serviço público de saúde no Brasil.

– O país bate o recorde [de arrecadação de impostos] todos os meses. Para onde vai esse dinheiro? – questionou o parlamentar.

'Por que só médicos?'

A presidente da Associação Nacional dos Médicos Residentes, Beatriz Rodrigues Abreu da Costa, questionou o fato de o projeto determinar o serviço obrigatório apenas para recém-formados em Medicina.

– Porque só os médicos e porque só os recém-formados? – questionou, ao afirmar que, nos dois últimos anos do curso, o estudante de Medicina cumpre jornada de 40 horas semanais em hospitais públicos, período chamado de internato, que deve ser cumprido em regime de dedicação integral.

Além disso, Beatriz Rodrigues frisou que a atenção à saúde envolve outros profissionais, como enfermeiros, psicólogos, fisioterapeutas, não sendo possível viabilizar o atendimento à população de pequenas localidades criando o serviço obrigatório apenas para médicos.

No mesmo sentido, José Luiz Bonamigo Filho observou que estudantes de Direito não são obrigados a atender em Defensorias Públicas ou engenheiros recém-formados a trabalhar em obras públicas.

– Porque os médicos, que já dão muito, têm que dar mais?

Ajustes

Na opinião da secretária-executiva da Comissão Nacional de Residência Médica do Ministério da Educação, Maria do Patrocínio Tenório Nunes, o projeto precisa de aprimoramentos, com estudos para a incorporação de outras profissões e sobre as condições e deficiências dos municípios.

Relator do PLS 168/2012 na Comissão de Educação, o senador Paulo Paim (PT-RS), autor do requerimento para realização do debate, se mostrou aberto às sugestões apresentadas na audiência pública e disse que pretende ampliar o debate para fazer os ajustes necessários no projeto.

– Saio daqui com a convicção de que posso trabalhar num substitutivo, ouvindo as entidades médicas, as entidades representantes de outras profissões envolvidas na assistência à saúde, o governo e os parlamentares – disse.

 

Agência Senado

 

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