Escritura pública: A barreira necessária contra o crime organizado

Escritura pública: A barreira necessária contra o crime organizado

Fernanda de Freitas Leitão e Rita Maria Scarponi

Esquema bilionário de lavagem expõe falhas nas juntas comerciais e reforça a necessidade da escritura pública como barreira contra ilícitos.

sexta-feira, 26 de setembro de 2025
Atualizado em 25 de setembro de 2025 14:39

Recentemente, o MP/SP revelou um esquema bilionário de lavagem de dinheiro envolvendo "fintechs" e fundos de investimento. Segundo o MP/SP, somente por meio de "contas bolsões" e outras operações financeiras sofisticadas, o crime organizado conseguiu movimentar mais de R$ 70 bilhões. O caso expôs, mais uma vez, como a criminalidade econômica se aproveita de lacunas legais e consequentes brechas regulatórias, bem como da opacidade de determinados ambientes para dar aparência de legalidade a recursos ilícitos.

Enquanto instituições financeiras e assemelhas, como as "fintechs", além de outras entidades, estão submetidas a regras rígidas de "compliance", "due diligence" e monitoramento, as juntas comerciais permanecem funcionando como meros repositórios administrativos, limitando-se a registrar documentos sem controle efetivo de legalidade.

A métrica de eficiência das juntas comerciais é o "tempo de registro", e não a qualidade da análise, possibilitando-se, desta forma, a constituição e alteração das sociedades empresariais em minutos, com sócios fictícios, estruturas artificiais e finalidades obscuras. Em outras palavras, um portal à criação de empresas de fachada, com o uso de laranjas, que depois são instrumentalizadas em esquemas de lavagem de dinheiro.

As juntas comerciais carecem de estruturas adequadas, em especial de controles, revelando-se ineficazes à identificação, capacidade estrutural, rastreabilidade e fiscalização do recolhimento dos tributos. Em contraste, os notários exercem a função de "gatekeepers" (guardiões), tendo como atribuições precípuas a verificação da identidade, da capacidade e da legitimidade das partes, bem como a certificação da livre manifestação de vontade e da regularidade do recolhimento dos tributos. Com efeito, os notários são devedores solidários dos tributos, de acordo com o CTN (lei 5.172, de 25 de outubro de 1966): "Art. 134 Nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte, respondem solidariamente com este nos atos em que intervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis: (...) VI - os tabeliães, escrivães e demais serventuários de ofício, pelos tributos devidos sobre os atos praticados por eles, ou perante eles, em razão do seu ofício."

Permitir que empresas sejam abertas sem fiscalização substancial é manter escancarada a porta por onde transitam bilhões do crime organizado.

Não é de hoje que especialistas alertam sobre a ausência da exigência de escritura pública na constituição de empresas no Brasil, o que fragiliza o sistema de prevenção a ilícitos econômicos.

O Brasil adota o modelo do notariado latino, no qual a escritura pública não é burocracia, mas sim uma barreira estrutural de compliance. Na compra e venda de imóveis, doações ou hipotecas, o instrumento público já cumpre este papel de conferir legalidade, transparência e segurança jurídica. Por que razão deixar de adotar a mesma lógica para a constituição e alteração de sociedades empresariais?

Nos países europeus de referência - como Alemanha, Itália e Espanha -, a constituição de empresas passa necessariamente pela escritura pública. O objetivo maior é claro, qual seja, dificultar o uso de pessoas jurídicas como instrumentos de lavagem de capitais. Aqui, o mesmo caminho permitiria identificar, com maior rigor e segurança, os sócios, conferir publicidade a atos societários, assegurar a correta incidência de tributos e fornecer informações em tempo real ao COAF - Conselho de Controle de Atividades Financeiras.

Mais do que uma formalidade, a escritura pública funciona como um filtro preventivo contra o ingresso do dinheiro sujo no sistema econômico.

A obrigatoriedade da escritura pública para a constituição, alteração e extinção de sociedades configura um mecanismo de fortalecimento da segurança jurídica, apto a diferenciar a atividade empresarial idônea de iniciativas voltadas à ocultação ou desvio de finalidade, sem obstáculo ao empreendedorismo.

Revela-se, portanto, um passo essencial para proteger a economia e a sociedade, para garantir arrecadação tributária e, sobretudo, para restringir o espaço da criminalidade financeira, a exemplo dos recentes e tantos outros fatos que vêm sendo amplamente noticiado pela imprensa.

Fernanda de Freitas Leitão
Tabeliã do 15º Ofício de Notas do Rio de Janeiro.

Rita Maria Scarponi
Advogada especializada em direito societário e direito administrativo, em regulação e em mercados financeiro e de capitais. Foi vice-presidente do Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional - CRSFN, ao qual compete julgar, em última instância administrativa, os recursos contra as sanções aplicadas pelo COAF nos processos de lavagem de dinheiro.

Fonte: Migalhas

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