Apelação Cível - Nulidade do negócio jurídico - Contrato de promessa de compra e venda - Dolo - Decadência - Outorga Uxória

Apelação Cível - Nulidade do negócio jurídico - Contrato de promessa de compra e venda - Dolo - Decadência - Outorga Uxória 
 
APELAÇÃO CÍVEL - NULIDADE DO NEGÓCIO JURÍDICO - CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA - DOLO - DECADÊNCIA - RECONHECIMENTO - OUTORGA UXÓRIA - PRESCINDIBILIDADE - DANOS MORAIS - AUSÊNCIA - RECURSO NÃO PROVIDO

- O direito à anulação do negócio jurídico em virtude de dolo decai em quatro anos, de forma que o início do prazo decadencial consiste na realização da tratativa, nos termos do art. 178 do CC, e não da data da obtenção do contrato via ação cautelar.

- A outorga uxória é prescindível em contrato de promessa de compra e venda, negócio jurídico que tem natureza meramente obrigacional, motivo pelo qual a ausência da assinatura da esposa no instrumento não enseja a sua anulação.

- O instrumento que se pretende anular, embora válido para fins de direito pessoal, configurar-se-á, possivelmente, inócuo, visto que, sem a outorga uxória, impossível a escritura pública necessária no tocante a direitos reais.

- Uma vez subsistindo o negócio jurídico, não resta configurado o dano necessário à condenação da parte, em virtude de responsabilidade civil geradora de danos morais.

Recurso não provido.

Apelação Cível nº 1.0312.12.001619-0/001 - Comarca de Ipanema - Apelantes: Walter Correa Gomes e Iraci Rodrigues Gomes - Apelado: José Costa da Silva - Relatora: Des.ª Mariângela Meyer

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, a 10ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em negar provimento ao recurso.

Belo Horizonte, 3 de junho de 2014. - Mariângela Meyer - Relatora.

NOTAS TAQUIGRÁFICAS

DES.ª MARIÂNGELA MEYER - Trata-se de recurso de apelação interposto por Walter Correa Gomes e Iraci Rodrigues Gomes pleiteando a reforma da sentença proferida pelo MM. Juiz da Vara Única da Comarca de Ipanema, que extinguiu o processo com resolução de mérito, nos termos do art. 269, inciso IV, Código de Processo Civil, condenando os requerentes ao pagamento de custas processuais e honorários advocatícios no valor de R$300,00 (trezentos reais), observada a gratuidade judiciária.

Inconformados, os apelantes alegam que o primeiro requerente contraiu vários empréstimos mediante assinatura de notas promissórias com o apelado nos anos de 2007 e 2008, com o pagamento de juros altíssimos. No momento do acerto, afirma que o autor foi enganado em virtude de seus problemas de visão e acabou assinando documentos de venda de dois de seus imóveis.

Alegam que somente obtiveram o título comprobatório da dívida em virtude de ação cautelar, em 26.10.2010 e 24.01.2012.

Afirmam que a segunda apelante teve sua assinatura falsificada e o contrato de compra e venda do imóvel não foi assinado na frente de testemunhas.

Aduzem que a sentença não merece prosperar, porque reconhece a decadência erroneamente e não trata da indenização por danos morais pedida na exordial.

Defendem que o primeiro apelante somente teve conhecimento da sua manifestação de vontade errônea, em virtude do dolo do apelado, após a exibição do suposto contrato em sede de ação cautelar, na data de 26.10.2010, não tendo como conhecer o negócio jurídico antes da apresentação do seu documento em juízo.

Discorrem que a segunda apelante tem outro fundamento para o julgamento de sua pretensão relativa ao defeito do negócio jurídico, visto que não autorizou a venda do imóvel.

Requerem seja dado provimento ao recurso, para que seja afastada a declaração de decadência e o feito seja julgado completamente procedente, declarando a venda do imóvel eivada de erros e retornando à situação anterior, condenando, ainda, o réu ao pagamento de indenização por danos morais.

O apelado não foi intimado para apresentar contrarrazões, uma vez que, embora tenha sido devidamente citado (f. 25), permaneceu revel no feito.

Relatados, examino e, ao final, decido.

Conheço do recurso, pois presentes os pressupostos de sua admissibilidade.

Verifica-se dos autos que a pretensão dos apelantes envolve a anulação do negócio jurídico instrumentalizado pelo contrato particular de compra e venda de f. 20, alegando ter havido dolo por parte do comprador, ora apelado, quando da sua realização.

O MM. Magistrado a quo, por sua vez, entendeu que o pleito teria decaído, uma vez que já teriam se passado mais de quatro anos desde a realização do negócio, que se deu em dezembro de 2005 (f. 20), enquanto a ação originária deste recurso foi ajuizada em julho de 2012 (f. 02-v.).

A decadência que ocorre quando o titular de um direito deixa de exercê-lo no prazo previsto em lei ou no contrato consiste em instituto necessário para assegurar que haja segurança jurídica nas relações interpessoais.

Assim leciona Maria Helena Diniz, a saber: "A decadência é a extinção do direito pela inação de seu titular que deixa escoar o prazo legal ou voluntariamente fixado para o seu exercício" (DINIZ, 1994, p. 212).

O Código Civil dispõe que:

``Art. 178. É de quatro anos o prazo de decadência para pleitear-se a anulação do negócio jurídico, contado:

[...]

II - no de erro, dolo, fraude contra credores, estado de perigo ou lesão, do dia em que se realizou o negócio jurídico; [...].

Ora, se o argumento utilizado pelos autores era de fato o dolo do réu na realização do negócio jurídico, o início do prazo decadencial consiste na realização da tratativa, nos termos do art. 178 do CC, e não da data da obtenção do contrato via ação cautelar, como pretendem os apelantes.

Dessa forma, para invalidar o negócio hostilizado, caberia à parte ter exercido o seu direito no prazo previsto no art. 178, II, CC, qual seja quatro anos, sob pena de perdê-lo por superveniência de decadência, conforme ocorrido.

Outro não é o entendimento deste egrégio Tribunal:

``Apelação cível. Direito civil. Ação declaratória. Anulação de cessão de ações societárias. Gravame instituído sobre os títulos em favor de terceiro. Causa de anulação, e não de nulidade. Direito potestativo de autorizar posteriormente a venda. Ilegitimidade ativa do autor. Prazo decadencial: quatro anos. Art. 178, II, CC/2002. Perecimento do direito reconhecido. Recurso desprovido. I - A cessão de ações dadas em garantia a terceiros não é causa de nulidade, nos termos do art. 166 do Código Civil de 2002, mas sim de anulação. II - Por ser o terceiro o único interessado na anulação do negócio jurídico realizado com violação à garantia a si prestada, e por a lei material civil lhe conferir o direito potestativo de autorizar a venda em momento posterior à sua realização, patente é a ilegitimidade ativa do autor para debater a questão. III - O prazo decadencial para requerer a anulação de negócio jurídico, sob a alegação de ocorrência de dolo e erro, é de quatro anos, contados a partir da data de celebração daquele. IV - Decorrido o aludido prazo, forçoso reconhecer o perecimento do direito invocado na ação (Apelação Cível nº 1.0459.08.031728-0/001 - Relator: Des. Leite Praça - 17ª Câmara Cível - j. em 07.11.2013, p. da súmula em 19.11.2013) (destaquei).

``Apelação cível. Ação declaratória de anulabilidade. Divisão amigável de imóvel. Decadência operada. - Opera-se em quatro anos da data da realização do negócio jurídico a decadência do pedido de sua anulação, o que ocorreu no caso em tela (Apelação Cível nº 1.0431.09.051762-1/001 - Relator: Des. Luciano Pinto - 17ª Câmara Cível - j. em 21.02.2013 - p. da súmula em 04.03.2013) (destaquei).

Correta, portanto, a sentença do Magistrado a quo no sentido de que a anulação do negócio jurídico por dolo está eivada de decadência.

Quanto à ausência de outorga uxória, ela é prescindível em contrato de compra e venda, negócio jurídico que tem natureza meramente obrigacional, motivo pelo qual a ausência da assinatura da esposa no instrumento não enseja a sua anulação.

Esse entendimento é pacífico no colendo Superior Tribunal de Justiça:

``Agravo regimental. Agravo de instrumento. Locação. Compromisso de compra e venda realizado antes da penhora de imóvel. Proteção da posse. Outorga uxória. Mesma representante. 1. Se a representante teve a procuração com poderes para celebrar o compromisso de compra e venda registrada em cartório pelo marido e pela esposa, atuando em nome de ambas as partes, não há falar em ausência da outorga uxória no contrato estabelecido. 2. De mais a mais, consoante entendimento já esposado por esta Corte, `a ausência de outorga uxória não é causa de nulidade do compromisso de compra e venda, tendo em vista sua natureza obrigacional (AgRg nos EDcl no Ag nº 670.583/PR - Rel. Min. Castro Filho - Terceira Turma - DJ de 19.03.2007). 2. Agravo regimental improvido (AgRg no Ag 801.663/SP - Rel.ª Ministra Maria Thereza de Assis Moura - Sexta Turma - Julgado em 25.05.2010 - DJe de 21.06.2010) (destaquei).

``Processual civil. Civil. Contrato de compra e venda de imóvel. Rescisão. Nulidade. Inexistência. Mora. Notificação do cônjuge. Valor do débito. Dispensabilidade. Ausência de prejuízo. Embargos de declaração. Efeitos meramente infringentes. Ausência dos pressupostos do art. 535 do CPC. Súmulas 7/STJ e 211/STJ. - A alegação de contradição do acórdão, contida na petição dos embargos declaratórios, consubstancia, na realidade, a contrariedade da parte com o juízo de mérito realizado, situação que sugere a imposição de efeito infringente aos embargos declaratórios, sem que houvesse propriamente vício a ser sanado, procedimento inadmissível à luz da maciça jurisprudência deste STJ. - As alterações pretendidas nas conclusões do acórdão recorrido demandam uma reanálise do acervo de fatos e provas que instruem o processo, procedimento obstado pelo rigor da Súmula 7 deste STJ. - O ato processual analisado atingiu o fim colimado, cediço que não há declaração de nulidade sem que haja prejuízo ao escopo do processo. - A promessa de compra e venda gera apenas efeitos obrigacionais, não sendo, pois, a outorga da mulher, requisito de validade do pacto firmado. - É inviável o recurso especial quando a matéria contida em dispositivo legal não foi alvo de debate no acórdão recorrido. Recurso especial não conhecido (REsp nº 677.117/PR - Rel.ª Ministra Nancy Andrighi - Terceira Turma - j. em 02.12.2004 - DJ de 24.10.2005, p. 319) (destaquei).

Todavia, quando, em casos como o presente, à promessa de compra e venda não se colacionou a outorga uxória - exceto no regime da separação de bens -, vedada restará a via da outorga da escritura definitiva, pois esta necessariamente exigiria o suprimento do outro cônjuge para gerar direito real.

Nesse sentido, o instrumento que se pretende anular, embora válido para fins de direito pessoal, configurar-se-á, possivelmente, inócuo, visto que, sem a outorga uxória, impossível a escritura pública necessária para a efetivação de direitos reais.

De qualquer forma, a anulação pretendida em virtude da ausência da referida outorga, portanto, não pode prosperar.

No tocante aos danos morais, o art. 5º, inciso X, da Constituição da República de 1988, desta forma tratou:

``Art. 5º. [...]

X - São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito de indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.

A propósito do tema, Sérgio Cavalieri Filho (Programa de responsabilidade civil. São Paulo: Malheiros, p. 74-75) leciona que: ``Enquanto o dano material importa em lesão de bem patrimonial, gerando prejuízo econômico passível de reparação, o dano moral é lesão de bem integrante da personalidade, tal como a honra, a liberdade, a saúde, a integridade física e psicológica, causando dor, sofrimento, tristeza, vexame e humilhação à vítima.

A indenização por dano moral visa à compensação da vítima pelos dissabores experimentados em decorrência da ação do ofensor e, por outro lado, serve de medida educativa de forma a alertar o agente causador do dano sobre as consequências da reiteração da prática.

O referido dano caracteriza-se pela violação dos direitos integrantes da personalidade do indivíduo, atingindo valores internos e anímicos da pessoa, tais como a dor, a intimidade, a vida privada e a honra, entre outros.

Assim ensina Yussef Said Cahali: ``Na realidade, multifacetário o ser anímico, tudo aquilo que molesta gravemente a alma humana, ferindo-lhe gravemente os valores fundamentais inerentes à sua personalidade ou reconhecidos pela sociedade em que está integrado, qualifica-se, em linha de princípio, como dano moral; [...] (Dano moral. 2. ed. São Paulo: RT, 1998, p. 20).

Para que se possa falar em dano moral, é preciso que a pessoa seja atingida em sua honra, sua reputação, sua personalidade, seu sentimento de dignidade, passe por dor, humilhação, constrangimentos e tenha os seus sentimentos violados.

Os simples aborrecimentos e chateações do dia a dia não podem ensejar indenização por dano moral, visto que fazem parte da vida cotidiana e não trazem maiores consequências ao indivíduo.

Não é qualquer dissabor vivido pelo ser humano que lhe dá direito ao recebimento de indenização, como o desacerto contratual observado na espécie.

Além disso, insta analisar se estão presentes os requisitos para a caracterização da responsabilidade civil, quais sejam dano, nexo de causalidade e culpa.

A propósito, não houve a anulação do negócio jurídico, pelos motivos já expostos, motivo pelo qual não restou comprovado nenhum dos requisitos para que fosse o réu responsabilizado civilmente.

Nesse sentido, como subsiste o negócio jurídico, não restou configurado o dano necessário à condenação do apelado em virtude de responsabilidade civil.

Portanto, sem maiores delongas, verificando que a sentença, acertadamente, reconheceu a decadência do direito de anulação do negócio jurídico em virtude de dolo, acrescentando que a ausência de outorga uxória não vicia contrato de promessa de compra e venda de imóvel, bem como verificando a ausência de comprovação de dano apto a gerar responsabilização civil, impõe-se o desprovimento da presente apelação.

Pelo exposto, nego provimento ao recurso de apelação, mantendo a sentença.

Custas recursais, pelos apelantes, suspensa a exigibilidade em virtude da justiça gratuita.

Votaram de acordo com a Relatora os Desembargadores Vicente de Oliveira Silva e Álvares Cabral da Silva.

Súmula - NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO.


Data: 30/07/2014 - 11:53:00   Fonte: Diário do Judiciário Eletrônico - 29/07/2014 

Fonte: TJMG

Extraído de Sinoreg/MG

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