Artigo: É necessária autorização judicial para subrogação de cláusulas de incomunicabilidade e impenhorabilidade

Artigo: É necessária autorização judicial para subrogação de cláusulas de incomunicabilidade e impenhorabilidade?

Eduardo Pacheco Ribeiro de Souza
Publicado em 24/11/2014

É indispensável a autorização judicial para sub-rogação real da cláusula de inalienabilidade. Pergunta-se: é necessária a autorização judicial para a sub-rogação das cláusulas de incomunicabilidade e impenhorabilidade?

              Abordei o tema no livro que publiquei sobre as restrições voluntárias na transmissão de bens imóveis[1], em razão das controvérsias que encerra.

Inicialmente, é de se afirmar que, sub-rogada a cláusula de inalienabilidade, sub-rogadas estão as demais, por implicar a inalienabilidade em incomunicabilidade e impenhorabilidade. Contudo, quando impostas isoladamente, o tema comporta algumas digressões.

A imposição das cláusulas de impenhorabilidade e incomunicabilidade não impede a alienação do bem gravado, ou seja, o direito de dispor do bem não sofre qualquer restrição.

Decidindo o proprietário de tal bem aliená-lo, transferindo o gravame para outros bens (sub-rogação real), terá que requerer autorização judicial? A autorização prevista no § 2° do art. 1.848 e no parágrafo único do art. 1.911 do Código Civil diz respeito à venda (ou outra forma de transmissão onerosa), sendo desnecessária autorização para venda quando não há cláusula de inalienabilidade. Por outro lado, não se pode impedir que o interessado promova a sub-rogação real das cláusulas de impenhorabilidade e incomunicabilidade.

Carlos Alberto Dabus Maluf diz que “[...] é preciso deixar bem claro que na hipótese de o testador gravar os imóveis somente com as cláusulas de incomunicabilidade e impenhorabilidade, não há que se falar em sub-rogação de vínculo”.

Ademar Fioranelli, por seu turno, admite a sub-rogação, mas apenas com autorização judicial. Cita decisão em procedimento de dúvida por ele suscitada, julgada procedente, relativa a permuta pela qual o donatário permutou imóvel recebido em doação, gravado com as cláusulas de incomunicabilidade e impenhorabilidade, constando da escritura que os vínculos eram transferidos para o imóvel por ele recebido. O magistrado decidiu que a imposição das cláusulas sobre o bem recebido dependia de apreciação judicial e que “[...] a sub-rogação não se opera de pleno direito, é imprescindível a autorização judicial”. Em outro procedimento de dúvida, nos autos do proc. nº 583.00.2008.211882-9, o juízo da Primeira Vara de Registros Públicos de São Paulo entendeu que o § 2° do art. 1.848 do Código Civil não se aplica apenas na hipótese de inalienabilidade, sendo indispensável a autorização judicial para a sub-rogação das cláusulas em questão.

Não obstante tão abalizadas opiniões e as decisões administrativas do Tribunal de Justiça de São Paulo, algumas considerações merecem ser tecidas.

Inicialmente, quanto à incomunicabilidade, não se pode olvidar a regra domiciliada no inciso I do art. 1.668 do Código Civil: “[...] são excluídos da comunhão: I - os bens doados ou herdados com a cláusula de incomunicabilidade e os sub-rogados em seu lugar”. A lei estabelece a exclusão da comunhão dos bens recebidos a título gratuito com a cláusula de incomunicabilidade e os sub-rogados em seu lugar. Diante de tal dispositivo legal, necessária seria a intervenção judicial para determinar a sub-rogação, se a lei já o faz? Parece-me que não, especialmente em procedimento de jurisdição voluntária.

Se houver litígio entre os cônjuges, quanto à sub-rogação ou não, será cabível a intervenção judicial, em seara contenciosa. Contudo, não havendo litígio, diante da manifestação do casal, da documentação comprobatória da sub-rogação e da letra da lei, o que motivaria a intervenção judicial em jurisdição voluntária?

Evidentemente que tanto o tabelião quanto o registrador devem estar atentos a uma série de fatores e, como profissionais do direito que são (art. 3° da Lei 8.935/94), praticarão os atos que lhes cabem de acordo com a legalidade. Exemplificativamente, se o bem incomunicável tem o valor de R$100.000,00, a sub-rogação estará limitada a tal valor; é indispensável a manifestação do casal anuindo com a sub-rogação; deve estar comprovada a relação entre a alienação do bem incomunicável e a aquisição do que receberá o vínculo (fica evidente numa permuta, mas a venda e a compra em datas próximas, a utilização para a compra de cheques recebidos na venda, por exemplo, também podem comprovar a relação). Comprovada a cadeia de operações, deve ser reconhecida a sub-rogação da incomunicabilidade, decorrente da lei.

O Código Civil, disciplinando o regime de bens da comunhão parcial, também prevê hipóteses de sub-rogação, sem referência a cláusula de incomunicabilidade, dispensável na hipótese em face do regime. Vejamos: “art. 1.659. Excluem-se da comunhão: I - os bens que cada cônjuge possuir ao casar, e os que lhe sobrevierem, na constância do casamento, por doação ou sucessão, e os sub-rogados em seu lugar; II - os bens adquiridos com valores exclusivamente pertencentes a um dos cônjuges em sub-rogação dos bens particulares”. A sub-rogação é legal, independe de qualquer autorização, e é lícito aos cônjuges requerer ao registro imobiliário que conste do fólio real que o bem está excluído da comunhão, pertencendo com exclusividade a apenas um deles. Ao registrador caberá tomar as cautelas aludidas no parágrafo anterior e praticar o ato de averbação. Se no regime da comunhão parcial de bens é viável reconhecer que o bem pertence exclusivamente a um dos cônjuges, também o é no regime da comunhão de bens, existindo cláusula de incomunicabilidade. No fólio real, a diferença está em que a averbação será feita com amparo no art. 246 da Lei 6.015/73, quando se tratar de bem particular no regime da comunhão parcial, e na averbação da cláusula de incomunicabilidade com alicerce no art. 167, II, 11, da Lei 6.015/73, quando se tratar de bem incomunicável no regime da comunhão de bens, tratando as duas hipóteses, contudo, de sub-rogação prevista em lei.

Como se vê, não há razão para autorização judicial da sub-rogação da incomunicabilidade.

No que diz respeito à sub-rogação da impenhorabilidade, não há regra equivalente à da incomunicabilidade. A questão é mais complexa por envolver interesses de terceiros, não se circunscrevendo ao interesse do casal, tal qual na incomunicabilidade.

Por não exigir a lei autorização judicial para a sub-rogação da impenhorabilidade, deve a mesma ocorrer se comprovada a cadeia de transações, como na incomunicabilidade, cabendo aos tabeliães e registradores exercerem adequadamente a qualificação evitando qualquer burla à cláusula.

O instituidor, ao impor a cláusula de impenhorabilidade, mas não a de inalienabilidade, certamente o fez consciente de suas razões, querendo proteger o beneficiário sem retirar-lhe o poder de disposição dos bens. A manutenção da cláusula, com sua sub-rogação em caso de alienação, cumprirá seu objetivo e atenderá à vontade do instituidor, sem que haja desrespeito a qualquer direito de terceiro. E, para tal, não há previsão de autorização judicial, razão pela qual, exigi-la, parece um excesso de zelo, especialmente se a sub-rogação será qualificada por notários e registradores. Vivemos momento em que a desjudicialização está em voga, com transferência de atribuições, antes exclusivas do Poder Judiciário, para os tabelionatos e registros. Exigir autorização judicial onde a lei não exige é caminhar na contramão. 

[1] SOUZA, Eduardo Pacheco Ribeiro de Souza. As restrições voluntárias na transmissão de bens imóveis – cláusulas de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade. São Paulo: Quinta Editorial, 2.012.

Extraído de Colégio Notarial do Brasil

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Artigo: Cláusula de inalienabilidade na doação de imóveis - Frank Wendel Chossani

Publicado em 24/11/2014

Considerando os diferentes tipos de escrituras lavradas nas Serventias Notariais, certamente a doação de bens imóveis tem grande trânsito.

Nos termos do artigo 538 do Código Civil, “considera-se doação o contrato em que uma pessoa, por liberalidade, transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para o de outra”.

Na doação, a transferência do patrimônio é advinda da munificência do doador.

Prevê a lei que “a doação far-se-á por escritura pública ou instrumento particular” (art. 544 – Código Civil). Lembrando que, nos casos de bens imóveis, cujo valor supere trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País, a escritura pública é essencial à validade do negócio jurídico (art. 108 – Código Civil).

Fato que ora ou outra ocorre na doação, é a intenção dos doadores de constar na escritura a imposição de cláusulas sobre os bens doados, e isso em decorrência de vários fatores – exemplo disso, são as cláusulas de inalienabilidade, impenhorabilidade e imprescritibilidade (art. 1.911 – Código Civil).

Por certo que o tema não é novo, tanto que o Decreto nº 1.839, de 31 de Dezembro de 1907, que regulava o deferimento da herança no caso da sucessão “ab intestato”, já admitia que fosse estabelecida condições de inalienabilidade pelo testador, sobre os bens dos herdeiros ou legatários (art. 3º)[1]. Todavia, em que pese o tema seja arcaico, ele continua sendo pertinente, e faz parte da realidade contratual brasileira, sendo objeto do trabalho dos Tabeliães de Notas, e Oficiais de Registro de Imóveis de todo o Brasil.

A imposição da cláusula inalienabilidade, como o nome sugere, implica diretamente no direito de propriedade, haja vista que a faculdade que tem o proprietário de dispor da coisa, sofrerá limitação. Tal situação (limitação à faculdade de dispor) não é exclusiva das doações, podendo recair também sobre bens no caso de sucessão legítima ou testamentária. A regra é que a gravação de tais cláusulas só pode ocorrer em atos gratuitos.

Sem desmerecer a possibilidade da cláusula de inalienabilidade sobre bens no caso de sucessão legítima ou testamentária, na oportunidade, em fidelidade ao título do artigo em ponto, trataremos apenas, ainda que de forma breve, sobre a cláusula de inalienabilidade na escritura de doação de bens imóveis.

O consagrado Registrador Imobiliário Ademar Fioranelli, conceitua a inalienabilidade como “a restrição imposta ao beneficiado de poder dispor da coisa, ou seja, de aliená-la. Por força dessa circunstância, o imóvel não pode ser alienado a qualquer título (venda, doação, permuta, dação em pagamento, alienação fiduciária), nem onerado com hipoteca; nem tampouco sobre ele será possível constituir direitos reais de anticrese e outros mencionados no art. 1.225 do Código Civil/2002”.[2]

É como se a manifestação de vontade do doador ou testador, tivesse o poder de fazer com determinado bem seja incorporado “ad eternum” ao patrimônio do beneficiado. No entanto tal perpetuidade não é verdadeira, haja vista que a limitação se restringe a uma geração, isto é: ao tempo de vida do beneficiado.

Através da inalienabilidade, configurada está a mitigação ao exercício do direito de propriedade, no que toca a faculdade de dispor, previsto no artigo 1.228 do Código Civil. Daí se faz necessário o entendimento, já consolidado, a respeito do limite de duração da gravação, de modo que o tempo se limita a uma geração, pois do contrário afetada estaria, por descomedido tempo, o tráfego imobiliário e a circulação de riqueza.

Como a inalienabilidade restringe, ainda que por “pouco tempo” a circulação de riqueza, é de bom senso compreender que a ninguém é licito declarar como inalienáveis os próprios bens; e outra não poderia ser a solução, haja vista que, com a imposição da inalienabilidade, o bem automaticamente, nos termos da lei (art. 1.911 do Código Civil), estaria amparado pela impenhorabilidade e a imprescritibilidade, o que geraria grandes dificuldades, como por exemplo no campo das execuções, considerando que nos casos de execuções, a garantia do pagamento é consubstanciada no patrimônio do devedor (artigo 591 – Código de Processo Civil).

Das premissas arguidas, é de se compreender que, em regra, a inalienabilidade, bem como a impenhorabilidade e a imprescritibilidade, só pode imposta em atos gratuitos - testamento ou doação. Permitir tal imposição em qualquer negócio jurídico de forma indiscriminada geraria grande insegurança às relações negociais.

Quanto à imposição das cláusulas somente em atos gratuitos (doação e/ou testamento), surge grande discussão acadêmica no que toca a doação de numerário para a aquisição de bens. Através de tal situação, na casuística, o doador ao invés de doar o imóvel propriamente dito, doa o dinheiro para que o donatário adquira o imóvel.

Sobre os debates acadêmicas ligados ao tipo de doação mencionado, faço menção ao nobre mestre e registrador Doutor Sérgio Jacomino ("Doação Modal e Imposição de Cláusulas Restritivas", in "Estudos de Direito Registral Imobiliário - XXV e XXVI Encontros dos Oficiais de Registro de Imóveis do Brasil - São Paulo/1998 - Recife/1999", IRIB e safE, 2000, págs. 281 a 295) que sustentou a impossibilidade do doador de numerário clausular o bem a ser adquirido pelo donatário. De outro modo, o Egrégio Conselho Superior da Magistratura do Estado de São Paulo, superando a própria posição alhures, entendeu pela possibilidade da imposição[3].

Outra situação digna de menção, no que toca a inalienabilidade, ocorre no chamado “bem de família voluntário” (art. 1.711 a 1.722 – Código Civil).

Como a ninguém é dado declarar como inalienável o próprio bem, a regra é que a inalienabilidade decorra da declaração de vontade de terceiro. No entanto, no bem de família voluntário, cujo procedimento registral esta previsto no previsto nos art. 260 a 265 da Lei dos Registros Públicos (Lei nº 6.015/73), os próprios cônjuges, ou a entidade familiar, podem, mediante escritura pública ou testamento, e desde que respeitado o limite de até um terço do patrimônio líquido existente ao tempo da instituição, impedir que o bem que foi voluntariamente destinado como “de família” seja objeto de execução por dívidas posteriores à sua instituição, salvo alguns casos de específicos, como obrigações “propter rem”, por exemplo.

Cabível na oportunidade a transcrição do artigo 260 da LRP:

Art. 260. A instituição do bem de família far-se-á por escritura pública, declarando o instituidor que determinado prédio se destina a domicílio de sua família e ficará isento de execução por dívida.

Necessário lembrar que o bem de família voluntário, quer instituído pelos cônjuges ou por terceiro, constitui-se pelo registro de seu título no Registro de Imóveis (art. 1.714 – Código Civil e Art. 167, inciso I, número 1 da LRP), situação que não se confunde com a cláusula de inalienabilidade imposta em escritura de doação, uma vez que esta ingressa no Registro Imobiliário por ato de averbação. Assim, expressa na escritura de doação a cláusula de inalienabilidade, ou ainda de impenhorabilidade ou imprescritibilidade, o seu ingresso no Registro de Imóveis, bem como o seu cancelamento, será por ato de averbação, nos termos do artigo 167, II, número 11 da Lei dos Registros Públicos.

Tratando do assunto, o já citado, Doutor Ademar Fioranelli, ensina que “a eventual falta de averbação de cláusulas restritivas nos Cartórios de Registro de Imóveis espelha tanto a desatenção no exame do título, quanto o desconhecimento do alcance dos objetivos das restrições estabelecidas, sejam estas estabelecidas por manifestação de vontade (doação e testamento), sejam decorrentes da lei. Tal fato poderá acarretar irreparáveis prejuízos às partes, sem falar na eventual e consequente responsabilidade para o registrador ou notário” (Das Cláusulas de Inalienabilidade, Impenhorabilidade e Incomunicabilidade – Série Direito Registral e Notarial – Coordenação Sérgio Jacomino – Ed. Saraiva – 2009, p.2).

Importante destacar que a averbação de cláusula de inalienabilidade não é extensiva aos frutos e rendimentos. Aliás, nesse sentido, conforme noticia veiculada no Colégio Notarial do Brasil – Seção São Paulo (CNB/SP), posicionou-se o IRIB - Instituto de Registro Imobiliário do Brasil, ao afirmar que segundo a base legal, “sobreditas cláusulas de restrição ao direito de propriedade recaem apenas sobre o imóvel, sem nenhum espaço para frutos e rendimentos”[4], de modo que não há base legal para qualquer averbação quanto a extensão aos frutos e rendimentos.

Com isso, ainda segundo o IRIB, na referência atribuída, “caso o interessado resolva dar a devida publicidade a tais cláusulas, no que se reporta a extensão aos frutos e rendimentos de determinado bem, deverá assim fazer perante o Oficial de Registro de Títulos e Documentos, como previsto no artigo 127, parágrafo único, da Lei 6.015/73, que assim se expressa: “Caberá ao registro de Títulos e Documentos a realização de quaisquer registros não atribuídos expressamente a outro ofício”. Desta forma, quando o Oficial Imobiliário receber em seus Serviços título que indique cláusulas de inalienabilidade, impenhorabilidade e de incomunicabilidade sobre determinado imóvel, com clara extensão das mesmas aos seus frutos e rendimentos, deve ele se ater em lançamentos que mostrem tais gravames a incidir apenas sobre os direitos de propriedade do imóvel em questão, sem qualquer notícia quanto a extensão aqui em comento, que vão envolver também os frutos e rendimentos do respectivo bem, por falta de amparo legal para assim fazer”.

Outra faceta da cláusula de inalienabilidade que é digna de estudo, diz respeito ao limite patrimonial da sua imposição nos casos do doador possuir herdeiros necessários. Embora, em regra, a cláusula de inalienabilidade, bem como as demais, só pode ser constituída em atos gratuitos (testamento ou doação), tal gravação não pode ser imposta de qualquer maneira, isso porque, no caso da doação, o doador só pode impor tal cláusula (de forma injustificada), quando o bem doado sair da parte disponível do seu patrimônio. Assim, a princípio, uma vez que o bem doado não interfira no valor da legítima, a imposição injustificada da cláusula de inalienabilidade será perfeitamente possível.

No entanto, caso a doação configure adiantamento da legítima, em tal caso, necessariamente deverá ocorrer justificativa para tal imposição (art. 1.848 do Código Civil).

Nesse sentido, importantes são os dizeres constantes do Código Civil Comentado, coordenado pelo ilustre Cezar Peluso, no sentido de que “o legislador optou por solução intermediária entre a do Código Civil de 1916, que permitia livre imposição das cláusulas à legitima, e a propugnada por grande parte da doutrina de abolir essas cláusulas, por retirarem bens do comércio, impedindo a circulação de riquezas, e também por serem resquício de mentalidade patriarcal”[5].

Tratando do assunto, mas no âmbito do testamento, ensina o saudoso jurista Silvio Rodrigues que “as restrições legais para a imposição das cláusulas de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade só dizem respeito aos bens da legítima. Se o testador não tiver herdeiros necessários, poderá dispor livremente de todos os seus bens, impondo as cláusulas que bem entender, e, mesmo que tenha herdeiros necessários, pode, sem limitação alguma, gravar os bens que integram a sua metade disponível” (Direito Civil, Direito das Sucessões, vol. VII, p. 127).

Há que se notar que no caso de adiantamento de legítima a “justificativa” (causa) para clausular o bem, deve ser “justa” (justa causa), de modo que não são suficientes justificativas genéricas por parte dos doadores, como simplesmente “preservar o patrimônio da família”, ou “garantir o patrimônio do beneficiado”.

Mauro Antonini, em sua obra, ensina que “não serão válidas, por conseguinte, indicações genéricas, sem singularidade em face do herdeiro que sofrerá a restrição; nem puramente subjetivas, que impeçam a referida apreciação posterior. O que significa, por exemplo, que não atenderá ao requisito da explicitação da justa causa a imposição de inalienabilidade mediante simples afirmação de que visa a proteção do herdeiro, pois essa é a finalidade genérica da cláusula, sem nenhuma especificidade em face de um determinado testamento. Ainda exemplificando, também será insuficiente a alegação de que o cônjuge herdeiro, na cláusula de incomunicabilidade, não é pessoa confiável, sem indicação de algum aspecto passível de apreciação objetiva”. (ANTONINI, Mauro in “Código Civil Comentado”. Coordenador: Cezar Peluso, Manole, 3ª Ed., São Paulo, 2009, p. 2.083).

Diante das particularidades expostas, o Tabelião de Notas deve alertar o doador, no momento da lavratura da competente escritura, sobre a necessidade de embasar de forma substancial a justificativa para a imposição da cláusula de inalienabilidade nos casos em que a doação se tratar de adiantamento da legítima, pois do contrário o ato poderá sofrer alteração em decorrência de eventual decisão, ante a sua eventual impugnação perante o Poder Judiciário.

Para concluir, uma vez apresentados os documentos e protocolizados para a lavratura da escritura de doação, o Notário além de todos os requisitos inerentes ao ato, deve, uma vez manifesta pelo doador a intenção de impor a cláusula de inalienabilidade, verificar se a doação é oriunda da porção disponível do patrimônio do doador, e caso não seja, deve esclarecer ao mesmo sobre a necessidade da justificativa substancial para a imposição da cláusula, salientando ao usuário que, ainda assim, o donatário, poderá submeter o título á apreciação do Judiciário. Por sua vez, o Oficial do Registro de Imóveis, ao recepcionar o título, deve empreender toda a sua diligência na análise do mesmo, e uma vez preenchidos os requisitos, promover o registro do título, averbando a cláusula existente, lembrando sempre, que nos termos do item 119, do Capítulo XX, das NSCGJ/SP, “incumbe ao oficial impedir o registro de título que não satisfaça os requisitos exigidos pela lei, quer sejam consubstanciados em instrumento público ou particular, quer em atos judiciais”.

[1] Decreto nº 1.839, de 31 de Dezembro de 1907 - Rio de Janeiro, 31 de dezembro de 1907, 19º da Republica - AFFONSO AUGUSTO MOREIRA PENNA – “Art. 3º: O direito dos herdeiros, mencionados no artigo precedente, não impede que o testador determine que sejam convertidos em outras especies os bens que constituirem a legitima, prescreva-lhes a incommunicabilidade, attribua á mulher herdeira a livre administração, estabeleça as condições de inalienabilidade temporaria ou vitalicia, a qual não prejudicará a livre disposição testamentaria e, na falta desta, a transferencia dos bens aos herdeiros legitimos, desembaraçados de qualquer ônus”.

[2] Das Cláusulas de Inalienabilidade, Impenhorabilidade e Incomunicabilidade – Série Direito Registral e Notarial – Coordenação Sérgio Jacomino – Ed. Saraiva – 2009, p.20

[3] ACÓRDÃO CSM - DATA: 8/10/2001 - FONTE: 078532-0/3 - LOCALIDADE: SÃO JOSÉ DO RIO PRETO - Relator: LUÍS DE MACEDO- DOAÇÃO MODAL. INALIENABILIDADE. IMPENHORABILIDADE. INCOMUNICABILIDADE. USUFRUTO VITALÍCIO. AQUISIÇÃO - NUA-PROPRIEDADE. Ementa: “Escritura pública relativa à doação de numerário para a compra da nua-propriedade de imóveis com imposição, pelos doadores, de cláusula de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade e à compra, do usufruto vitalício. Possibilidade”.

[4] Questão esclarece acerca da possibilidade de averbação de cláusula de inalienabilidade entre outros temas - publicada em 23/10/2014 - fonte iRegistradores. Noticia veiculada no site do Colégio Notarial do Brasil – Seção São Paulo (CNB/SP). Disponível em:https://www.cnbsp.org.br/(X(1)S(l5py5r45ldqjolfy5jxvxyix))/Noticias_leiamais.aspx?NewsID=7828&TipoCategoria=1. Consulta aos 14 nov. 2014.

[5] Código Civil comentado: doutrina e jurisprudência: Lei nº 10.406, de 10.01.2002: contém o Código Civil de 1916 / coordenador Cezar Peluso. – 4 ed. rev. e atual. – Barueri, SP: Manole, 2010, p. 2177).

Extraído de Colégio Notarial do Brasil

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