Escritura pública de nomeação de apoiadores para pessoas idosas: Proposta de desjudicialização

Escritura pública de nomeação de apoiadores para pessoas idosas: Proposta de desjudicialização

Gustavo Bandeira
segunda-feira, 1 de dezembro de 2025
Atualizado em 28 de novembro de 2025 09:26

Resumo

O presente artigo analisa o instituto da TDA - Tomada de Decisão Apoiada, introduzido pela lei 13.146/15 no ordenamento jurídico brasileiro, e propõe sua aplicação analógica às pessoas idosas, mediante escritura pública de nomeação de apoiadores. Embora o art. 1.783-A do CC tenha sido concebido para atender às pessoas com deficiência, argumenta-se que seus fundamentos - autonomia, dignidade e apoio voluntário - também se aplicam ao idoso, especialmente diante da vulnerabilidade decorrente da idade. Defende-se, portanto, a possibilidade de formalização extrajudicial da TDA em favor de idosos plenamente capazes, sem necessidade de homologação judicial, em consonância com o movimento de desjudicialização e com o fortalecimento da função notarial como instrumento de cidadania.

Palavras-chave: Tomada de decisão apoiada. Idoso. Escritura pública. Desjudicialização. Autonomia. Dignidade.

1. Introdução

O envelhecimento populacional é um fenômeno irreversível e de grande impacto jurídico e social. No Brasil, a população idosa cresce em ritmo acelerado, o que demanda mecanismos de proteção que garantam a autonomia da vontade e a dignidade da pessoa humana. Busca-se, assim, a tutela da vulnerabilidade sem limitação da capacidade civil.

A TDA - Tomada de Decisão Apoiada, prevista no art. 1.783-A do CC, surgiu como instrumento inovador para assegurar que pessoas com deficiência possam exercer sua capacidade civil com apoio, sem substituição de sua vontade. Eis a diferença terminológica essencial: apoio não é substituição.

A presente proposta reflete sobre a ampliação do instituto às pessoas idosas, mediante escritura pública de nomeação de apoiadores, evitando a judicialização desnecessária e reforçando o papel da juridicidade notarial como meio de proteção preventiva.

2. A tomada de decisão apoiada no Direito Civil brasileiro

A lei 13.146/15, que instituiu o Estatuto da Pessoa com Deficiência, incluiu no CC o art. 1.783-A, criando a figura da Tomada de Decisão Apoiada - um modelo de suporte voluntário destinado à promoção da autonomia.

Conforme o caput do dispositivo:

"A tomada de decisão apoiada é o processo pelo qual a pessoa com deficiência elege pelo menos duas pessoas idôneas, com as quais mantenha vínculos e que gozem de sua confiança, para prestar-lhe apoio na tomada de decisão sobre atos da vida civil, fornecendo-lhes os elementos e informações necessários para que possa exercer sua capacidade." (BRASIL, 2015)

Trata-se, portanto, de um processo judicial, instaurado a pedido da própria pessoa interessada, com oitiva do Ministério Público e homologação judicial (§§ 1º a 3º). A decisão tomada pela pessoa apoiada, dentro dos limites do apoio acordado, tem validade e efeitos plenos perante terceiros (§ 4º).

Homologada a nomeação dos apoiadores, esta deve ser levada a registro no Livro "E" dos Ofícios de Registro Civil das Pessoas Naturais com atribuição de Interdição e Tutelas, de modo que, emitida certidão para a prática de determinados atos, conste do documento a informação sobre a TDA e a exigência da presença dos apoiadores.

A TDA representa um marco do modelo social da deficiência, inspirado na Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (decreto 6.949/09), rompendo com a lógica da substituição da vontade, típica da curatela.

3. A vulnerabilidade do idoso e a proteção jurídica da autonomia

O Estatuto do Idoso (lei 10.741/03), atualizado pela lei 14.423/22, estabelece a prioridade da proteção integral e da autonomia das pessoas idosas, reconhecendo a importância da liberdade de decidir e da participação ativa na vida social.

Observa-se, contudo, que muitos idosos, ainda que plenamente capazes, enfrentam situações de vulnerabilidade, tais como:

. Declínio cognitivo leve;

. Dependência emocional ou física;

. Dificuldade em compreender contratos e atos financeiros complexos;

. Risco de manipulação por terceiros;

. Confusão mental temporária em determinadas circunstâncias.

Essas situações não justificam curatela ou interdição, mas evidenciam a necessidade de instrumentos intermediários de apoio, que confiram segurança sem suprimir a autonomia.

4. A desjudicialização e a função notarial como caminho de efetivação

A desjudicialização é uma diretriz consolidada no ordenamento jurídico brasileiro, promovendo a transferência de determinados atos da esfera judicial para a via notarial e registral, sob o controle de legalidade e fé pública do tabelião e do registrador.

Exemplos marcantes incluem o inventário e o divórcio extrajudiciais (lei 11.441/07), a usucapião administrativa (lei 13.105/15, art. 1.071) e, mais recentemente, os inventários com incapazes (resolução CNJ 571/24).

No Estado do Rio de Janeiro, o Código de Normas da CGJ/RJ (2022) - cuja relatoria tivemos a honra de exercer - consagrou expressamente a desjudicialização como instrumento de cidadania efetiva, prevendo não apenas o inventário com incapazes (art. 447), mas também a escritura pública de autocuratela (art. 396) e a DAV - Diretiva Antecipada de Vontade. Em outubro de 2025, o provimento CNJ 206/25 ratificou tais avanços, consolidando o modelo carioca como referência nacional.

Nesse contexto, propõe-se que o idoso, plenamente capaz, possa lavrar uma escritura pública de nomeação de apoiadores, na qual:

Indique ao menos duas pessoas de sua confiança para prestar-lhe apoio;

. Delimite o escopo do apoio (decisões patrimoniais, médicas ou contratuais);

. Defina prazos e possibilidade de revogação;

. Declare expressamente que mantém plena capacidade civil.

A fé pública do tabelião assegura a segurança jurídica necessária ao ato, conferindo celeridade e economicidade, sem necessidade de intervenção judicial - que deve permanecer restrita às hipóteses do art. 1.783-A, voltadas às pessoas com deficiência.

5. Fundamentos jurídicos da proposta

A aplicação extrajudicial da TDA a idosos encontra respaldo em diversos princípios e normas do ordenamento jurídico, destacando-se:

1. Dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III) - a autonomia é expressão essencial da dignidade, e o apoio visa preservá-la, jamais restringi-la.

2. Autonomia privada e liberdade contratual (CC, art. 421) - a escritura pública apenas formaliza, com segurança jurídica, a manifestação legítima de vontade de partes plenamente capazes.

3. Eficiência e desjudicialização (CF, art. 5º, LXXVIII) - a atividade notarial concretiza o princípio da razoável duração do processo e da celeridade procedimental.

4. Proteção ao idoso (lei 10.741/03, art. 3º) - a escritura pública é meio idôneo de efetivação dessa proteção estatal.

5. Competência notarial (lei 8.935/94, art. 6º) - cabe ao tabelião, como agente estatal imparcial, dar forma legal à vontade das partes, prevenindo litígios e garantindo segurança jurídica.

Dessa forma, a escritura pública de nomeação de apoiadores configura instrumento voluntário, flexível e preventivo, que permite ao idoso exercer sua autonomia com o apoio necessário, sem intervenção judicial.

6. Efeitos práticos da proposta

A prática notarial revela inúmeras situações de vulnerabilidade do idoso que, embora lúcido e orientado, demonstra insegurança na celebração de atos jurídicos. Essa realidade preocupa não apenas os familiares, mas também o tabelião, cuja responsabilidade civil e criminal pela higidez dos atos é expressa, inclusive no art. 108 do Estatuto do Idoso.

A presença de apoiadores, designados previamente em escritura pública, traria maior segurança jurídica e emocional às partes envolvidas, prevenindo abusos e garantindo a autenticidade da manifestação de vontade.

A interdição, nesses casos, não é solução adequada - vulnerabilidade não se confunde com incapacidade. O idoso deve ser protegido e apoiado, não substituído. A TDA, por escritura pública, apresenta-se como instrumento jurídico ideal para tanto.

Sugere-se, ainda, que as Corregedorias-Gerais de Justiça e o CNJ regulamentem a matéria, prevendo o registro das escrituras de nomeação de apoiadores no RCPN com atribuição de Interdição e Tutelas, garantindo publicidade e a exigência de participação dos apoiadores sempre que necessário.

7. Conclusão

A Tomada de Decisão Apoiada representa um avanço essencial na consolidação da capacidade legal universal e na promoção de um Direito Civil inclusivo. Sua adaptação às pessoas idosas, por meio da escritura pública, coaduna-se com o movimento de desjudicialização e com o fortalecimento da função notarial como instrumento de cidadania e segurança jurídica.

Permitir que o idoso - capaz, porém vulnerável - designe apoiadores de confiança sem processo judicial é assegurar-lhe o direito de decidir com apoio e não sob tutela, constituindo mais uma camada de proteção à velhice digna e autônoma.

Tal proposta reforça a cidadania, valoriza o notariado e reafirma que a autonomia com responsabilidade é o verdadeiro eixo da dignidade humana.

Fonte: Migalhas

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