Inventário e partilha de bens no Direito de Família e inovações do CNJ

Inventário e partilha de bens no Direito de Família e inovações do CNJ

Luísa Mattos

Caminhos para a partilha de bens sob a ótica do Direito de Família. Como a inovação do CNJ transformou o inventário extrajudicial.

quinta-feira, 12 de junho de 2025
Atualizado às 09:44

A dolorosa perda de um ente querido traz consigo não apenas o luto, mas também a inadiável necessidade de regularizar a situação patrimonial deixada. Nesse cenário, o inventário é a principal ferramenta que o Direito de Família nos oferece. Na nossa prática diária, temos duas modalidades principais: o inventário judicial e o inventário extrajudicial, cada um com suas particularidades e requisitos que merecem a atenção para uma orientação eficaz, sobretudo considerando as dinâmicas de cada família.

O inventário judicial é a modalidade tradicional, conduzida no Poder Judiciário. Sua tramitação, embora mais lenta e custosa, é obrigatória em situações que envolvem conflitos familiares. Ou seja, quando há discordância entre os herdeiros sobre a divisão dos bens, a validade de um testamento, ou qualquer outro ponto relevante à sucessão; o Judiciário se torna o palco para a resolução desses impasses, mediando conflitos que, muitas vezes, têm raízes profundas nas relações familiares.

A condução do inventário judicial, marcada por etapas técnicas e burocráticas, tende a se arrastar por anos, agravando disputas e tensões familiares.

Em contrapartida, o inventário extrajudicial, instituído pela lei 11.441/07, representa um grande avanço para a desburocratização e rapidez do processo sucessório, valorizando a autonomia da vontade e o consenso familiar. 

Essa modalidade, realizada em Tabelionato de Notas, somente é cabível quando presentes todos os seguintes requisitos que refletem a existência de consenso e harmonia entre os envolvidos: consenso entre os herdeiros (a partilha dos bens deve ser feita de forma amigável e sem divergência, ressaltando a importância do diálogo familiar); ausência de testamento válido (já que a existência de testamento geralmente exige a via judicial); e a assistência de advogado, que é obrigatória em todas as fases para garantir a legalidade do procedimento e a proteção dos direitos de cada herdeiro.

Antes, o inventário extrajudicial era cabível apenas quando todos os herdeiros eram maiores e capazes. No entanto, uma recente e significativa mudança aprovada pelo CNJ promete revolucionar a tramitação de inventários, partilha de bens e divórcios consensuais. 

Agora, esses procedimentos poderão ser resolvidos em cartório, mesmo quando houver herdeiros menores de 18 anos ou incapazes. A decisão, tomada por unanimidade em 20 de agosto de 2024, atende a um pleito do IBDFAM - Instituto Brasileiro de Direito de Família e flexibiliza as regras da resolução CNJ 35/07. A principal vantagem dessa medida é a simplificação e agilidade para as famílias, que não dependerão mais da homologação judicial. 

Para que o inventário extrajudicial seja possível, a condição primordial é o consenso entre todos os herdeiros, com a garantia de que a parte ideal, ou seja, a porcentagem ou fração exata da herança e de cada bem, seja assegurada aos menores ou incapazes. Em casos de divórcio consensual com filhos menores ou incapazes, a guarda, visitação e alimentos deverão ser previamente definidos na esfera judicial. Importante ressaltar que, nesses casos sensíveis, os cartórios terão a responsabilidade de remeter a escritura pública ao MP. Isso assegura a proteção dos interesses dos vulneráveis. Caso o MP identifique alguma injustiça, ou se houver contestação de terceiros, o processo será encaminhado ao Judiciário. A medida visa desafogar o Poder Judiciário, otimizando a solução de milhões de processos.

A maior vantagem do inventário extrajudicial está na sua rapidez e praticidade, permitindo que a partilha dos bens seja feita por meio de escritura pública, sem a necessidade de um processo judicial. Essa agilidade costuma reduzir os custos financeiros e emocionais, facilitando uma solução mais tranquila para a família em um momento já marcado pelo luto. 

É importante saber que a lei estipula um prazo de 60 dias, a partir do óbito, para a abertura do inventário, seja judicial ou extrajudicial. Mas, mesmo após o prazo inicial de 60 dias para a abertura do inventário, o processo para regularizar os bens deixados pelo falecido ainda é totalmente viável. Embora possa haver a incidência de multas e juros de mora, especialmente no que se refere ao imposto de transmissão (ITCMD), a legislação permite que o inventário seja concluído. A única ressalva é que a herança não tenha sido declarada vacante - um cenário raro onde não há herdeiros conhecidos. Assim, o caminho para a transmissão do patrimônio permanece aberto, bastando regularizar os débitos fiscais.

A escolha entre o inventário judicial e o extrajudicial não é meramente procedimental, ela é estratégica. O papel da advocacia é, portanto, fundamental. Cabe ao profissional, com sensibilidade e expertise em Direito de Família e Sucessões, analisar a situação familiar e patrimonial, verificar a presença dos requisitos legais para cada modalidade, esclarecer as vantagens e desvantagens de cada via e, sobretudo, conduzir o processo com inteligência e empatia. 

A correta orientação evita desgastes desnecessários, preserva as relações familiares e garante que a vontade do falecido seja respeitada, ao mesmo tempo em que se assegura a justa partilha do patrimônio, permitindo que os herdeiros sigam adiante com menor carga de preocupações legais e emocionais. 

O inventário, seja judicial ou extrajudicial, reflete diretamente a dinâmica das relações familiares e representa um passo fundamental para a reorganização da vida após a perda, formalizando legalmente aquilo que o afeto e a legislação já estabeleceram.

Luísa Mattos
Advogada no Valente Silva Advogados. Formada em Direito pelo UniCEUB, com experiência em Direito de Família e Direito Civil, com foco em divórcios, inventários e soluções para empresas familiares.

Fonte: Migalhas

                                                                                                                            

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