Leilão de imóvel e a responsabilidade pelos débitos do imóvel entre a arrematação e a imissão na posse?

Leilão de imóvel e a responsabilidade pelos débitos do imóvel entre a arrematação e a imissão na posse?

Max Araujo da Silva

Uma questão que ainda gera aflição é o de quem seria responsável pelos débitos do imóvel no interstício de tempo entre a aquisição do imóvel (arrematação) até o efetivo ingresso no mesmo (imissão na posse), ou seja, quem paga as contas do imóvel, em especial, a taxa condominial, até que o novo proprietário consiga definitivamente obter a posse plena do imóvel.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2023
Atualizado em 16 de fevereiro de 2023 13:31

Com o recente crescimento da busca de imóveis ofertados em leilões judiciais1, operadores do direito, no afã de conferir maior segurança e tornar o negócio - ainda de certo modo complexo - menos burocrático, vem empreendendo esforços para criar alternativas e soluções para tornar esse mercado ainda mais vantajoso e atrativo para os seus interessados.

Dentro desse cenário, uma questão que ainda gera aflição é o de quem seria responsável pelos débitos do imóvel no interstício de tempo entre a aquisição do imóvel (arrematação) até o efetivo ingresso no mesmo (imissão na posse), ou seja, quem paga as contas do imóvel, em especial, a taxa condominial, até que o novo proprietário consiga definitivamente obter a posse plena do imóvel.

Nesse aspecto é bom que se diga que o referido tema não possuí apenas relevância teórica, mas também relevância prática extrema, na medida em que, após a arrematação do imóvel, a imissão na posse não é imediata já que condicionada a algumas etapas jurídicas que tem em sua duração, certo grau de imprevisibilidade à depender de uma série de fatores, tais como: (i) a situação do  cada processo (ii) a Vara em que a ação judicial tramita e (iii) até a experiência e diligência do advogado que patrocina o interesse do Arrematante.

Pois bem, feito essa introdução, com a objetividade que se pretende expor ao tema, o cerne do presente artigo é apresentar como vem se desdobrando a jurisprudência (o conjunto das decisões, aplicações e interpretações das leis) sobre a partir de que momento o arrematante ficaria responsável em pagar os débitos do imóvel, ou seja, se (i) logo a partir da arrematação ou (ii) apenas na imissão (entrada) no imóvel.

A esse respeito, há quem defenda a tese de que a cobrança das taxas condominiais, por terem natureza propter rem, isto é, decorrente da titularidade da coisa, possuí caráter de acessoriedade, logo, acompanhando o imóvel em todas as suas mutações subjetivas.

Dessa maneira, advoga quem defende tal argumento, que as despesas de condomínio seguem o imóvel em caso de alienação, adjudicação ou arrematação, impondo a transferência ao novo adquirente da responsabilidade pelos débitos vencidos e vincendos, e, sobretudo, se o arrematante estiver ciente da dívida através do edital de praça ou do auto de arrematação, ressalvada a ação regressiva contra o antigo proprietário.

Em outras palavras para essa corrente, por terem natureza propter rem, são de responsabilidade do arrematante todas aquelas constituídas após a arrematação, independentemente do momento de imissão na posse ou de formalização perante o Registro de Imóveis

De certo modo, tal teoria em um primeiro momento, aparenta-se como razoável, especialmente, pela dicção do artigo 903 do Código de Processo Civil2, que afirma que  é a assinatura do auto que torna a arrematação perfeita, acabada e irretratável, sendo assim, neste momento o arrematante passa a responder pelos encargos próprios do imóvel.

Reforçam a teoria com o argumento de que as já citadas obrigações propter rem pressupõem sempre um direito real do qual nascem e do qual não se separam. Assim, a arrematação ou qualquer outra modalidade de transmissão do direito real acarreta também a mudança da titularidade da obrigação, que, no caso, opera-se com a assinatura do auto de arrematação.

Tal premissa importa no reconhecimento de que o débito condominial segue o imóvel, que por sua vez garante a dívida por ele gerada. Assim, o arrematante seria responsável pelo pagamento dos débitos, ainda que estas sejam relativas a período anterior à sua imissão na posse.

Pois bem, com o devido acatamento a tal teoria, o fato é que, ao meu ver e de parte relevante da Jurisprudência, o que define a responsabilidade pelo pagamento das obrigações condominiais não é o registro da arrematação, mas sim a relação jurídica material com o imóvel, representada pela imissão na posse pelo arrematante e pela ciência inequívoca do condomínio acerca da transação.

Ora, as despesas condominiais vencidas entre a arrematação e a imissão na posse não podem ser atribuídas ao arrematante, mas sim a quem está na posse direta do imóvel em questão, ocupando-o, ou seja, o antigo proprietário, sob pena de, em assim não sendo, locupletar-se indevidamente o devedor, que utiliza o bem sem arcar com as despesas decorrentes deste uso.

Aliás, a este respeito, registre-se que o Superior Tribunal de Justiça, julgando recurso representativo de controvérsia, no mesmo sentido decidiu:

PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543- C DO CPC. CONDOMÍNIO. DESPESAS COMUNS. AÇÃO DE COBRANÇA. COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA NÃO LEVADO A REGISTRO. LEGITIMIDADE PASSIVA. PROMITENTE VENDEDOR OU PROMISSÁRIO COMPRADOR. PECULIARIDADES DO CASO CONCRETO. IMISSÃO NA POSSE. CIÊNCIA INEQUÍVOCA. 1. Para efeitos do art. 543-C do CPC, firmam-se as seguintes teses: a) O que define a responsabilidade pelo pagamento das obrigações condominiais não é o registro do compromisso de compra e venda, mas a relação jurídica material com o imóvel, representada pela imissão na posse pelo promissário comprador e pela ciência inequívoca do condomínio acerca da transação. b) Havendo compromisso de compra e venda não levado a registro, a responsabilidade pelas despesas de condomínio pode recair tanto sobre o promitente vendedor quanto sobre o promissário comprador, dependendo das circunstâncias de cada caso concreto. c) Se ficar comprovado: (i) que o promissário comprador se imitira na posse; e (ii) o condomínio teve ciência inequívoca da transação, afasta-se a legitimidade passiva do promitente vendedor para responder por despesas condominiais relativas a período em que a posse foi exercida pelo promissário comprador. 2. No caso concreto, recurso especial não provido. (Resp 1.345.331-RS. Rel. Min. LUIS FELIPE SALOMÃO. DJe: 20/04/2015)

Diante disso, conforme delineado nas linhas acima, a despeito de se tratar de dívida propter rem, o requisito para a obrigação ao pagamento das cotas condominiais é a imissão na posse, isso porque, anteriormente à imissão na posse, não há qualquer vínculo obrigacional deste com a coisa.

Aliás, não seria justo atribuir responsabilidade do adquirente de boa-fé pelo pagamento das despesas condominiais no período entre a arrematação e a sua imissão na posse do imóvel, sobretudo, no caso em que o imóvel permaneceu ocupado, tendo havido demora na efetivação dos desdobramentos fáticos do leilão, por má-fé do devedor, ocupante do imóvel etc., bem como, por culpa da morosidade do Poder Judiciário.

Não é de mais asseverar que o arrematante - terceiro de boa-fé e até então totalmente estranho a lide - ingressa na referida contenda para pacificar a relação jurídica travada muita das vezes por longos anos, conferindo efetividade ao processo executório e dessa maneira, contribuindo para os Poderes Institucionais.

Por fim, dado a esse relevante e indispensável papel dessas pessoas (arrematante) que as normas e teorias aplicáveis neste instituto, devem ser interpretados em favor daquele terceiro, repita-se, de boa-fé, de maneira que entender ao contrário, seria proporcionar um desestímulo ao mercado de leilões, que como dito anteriormente, desempenha um papel importante dentro do Poder Judiciário.

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1 Casa: cresce procura por imóveis em leilão e consórcio - 24/11/2022 - Mercado - Folha (uol.com.br)

2 Art. 903. Qualquer que seja a modalidade de leilão, assinado o auto pelo juiz, pelo arrematante e pelo leiloeiro, a arrematação será considerada perfeita, acabada e irretratável, ainda que venham a ser julgados procedentes os embargos do executado ou a ação autônoma de que trata o § 4º deste artigo, assegurada a possibilidade de reparação pelos prejuízos sofridos.

Max Araujo da Silva
Advogado, Sócio Fundador do Escritório Araújo & Batalha Advogados, Ex- Coordenador Jurídico de empresa Segmento de Tecnologia -Especialista em Direito Imobiliario - Conselheiro da OAB/Barra da Tijuca

Fonte: Migalhas

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