Penhora de aluguéis: Efetividade e limites à luz do princípio da menor onerosidade

Penhora de aluguéis: Efetividade e limites à luz do princípio da menor onerosidade

Gualter Bezerra

Análise de precedente do TJ/CE que admite a penhora de créditos locatícios para garantir a efetividade da execução, mesmo diante de bens já penhorados.

sexta-feira, 13 de junho de 2025
Atualizado às 10:33

A efetividade da tutela jurisdicional executiva é uma das garantias fundamentais do processo civil contemporâneo. À luz do art. 139, inciso IV, do CPC, o juiz deve empregar medidas necessárias para assegurar o resultado prático do processo, mesmo que atípicas, desde que proporcionais, razoáveis e respeitadas as garantias constitucionais. Dentro desse contexto, a penhora de créditos locatícios tem sido admitida como meio legítimo e eficaz para a satisfação do crédito exequendo.

Recentemente, o TJ/CE, em acórdão proferido no agravo de instrumento 0633833-49.2022.8.06.0000, confirmou decisão da 1ª vara Cível da Comarca de Caucaia que autorizou a penhora dos créditos locatícios de quatro lojas de shopping pertencentes à empresa executada, mesmo diante da existência de outros bens imóveis anteriormente penhorados.

A controvérsia instaurada dizia respeito à alegação da executada de que a constrição seria indevida por representar risco à continuidade de suas atividades empresariais, violando os princípios da preservação da empresa e da menor onerosidade. Alegava-se, ainda, que os bens imóveis penhorados anteriormente seriam suficientes para a garantia do juízo.

Entretanto, o juízo de origem, nos autos do cumprimento de sentença da ação monitória 0035781-92.2013.8.06.0064, destacou que, embora existam imóveis penhorados, estes também estavam sujeitos a outras constrições judiciais em execuções distintas, não havendo segurança quanto à suficiência desses bens para adimplir a obrigação. Assim, foi determinada a penhora dos aluguéis de contratos celebrados com grandes locatários, como o Estado do Ceará, Lojas Americanas, Ortobom e Pague Menos, com depósitos em conta judicial vinculada ao feito.

O acórdão do TJ/CE, ao manter a decisão, fundamentou-se no art. 867 do CPC, que expressamente autoriza a penhora de frutos e rendimentos de bens do executado sempre que isso representar uma via mais eficiente para o recebimento do crédito. Ressaltou-se, ainda, que essa modalidade de penhora não se confunde com o bloqueio de faturamento da empresa, uma vez que não houve prova de que os valores locatícios representassem parcela essencial à sua atividade operacional.

O tribunal também rejeitou a alegação de excesso de penhora. Embora a executada tivesse imóveis penhorados, a multiplicidade de credores, o histórico de tentativas frustradas de bloqueio via SISBAJUD e a ausência de garantia efetiva do juízo justificavam a constrição adicional. Ademais, a empresa não comprovou que os aluguéis constritos comprometiam sua folha de pagamento, recolhimento tributário ou regular funcionamento.

Ainda sobre a matéria, no julgamento do Tema 769, sob o rito dos recursos repetitivos, a primeira seção do STJ estabeleceu quatro teses relativas à penhora sobre o faturamento de empresas em execuções fiscais:

I - A necessidade de esgotamento das diligências como requisito para a penhora de faturamento foi afastada após a reforma do CPC de 1973 pela lei 11.382/06.

II - No regime do CPC de 2015, a penhora de faturamento, listada em décimo lugar na ordem preferencial de bens passíveis de constrição judicial, poderá ser deferida após a demonstração da inexistência dos bens classificados em posição superior, ou, alternativamente, se houver constatação, pelo juiz, de que tais bens são de difícil alienação; finalmente, a constrição judicial sobre o faturamento empresarial poderá ocorrer sem a observância da ordem de classificação estabelecida em lei, se a autoridade judicial, conforme as circunstâncias do caso concreto, assim o entender (art. 835, parágrafo 1º, do CPC), justificando-a por decisão devidamente fundamentada.

III - A penhora de faturamento não pode ser equiparada à constrição sobre dinheiro.

IV - Na aplicação do princípio da menor onerosidade (art. 805 e parágrafo único do CPC de 2015; art. 620 do CPC de 1973): a) a autoridade judicial deverá estabelecer percentual que não inviabilize o prosseguimento das atividades empresariais; e b) a decisão deve se reportar aos elementos probatórios concretos trazidos pelo devedor, não sendo lícito à autoridade judicial empregar o referido princípio em abstrato ou com base em simples alegações genéricas do executado.

Portanto, a decisão analisada, embora de natureza cível e não tributária, reafirma a jurisprudência consolidada segundo a qual, não sendo possível a satisfação do crédito por outros meios, é legítima a penhora de aluguéis, inclusive integralmente, desde que não demonstrada a inviabilidade da atividade econômica da devedora. A argumentação genérica de prejuízo sem comprovação documental não é suficiente para impedir a adoção de medidas coercitivas legais.

Sob esse prisma, o precedente reforça a função do Judiciário de equilibrar os princípios da efetividade da execução e da menor onerosidade, sempre com base em critérios objetivos e provas concretas. O processo executivo não pode ser um espaço de protelação, mas sim um instrumento legítimo de realização do direito reconhecido em título executivo.

Gualter Bezerra
Advogado com mais de 15 anos de experiência, graduado em Direito em 2008 pela Universidade Federal do Ceará - UFC, sócio fundador do escritório Gualter Bezerra Advocacia com sede em Fortaleza/CE.

Fonte: Migalhas

                                                                                                                            

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