Usucapião administrativa: As unidades em condomínios edilícios

Usucapião administrativa: As unidades em condomínios edilícios

terça-feira, 11 de setembro de 2018
Vitor Frederico Kümpel e Bruno de Ávila Borgarelli

Dando continuidade à série de colunas sobre a usucapião extrajudicial, este brevíssimo texto trata da possibilidade de aplicar-se essa modalidade de usucapião às unidades autônomas em condomínios edilícios. Não havia previsão expressa quanto a isso no CPC/2015, que inseriu o art. 216-A na Lei de Registros Públicos.

Agora, com a vigência da lei 13.465/2017, acrescentou-se o §11 ao art. 216-A da LRP, com a seguinte redação: "No caso de o imóvel usucapiendo ser unidade autônoma de condomínio edilício, fica dispensado consentimento dos titulares de direitos reais e outros direitos registrados ou averbados na matrícula dos imóveis confinantes e bastará a notificação do síndico para se manifestar na forma do § 2º deste artigo".

Assim, e seguindo-se a imposição do §2º do mesmo dispositivo, caso o síndico não dê manifestação no prazo legalmente assinalado (quinze dias), interpretar-se-á o seu silêncio como anuência. Essa presunção de concordância, como já se disse, é uma das grandes novidades da lei 13.465/2017.

Pois bem. No caso de unidade autônoma de condomínio edilício, a desnecessidade de comunicação e anuência dos titulares de direitos reais e outros sobre os imóveis confinantes é de evidente razão. Com as áreas em geral perfeitamente demarcadas, não há motivo para citar e reunir a manifestação de todos os confrontantes, bastando mesmo que se notifique o síndico.

Isso veio a ser também confirmado pelo provimento 65/2017 do CNJ, em seu art. 6º. Relativamente aos titulares de direitos reais ou outros direitos sobre o próprio imóvel que se pretende usucapir, entende-se não ser possível a representação pelo síndico, o que de resto espelha a literalidade do art. 216-A, §11 da LRP.

Uma dúvida que sempre se coloca é quanto à possibilidade de usucapião de unidade em condomínio não regularizado, ou seja, naqueles casos em que a instituição condominial não está devidamente registrada. No art. 216-A, §11 da LRP não se fala em constituição regular de condomínio. O provimento 65 do CNJ, por sua vez, menciona claramente a usucapião de unidade de "condomínio edilício regularmente constituído".

Diante disso, fica-se com o entendimento já acolhido pelo Conselho Superior da Magistratura de SP, no sentido de ser, sim, possível a usucapião de unidade autônoma em condomínio irregular. Assim ficou a ementa1:

REGISTRO DE IMÓVEIS – Usucapião – Mandado de registro – Recusa, sob o fundamento de que os imóveis são unidades de empreendimento que configura condomínio irregular – Afirmação de que o registro das incorporações, instituições e convenções de condomínio é objeto de determinação legal e, sem o seu cumprimento, as unidades autônomas não têm acesso ao fólio real – Sentença de procedência da dúvida – Reconhecimento, todavia, da usucapião como forma originária de aquisição da propriedade, hipótese que viabiliza o registro pretendido – Recurso provido.

De se destacar, também, o seguinte trecho da decisão:

Deveras, doutrina e jurisprudência proclamam, em uníssono, a caracterização da usucapião como modo originário de aquisição do domínio, o que faz com que o ingresso na tábua registral, excepcionalmente, não se prenda a liames com o passado. Bem por isto, não há que se afirmar que o Juízo que decretou a usucapião tenha sido “induzido em erro” e, assim, deixado de observar que as unidades usucapidas se situam em condomínio irregular. Na verdade, o que se aprecia em ação de usucapião, como oportunamente ponderado pelos apelantes, é a realidade de fato, traduzida em posse sobre bem materialmente existente. Uma vez preenchidos os requisitos legais para que isto gere a aquisição da propriedade, a realidade de fato passa a equivaler a realidade de direito, cujo ingresso no registro imobiliário é consequência.

Superada essa questão, resta mais um ponto interessante a tratar em relação ao objeto de usucapião aqui observado.

Acredita-se, antes de tudo, que a possibilidade da usucapião administrativa de unidade autônoma de condomínio edilício pode ter um saudável reflexo na regularização de muitos imóveis. Durante boa parte dos anos 90 e 2000, muitos proprietários de unidades autônomas tentavam, mas não conseguiam regularizar seus imóveis, livrando-se de hipotecas incidentes em relação a negócios firmados entre a construtora e o agente financeiro. Paralelamente, muitos proprietários intentavam ações de usucapião, mas o STJ entendia não ser possível, diante da precariedade da posse. A dívida hipotecária, assim, ficava travada na matrícula do imóvel, impedindo o procedimento judicial de usucapião.

Até que veio a súmula 308 do STJ: "A hipoteca firmada entre a construtora e o agente financeiro, anterior ou posterior à celebração da promessa de compra e venda, não tem eficácia perante os adquirentes do imóvel". Com esse enunciado, como se sabe, a hipoteca não vincula o compromissário comprador.

E isso, entre outras coisas, viabiliza a retomada da discussão sobre usucapião. É que, com a ineficácia da hipoteca em relação ao terceiro adquirente da unidade autônoma em condomínio edilício, o caminho fica livre para a usucapião. E, com a possibilidade de usucapião extrajudicial, na forma como adotada no art. 216-A (com as supracitadas modificações introduzidas pela lei 13.465/2017), parece que se está diante de um excelente caminho para a regularização de muitos imóveis.

O foco está, portanto, nessas áreas edilícias não regularizadas. De uma situação de completo travamento matricial, passando pela Súmula 308 até chegar à usucapião extrajudicial. Trata-se de um verdadeiro evoluir no processo de regularização urbana, de todo alinhado aos objetivos e à sistemática da própria usucapião administrativa, bem como da lei 13.465/2017.

Sejam felizes! Até o próximo Registralhas.

__________

1 APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.241-6/9, São Caetano do Sul, j. 13.04.2010, D.J.E. 15.06.2010.

Extraído de Migalhas

Notícias

Retrocesso social

CONSULTOR JURÍDICO | NOTÍCIAS CNJ | CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA Juíza aposentada pode advogar em comarca onde autou Juízo deve ter o significado de vara judicial e não de comarca, em respeito à garantia do direito social ao trabalho, previsto na Constituição Federal (artigos 5º, inciso XIII, e...

Adoção é irrevogável

TJ-SP confirma decisão que torna adoção irrevogável Qua, 20 de Julho de 2011 08:20 A 6ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, em sessão ocorrida no último dia 14, julgou improcedente a apelação que pretendia reformar a sentença que reconheceu impossível o pedido de...

A advocacia está às portas de uma revolução

18/07/2011 Processo eletrônico pode padronizar petições A advocacia está às portas de uma revolução. O casamento entre o processo eletrônico e o número cada vez maior de litígios na Justiça pode ter como consequência uma pasteurização das petições. Sistema criado pelo Conselho Nacional de Justiça...

Os avanços da empresa individual de responsabilidade limitada

Os avanços da empresa individual de responsabilidade limitada (19.07.11) Por João Rafael Furtado, advogado A sociedade limitada dotada de um regime jurídico e de uma organização surgiu na Alemanha em 1882 sob o nome de Gesellschaft mit beschränkter Haftung (Companhia de Responsabilidade Limitada –...

Dissolução de união estável pode ser feita no extrajudicial

Dissolução de união estável pode ser feita no extrajudicial Um novo provimento da Corregedoria-Geral de Justiça proporcionará rapidez na dissolução de união estável em Mato Grosso do Sul: o Provimento nº 63, publicado no Diário da Justiça nº 2449. Assim, a partir de agora, as declarações de...

Penhora on line dispensa outros meios para localizar bens do devedor

19/07/2011 - 10h59 DECISÃO Penhora on line, desde 2006, dispensa outros meios para localizar bens do devedor Após a vigência da Lei n. 11.382/2006, não é necessário que o credor comprove ter esgotado todas as vias extrajudiciais para localizar bens do executado, para só então requerer a penhora...