Usucapião serve para regularizar imóveis situados em Loteamento Irregular?

Postado em 03 de Julho de 2023 - 16:02 

Usucapião serve para regularizar imóveis situados em Loteamento Irregular?

O fato de estar situado em “Loteamento irregular” ou “clandestino” não representa óbice à Usucapião Judicial nem Extrajudicial de imóvel.

Fonte: Júlio Martins

A AÇÃO DE USUCAPIÃO se destina a regularizar a titularidade de imóvel - existente ou não seu assento no Registro Imobiliário (Cartório do RGI) - mediante a comprovação do preenchimento dos requisitos legais fundados na situação fática (posse) que seja capaz dada a sua especial qualificação (animus domini), pelo exercício durante tempo necessário exigido por Lei, a conduzir à essa forma de aquisição da propriedade imobiliária legal e constitucionalmente admitida.

Como sempre falamos aqui, Usucapião surge/acontece quando alcançado o preenchimento dos requisitos legais. Não é a sentença judicial e muito menos o ato extrajudicial do Oficial do RGI que faz nascer o instituto: isso de fato acontece quando o interessado consegue reunir e preencher todos os requisitos legais.

A importância da Sentença (na modalidade JUDICIAL da Usucapião) ou do ato extrajudicial do Oficial do RGI (na sua modalidade EXTRAJUDICIAL) está em permitir através deles a outorga da PUBLICIDADE, da OPONIBILIDADE e da DISPONIBILIDADE patrimonial daquele que agora é o novo proprietário do imóvel - além do óbvio: conferir SEGURANÇA JURÍDICA ao reconhecimento da Usucapião - tanto judicial quanto extrajudicialmente.

No que diz respeito à Sentença Judicial é preciso pontuar ainda um importante detalhe: sem o REGISTRO no Cartório do RGI ela não é capaz de conferir as referidas virtudes àquele que através do "decisum" tem seu direito reconhecido. Como acontece com diversas pretensões outras que são reconhecidas judicialmente, o assento registral ora discutido nesse caso será necessário para conferir, por exemplo, a irradiação dos efeitos da publicidade registral e seus demais consectários.

Ponto interessante também nas questões relativas à Usucapião diz respeito aos imóveis situados em "loteamentos irregulares". Seria possível manejar a Usucapião Judicial (ou mesmo a Extrajudicial, sem processo judicial, diretamente nos Cartórios Extrajudiciais) para fins de regularização (e com isso conseguir o tão sonhado "RGI") mesmo em se tratando de loteamento irregular?

A resposta é positiva e encontra respaldo tanto na doutrina quanto na melhor jurisprudência. Segundo lição dos especialistas KÜMPEL e FERRARI (Tratado de Direito Notarial e Registral. 2020) citando a doutrina de J.M. TOSSI, temos que

"O loteamento será irregular se o empreendimento, embora aprovado pelo Poder Público, tiver sido implantado: (i) sem o devido registro imobiliário; (ii) em desacordo com a aprovação concedida, ou (iii) sem obediência ao cronograma de obras". Logo, a regularidade do loteamento está atrelada, entre outros fatores, à sua SITUAÇÃO PERANTE O REGISTRO IMOBILIÁRIO".

...
A doutrina ora citada também defende, com reconhecido acerto, a plena possibilidade de Usucapião de imóveis situados em loteamentos irregulares. Na obra já citada os autores sustentam que,

"A irregularidade ou clandestinidade do parcelamento não impede, por si só, a usucapião de lote ou parcela do terreno. (...) Impedir a usucapião em razão da irregularidade ou clandestinidade do parcelamento poderia inviabilizar a regularização do imóvel e do domínio, em detrimento da FUNÇÃO SOCIAL da propriedade".

De fato, como se observa no estudo do instituto, não há mesmo na lei qualquer exigência - salvo aquelas expressas do par. único do art. 191 e § 3º. do art. 183 da CRFB que dizem respeito a imóveis públicos - para que o imóvel objeto da pretensão aquisitiva embasada na Usucapião esteja antes"perfeitamente regularizado"junto ao RGI ou a qualquer outro cadastro ou repartição pública. Ora, até mesmo os imóveis sem qualquer origem ou matrícula registral podem ser adquiridos originariamente pela via da Usucapião! Os mesmos autores decretam:

" O direito do usucapiente não deriva do direito preexistente e, portanto, não limitada pela irregularidade deste ".

Nesse sentido inúmeras são as decisões dos tribunais que rejeitam eventual alegação de situação em"Loteamento Irregular"para indeferir o reconhecimento da Usucapião - decisões essas em total consonância com o paradigmático REsp 1818564/DF (TEMA 1025) do STJ julgado em 09/06/2021. A decisão do TJSP exarada em 27/02/2023, por exemplo, confirma a possibilidade:

"TJSP. 1003832-28.2017.8.26.0681. J. em: 27/02/2023. Apelação. Usucapião. Loteamento irregular. Admissibilidade. Usucapião que é modo originário de aquisição da propriedade, inaugurando nova cadeia dominial, não sendo obstado pela presença de loteamento irregular. Tema 1.025 do STJ. Sentença de procedência mantida. Recurso desprovido".

POR FIM, necessário sempre recordar que a Usucapião pode ser manejada tanto pela VIA JUDICIAL quanto pela VIA EXTRAJUDICIAL - sem processo judicial - com assistência obrigatória de Advogado - sendo a via extrajudicial embasada no art. 216-A da Lei 6.015/73 com regulamentação pelo CNJ através do Provimento 65/2017 além das regulamentações locais expedidas pelas CGJ de cada Estado.

Sobre os autores: Júlio Martins (OAB/RJ 197.250) é Advogado com extensa experiência em Direito Notarial, Registral, Imobiliário, Sucessório e Família. Atualmente é Presidente da COMISSÃO DE PROCEDIMENTOS EXTRAJUDICIAIS da 8ª Subseção da OAB/RJ - OAB São Gonçalo/RJ. É ex-Escrevente e ex-Substituto em Serventias Extrajudiciais no Rio de Janeiro, com mais de 21 anos de experiência profissional (1998-2019) e atualmente Advogado atuante tanto no âmbito Judicial quanto no Extrajudicial especialmente em questões solucionadas na esfera extrajudicial (Divórcio e Partilha, União Estável, Escrituras, Inventário, Usucapião etc), assim como em causas Previdenciárias. Site: www.juliomartins.net

Fonte: JornalJurid

Notícias

Uso de identidade falsa não encontra amparo na garantia de permanecer calado

16/12/2011 - 08h06 DECISÃO Uso de documento falso para ocultar antecedentes não está amparado pelo direito de autodefesa   A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) modificou o entendimento que vinha mantendo e concluiu que o uso de documento falso com o objetivo de ocultar...

Vida dupla

15/12/2011 - 07h58 DECISÃO STJ reduz indenização em favor de mulher apontada como prostituta em reportagem   O Superior Tribunal de Justiça (STJ) reduziu o montante de indenização devido pelo Sistema Brasileiro de Televisão (SBT) a uma mulher apontada como prostituta em programa...

Enriquecimento sem causa

TJMT: Partilha extrajudicial deve ser respeitada Qua, 14 de Dezembro de 2011 11:41 A Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Mato Grosso, por unanimidade, negou provimento a Recurso de Apelação Cível ingressado por uma mulher em desfavor do ex-companheiro. A parte interpôs recurso em...

Impossibilidade jurídica

Juiz não autoriza troca de nome sem cirurgia de mudança de sexo O juiz Fernando Paes de Campos, titular da 5ª Vara da Fazenda Pública e Registros Públicos de Campo Grande, na última semana, sentenciou dois processos, no mínimo, curiosos. Dois pedidos de retificação de registro civil, processos...

Relacionamento amoroso não se caracteriza como união estável

TJ nega recurso e decide que a configuração de união estável depende de prova plena e convincente "A existência de possível relacionamento amoroso entre as partes, sem os requisitos exigidos pela lei, não se caracteriza como união estável". Este foi o entendimento da Segunda Câmara Cível do...