Abandono de ação de alimentos justifica atuação da Defensoria como curadora especial de incapaz

Origem da Imagem/Fonte: Extraída de STJ
Para a Terceira Turma, a inércia de uma mãe, ao não dar sequência à ação ajuizada em favor do filho menor, é incompatível com o melhor interesse da criança, que não pode ter seu direito prejudicado. Leia mais...

DECISÃO
12/11/2025 07:00 
 

Abandono de ação de alimentos justifica atuação da Defensoria como curadora especial de incapaz

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, por unanimidade, que o abandono da ação de alimentos pelo representante legal de incapaz exige a nomeação da Defensoria Pública para atuar como curadora especial do alimentando. Para o colegiado, a inércia da mãe, ao não dar prosseguimento à ação ajuizada em favor do seu filho, é incompatível com o melhor interesse da criança, que não pode ter o seu direito à subsistência prejudicado pela negligência da representante legal. 

Na origem, após decisão que fixou os alimentos provisórios, foi determinada a intimação das partes para a audiência de conciliação. Contudo, a mãe não foi localizada e, mesmo após intimação pessoal para impulsionar o andamento do processo, permaneceu inerte. Diante dessa omissão, passados quatro anos do ajuizamento da ação e estando o feito paralisado há dois anos, o juízo de primeiro grau extinguiu o processo sem resolução do mérito, com base no artigo 485, inciso III, do Código de Processo Civil (CPC).

A Defensoria Pública apelou, buscando sua nomeação como curadora especial da criança, mas o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) entendeu não haver fundamento jurídico para atender ao pedido, nem para a nomeação do Ministério Público para assumir o polo ativo da demanda, tendo em vista que o menor já estava representado pela mãe.

Em recurso ao STJ, o Ministério Público fluminense sustentou que a conduta desidiosa da representante legal da criança configuraria conflito de interesses e, em última análise, equivaleria à ausência de representação legal, o que autorizaria a nomeação da Defensoria Pública como curadora especial do alimentando.

Melhor interesse da criança deve orientar a interpretação da norma

Para a relatora do recurso, ministra Nancy Andrighi, apesar de o CPC autorizar a extinção da ação sem resolução do mérito devido ao abandono da causa, o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente deve nortear a interpretação da norma pelo Poder Judiciário.

Nesse sentido, a ministra considerou que a atitude da representante legal ao não dar andamento ao processo implica reconhecer a negligência no cumprimento de seus deveres pautados na autoridade familiar. Além disso, a relatora afirmou que o direito aos alimentos é personalíssimo e indisponível, e que, dada sua relevância para a subsistência do menor, tal conduta desidiosa contraria o princípio da proteção integral da criança e do adolescente.

"Diante desse cenário, não é do melhor interesse do alimentando a extinção da ação sem julgamento de mérito, posto que ficará desassistido em seu direito aos alimentos. Assim, configurado o conflito de interesses em razão da inércia da genitora, é do melhor interesse do alimentando a nomeação da Defensoria Pública como curadora, a fim de dar prosseguimento à demanda", ressaltou.

Por fim, Nancy Andrighi destacou que não se verificou ausência de representação legal do alimentando, uma vez que ele estava devidamente representado por sua mãe. Entretanto, a ministra reconheceu que a inércia da representante legal configura conflito de interesses, apto a ensejar a nomeação de curador especial, nos termos dos artigos 72, I, do CPC e 142, parágrafo único, do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.

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Resumo em linguagem simples: O STJ decidiu que o abandono da ação de alimentos pelo representante legal de menor incapaz autoriza que a Defensoria Pública atue com curadora especial, dando continuidade ao processo. Para o tribunal, a negligência do representante é incompatível com o interesse do menor, que não pode ser privado do seu direito de obter alimentos.

Superior Tribunal de Justiça (STJ)

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O CNJ e a redescoberta da vontade: Por que o provimento 206/25 inaugura uma nova era para o Direito Notarial e Judicial

Gabriel de Sousa Pires
segunda-feira, 10 de novembro de 2025
Atualizado em 7 de novembro de 2025 11:32

1. O marco invisível de uma revolução silenciosa

Nem toda transformação jurídica nasce com estardalhaço.

Algumas entram em vigor em silêncio - e é justamente por isso que são revolucionárias.

O provimento 206, de 6 de outubro de 2025, da Corregedoria Nacional de Justiça, é uma dessas normas discretas que mudam muito mais do que parecem. Sob o verniz técnico de uma alteração no Código Nacional de Normas do Foro Extrajudicial, o CNJ acaba de inaugurar uma nova lógica na relação entre autonomia privada, proteção estatal e função notarial.

Aparentemente simples, o provimento obriga os juízes, ao processar uma interdição, a consultar a CENSEC - Central Eletrônica Notarial de Serviços Compartilhados para verificar a existência de escritura de autocuratela - ou de diretivas equivalentes.

Na prática, é uma virada de paradigma: o Estado, pela via judicial, passa a reconhecer a precedência da vontade declarada sobre a decisão substitutiva.

O resultado é uma transformação profunda, embora não dita em voz alta: o notariado deixa de ser mero agente de formalização e passa a ser depositário da vontade existencial da pessoa humana.

2. O pano de fundo: da curatela à autocuratela

A curatela sempre foi o espaço mais tenso do direito civil.

Ali convivem, em permanente atrito, dois valores igualmente legítimos: a proteção da pessoa vulnerável e a autonomia da vontade.

Durante séculos, prevaleceu a lógica paternalista: o incapaz era tutelado, e sua vontade, presumidamente inválida, cedia ao juízo do Estado. Com a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (ONU, 2006) - internalizada pelo decreto 6.949/09 - e com o Estatuto da Pessoa com Deficiência (lei 13.146/15), essa premissa começou a ruir.

O novo paradigma é outro: a pessoa não perde sua dignidade jurídica quando sua lucidez vacila. O foco desloca-se da substituição para o apoio à tomada de decisão.

É nesse contexto que surge a autocuratela - o instrumento pelo qual alguém, plenamente capaz, manifesta de forma antecipada quem deverá representá-lo ou assisti-lo caso venha a ser acometido por incapacidade futura.

Trata-se de uma declaração de vontade feita enquanto há consciência, para valer quando não houver mais. É, em suma, uma autotutela da dignidade.

E o CNJ, ao editar o Provimento 206/2025, foi o primeiro órgão estatal a reconhecer oficialmente o alcance jurídico dessa manifestação.

3. O alcance normativo e o salto sistêmico

Tecnicamente, o provimento 206 altera o provimento 149/23, que instituiu o CNN/CN/CNJ-Extra - Código Nacional de Normas da Corregedoria Nacional de Justiça - Foro Extrajudicial.

Foram inseridos dois comandos cruciais:

. Art. 1º: obriga os juízes, em processos de interdição, a consultar a CENSEC para verificar se há escritura de autocuratela ou diretiva correlata.

. Art. 110-A: restringe o fornecimento de certidão de autocuratela ao próprio declarante ou mediante ordem judicial, reconhecendo o sigilo do ato.

Em termos sistêmicos, isso tem três efeitos devastadores - no bom sentido.

Integra o notariado à jurisdição - o juiz, para decidir, passa a depender de uma informação registrada em ambiente notarial. Reforça a força normativa da vontade - a escolha prévia do curador, feita pelo interessado, ganha prioridade procedimental e força de orientação judicial. Consolida o notariado digital como arquivo da autonomia - a CENSEC passa a ser, simbolicamente, o "repositório da lucidez" nacional.

O impacto é imenso. O CNJ transformou a autocuratela em ato de eficácia processual, e o notário em agente de proteção jurídica da vontade antecipada.

4. A autocuratela como expressão da dignidade

A autocuratela não é mero documento. É uma declaração ética, lavrada no auge da razão, sobre como se deseja ser protegido quando ela faltar.

Ela é o ponto máximo da autonomia privada aplicada à vulnerabilidade. Por isso, não é exagero dizer que a autocuratela é a forma mais sofisticada de manifestação da dignidade humana - porque é a dignidade projetada no tempo.

O Estado, quando reconhece essa escritura, deixa de tratar o cidadão como objeto de proteção e passa a reconhecê-lo como sujeito de decisão.

É um movimento sutil, mas civilizatório. E é também um reconhecimento implícito de que a vontade livre, quando manifestada de forma autêntica e formalizada com fé pública, deve sobreviver à incapacidade.

Essa é a essência do que o CNJ fez: deu à vontade prévia um status de continuidade jurídica, preservando-a do esquecimento judicial.

5. Sigilo, fé pública e proteção de dados sensíveis

Um dos pontos mais inteligentes - e menos comentados - do provimento 206 é o sigilo da autocuratela. O art. 110-A estabelece que a certidão do inteiro teor da escritura só pode ser fornecida ao declarante ou mediante ordem judicial.

Essa limitação não é mero formalismo. É o reconhecimento de que a autonomia é também privacidade.

A autocuratela pode conter informações íntimas, médicas, familiares, emocionais. Torná-la pública seria o mesmo que expor a alma de quem, paradoxalmente, buscou o notário para se proteger.

O CNJ, ao impor esse filtro, reconhece algo que poucos tribunais ainda compreendem: o notariado é a primeira linha de defesa da intimidade na era digital.

Enquanto o Judiciário informatiza tudo - inclusive a dor -, o notariado mantém uma reserva moral: a fé pública que protege o sigilo. É um paradoxo fascinante - e necessário.

6. CENSEC e a transformação do notariado em infraestrutura jurídica nacional

A CENSEC, criada originalmente para integrar informações notariais e evitar fraudes, agora assume um novo papel: o de infraestrutura da confiança existencial.

Com o Provimento 206, ela deixa de ser um banco de dados estático e passa a operar como mecanismo de interoperabilidade entre autonomia privada e jurisdição.

O juiz consulta, o sistema responde, e a decisão se ancora em uma vontade previamente autenticada.

Estamos diante de uma nova forma de diálogo entre Poderes: o CNJ constrói, no plano infralegal, uma arquitetura de cooperação entre vontade, fé pública e decisão judicial.

E isso tem implicações profundas. A médio prazo, é provável que a CENSEC se torne fonte de prova e de validade para outras diretivas existenciais - como testamentos vitais, diretivas médicas e disposições patrimoniais complexas.

O Brasil, sem alarde, está criando um modelo híbrido de governança da vontade humana, combinando blockchain notarial, interoperabilidade judicial e ética da autenticidade.

7. O notário como curador da vontade

O notário sempre foi visto como técnico da forma.

O Provimento 206 o eleva à condição de curador da vontade.

Sua função, agora, não é apenas lavrar, mas garantir que a manifestação seja livre, consciente e juridicamente sustentável. Isso o coloca na fronteira mais nobre do Direito: a intersecção entre liberdade e proteção.

Enquanto o juiz decide sobre fatos, o notário atua sobre valores. Enquanto o processo lida com o que já aconteceu, o notário trabalha com o que ainda vai acontecer. É o profissional do futuro da vontade.

Essa mudança é gigantesca - e talvez ainda subestimada. Ela redefine a função notarial não como mero serviço público delegado, mas como instituição de garantia de direitos fundamentais.

8. A tensão inevitável: autonomia versus paternalismo judicial

Toda inovação que fortalece a vontade individual esbarra na resistência do paternalismo judicial.

Não será diferente aqui.

Haverá juízes que insistirão em "verificar" se a autocuratela é "adequada". Haverá decisões anulando escrituras sob o pretexto de "proteger o interditando de si mesmo".

Mas o debate já mudou de lugar. A partir do Provimento 206, o ônus argumentativo se inverte: quem quiser afastar a vontade prévia terá de justificar por que o Estado sabe melhor do que a própria pessoa o que é bom para ela.

Esse é o ponto filosófico que o CNJ introduz sem dizer: a presunção de validade da vontade autônoma. E isso - ainda que discreto - é revolucionário.

9. Conclusão - o CNJ e a vontade como tecnologia social

O provimento 206/25 é, talvez, o ato mais sofisticado do CNJ desde o provimento 100/20, que inaugurou o e-Notariado. Mas aqui, o tema não é tecnologia: é humanidade.

O CNJ compreendeu que o verdadeiro avanço digital não está em processar mais rápido, mas em resguardar melhor a vontade.

A autocuratela é a expressão contemporânea da liberdade. E o notariado é o espaço institucional em que a liberdade ganha forma, validade e abrigo.

Ao editar o Provimento 206, o CNJ deu ao Direito brasileiro uma mensagem clara:

"A dignidade humana começa quando o Estado aprende a ouvir o que o cidadão já disse, antes de não poder mais dizer."

Em tempos de automação e despersonalização das decisões, é reconfortante ver o órgão máximo da Justiça afirmando, ainda que em tom técnico, que a vontade humana continua sendo o centro do sistema jurídico.

O resto - todo o resto - é apenas administração.

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Referências

Conselho Nacional de Justiça. Provimento nº 206, de 6 de outubro de 2025.

Conselho Nacional de Justiça. Provimento nº 149, de 30 de agosto de 2023.

Constituição Federal de 1988.

Lei nº 8.935/1994 (Lei dos Notários e Registradores).

Lei nº 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência).

Decreto nº 6.949/2009 (Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência).

Código Civil, arts. 1.767 a 1.783.

Códigos de Normas das CGJ/RJ e CGJ/ES.

Fonte: Migalhas

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