Não há solução mágica para crise da água, diz presidente do Conselho Mundial

Origem da Imagem/Fonte: Agência Brasil
Benedito Braga defende que a água tratada não pode ser de graça, pois existem custos para levá-la à população

Não há solução mágica para crise da água, diz presidente do Conselho Mundial

16/01/2018 07h11  Brasília
Olga Bardawil - Repórter da Agência Brasil

Presidente do Conselho Mundial da Água desde 2012, o professor Benedito Braga está à frente do órgão que realizará o 8º Fórum Mundial da Água, em Brasília, entre os dias 18 e 23 de março, o primeiro em um país do Hemisfério Sul.

Professor titular de Engenharia Civil e Ambiental na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP) e Ph.D em recursos hídricos pela Stanford University, dos Estados Unidos, Braga diz que não existe solução mágica para os problemas hídricos e defende que a água tratada não pode ser de graça, pois existem custos para levar água de qualidade para a população.

"A água não pode ser oferecida de graça porque quando essa água está na natureza e nós a tomamos da natureza, nós temos que tratá-la para que ela possa ser servida para a população. Na natureza, mesmo do rio mais límpido, aquela água não está em condições de ser servida com segurança à população. Então, há necessidade de investimentos em obras e serviços. E essas ações custam dinheiro e tem que ser pagas", disse.

O presidente do Conselho Mundial da Água, Benedito Braga, alerta que não existe solução mágica para os problemas hídricos no mundo  José Cruz/Agência Brasil

O Conselho Mundial da Água é responsável pelo acompanhamento da questão em todo mundo há mais de 30 anos e foi fundamental para que as Nações Unidas incluíssem em suas diretrizes a água como direito humano fundamental.

Veja abaixo a entrevista do presidente do conselho à Agência Brasil:

Agência Brasil: O que se pode esperar do fórum?

Benedito Braga: Se nós alcançarmos o nosso objetivo, que é aproximar a comunidade científica e técnica da comunidade tomadora de decisão, que é a classe política, já teremos dado um grande passo. Afinal, é por isso que nós temos trabalhando ao longo de vários anos, preparando-nos para trazer para o fórum ministros, prefeitos, governadores, chefes de Estados para discutirem juntos, de uma forma próxima dos técnicos, que são os têm as soluções para os problemas. A partir daí, motivar essa classe política da importância da água, de conservá-la, de fazer o seu uso racional, da importância de se ter orçamento para obras hídricas, para que os nossos rios não sejam tão poluídos.

Agência Brasil: Como é possível bancar os investimentos em um produto como água que normalmente as pessoas esperam que é de graça?

Benedito Braga: A água não pode ser oferecida de graça porque quando essa água está na natureza e nós a tomamos da natureza, nós temos que tratá-la para que ela possa ser servida para a população. Na natureza, mesmo do rio mais límpido, aquela água não está em condições de ser servida com segurança à população. Então, há necessidade de investimentos em obras e serviços. E essas ações custam dinheiro e tem que ser pagas. Se as pessoas que se utilizam desses serviços não pagam através da tarifa, alguém vai ter que pagar, ou seja, o contribuinte dos impostos de uma forma geral. Isso quer dizer que só existem duas alternativas ou são pagas através das tarifas ou através dos impostos. Então, é melhor que sejam pagas através das tarifas porque são aqueles que estão consumindo que tem que pagar pelo direito de ter aquela água de boa qualidade na sua torneira.

Agência Brasil: E como fazer com as comunidades extremamente pobres que não têm como pagar a tarifa?

Benedito Braga: Eles teriam, sim, o direito a essa água. E o que temos que fazer é criar uma estrutura tarifária em que os mais pobres paguem menos e aqueles que têm melhores condições paguem mais, de tal maneira, que a soma dos fatos resulte no pagamento dos custos relacionados com o provimento daquela água, nas condições seguras para consumo. Hoje, por exemplo, no estado de São Paulo, a Sabesp [companhia de água estadual] já tem esse sistema onde existe uma tarifa social que é reduzida para a população de baixa renda.

Agência Brasil: Com as experiências que conhece, qual citaria para servir de modelo?

Benedito Braga: Na verdade, não temos soluções mágicas. As soluções têm custos e temos que adotar aquelas que minimizem esses custos. Podemos usar tanto sistemas superficiais, como de água subterrânea ou o reúso de água e nisso não há, digamos, um modelo a ser seguido. Eu posso dar um exemplo de reúso de água na Namíbia, na África, numa região muito seca, para prover água potável e que é uma solução muito interessante, sustentável. Nós temos na região da cidade do México, o reúso de água para a agricultura. Mas é bom lembrar que o serviço de água e esgoto é muito tradicional, o que varia são detalhes tecnológicos, mas o processo é sempre de coleta da água, a desinfecção dessa água e o suprimento para a população.

Agência Brasil: Quando se discute o uso da água, o saneamento perde destaque. O 8º Fórum Mundial da Água vai abordar a questão do saneamento?

Benedito Braga: Sem dúvida. E não só saneamento, mas a forma de financiar o saneamento. Vamos ter um painel de alto nível para discutir esse assunto, abordando especialmente a questão do envolvimento de agentes públicos e de agentes privados no provimento do saneamento. Toda essa discussão vai acontecer durante o fórum. Precisamos que seja uma discussão muito séria sobre o financiamento dos serviços de água e saneamento, de sua infraestrutura na América Latina, na Ásia, na África.

Agência Brasil: Ser presidente do Conselho Mundial da Água certamente permite uma visão dos problemas relacionados à água em escala mundial. Como lidar com essa diversidade?

Benedito Braga: A posição de presidente do Conselho Mundial da Água dá essa oportunidade de olhar o problema em todo o planeta desde as regiões mais desenvolvidas dos países do Hemisfério Norte até os países do Hemisfério Sul onde, aliás, há soluções muito interessantes também. Eu cito sempre um exemplo de financiamento do setor de saneamento que a Agência Nacional de Água criou que é o pagamento pelo esgoto tratado, uma forma de financiar mais eficiente do que colocando dinheiro diretamente, que muitas vezes não é usado de forma eficiente. Essa oportunidade de interagir com vários países, com comunidades as mais diferenciadas, é extremamente gratificante.

Edição: Carolina Pimentel
Fonte: Agência Brasil

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Tema água precisa estar na agenda do cidadão comum, diz diretor do Fórum Mundial

06/01/2018 13h51  Brasília
Olga Bardawil - Repórter da Agência Brasil

O diretor executivo do 8º Fórum Mundial das Águas, Ricardo Andrade, destaca a importância do engajamento do cidadão comum nas discussões sobre o uso racional da água  Tomaz Silva/Agência Brasil

Pela primeira vez, o Fórum Mundia da Água ocorrerá em um país do Hemisfério Sul. O potencial hidrográfico fez com que o Brasil fosse escolhido como sede. Para o diretor executivo do 8º Fórum Mundial da Água, Ricardo Andrade, um dos principais objetivos é chamar a atenção do cidadão comum.

“É fazer com que o tema água entre na agenda do dia a dia do cidadão. Não só do cidadão mobilizado, aquele que discute o tema da água, mas daquele cidadão comum, que acha que a água nasce na torneira, que para ter água limpa precisa de torneira limpa, que não tem a percepção da importância de cuidar bem da água”, destaca.

Andrade é diretor de Gestão da Agência Nacional de Águas (ANA) e um dos 50 profissionais responsáveis pela organização do Fórum Mundial da Água, que ocorrerá em Brasília entre os dias 18 e 23 de março.

Ele ressalta que a realização do fórum é um desafio. “Alguns falam que teremos 30 mil participantes. Outros dizem que pode ser até mais do que isso. Mas a nossa pretensão não é fazer o fórum com o maior número de participantes, mas um fórum que de fato transforme a discussão política sobre a água, que eleve nossa preocupação com o tema da água. Acho que esse poderá ser o principal legado do Fórum.”

Veja a seguir os principais trechos da entrevista de Ricardo Andrade à Agência Brasil:

Agência Brasil: O que levou o Brasil a ser escolhido para sediar o Fórum Mundial da Água?

Ricardo Andrade: Vamos começar pelo papel da ANA, que é uma instituição nova, com apenas 17 anos – foi criada em 2000. Por ser uma agência nacional, que não tem escritórios regionais, mas atua em todo o país por meio de parcerias com órgãos estaduais, a ANA sempre buscou parcerias no exterior. A partir daí, marcamos presença no Conselho Mundial da Água (CMA), que é o promotor do Fórum Mundial da Água. A realização do fórum no Brasil se tornou quase que uma obrigação. E aqui há um ponto que precisa ser bem esclarecido: é o de que isso não foi uma iniciativa da ANA. A agência foi provocada. As diversas instituições brasileiras ligadas à água se reuniram e entenderam que estava na hora de realizar o fórum na América do Sul. E isso se justificava com o argumento de que o Brasil tinha o que mostrar: a maior oferta hídrica individual do mundo.

Agência Brasil: Como o país está lidando com esse desafio?

Andrade: É um desafio, sem dúvida. Alguns falam que teremos 30 mil participantes. Outros dizem que pode ser até mais do que isso. Mas a nossa pretensão não é fazer o fórum com o maior número de participantes, mas um fórum que de fato transforme a discussão política sobre a água, que eleve nossa preocupação com o tema da água. Acho que esse poderá ser o principal legado do fórum. Uma das expectativas é fazer com que a água entre na agenda do dia a dia do cidadão. Não só do cidadão mobilizado, aquele que discute o tema da água, mas daquele cidadão comum, que acha que a água nasce na torneira, que para ter água limpa precisa de torneira limpa, que não tem a percepção da importância de cuidar bem da água.

Agência Brasil: Como é essa presença brasileira no Conselho Mundial da Água?

Andrade: Desde 2003, a ANA atua no conselho, mas em 2009, resolvemos ampliar um pouco essa presença, porque a agência estava mais madura e queria ter uma representatividade maior. E dada a importância do Brasil na questão da água e a liderança que o país exerce nesse tema, a ANA passou a liderar o processo de engajamento internacional. Hoje, o presidente do Conselho Mundial da Água é um brasileiro, o professor Benedito Braga, representante da Escola Politécnica da Universidade São Paulo e atual secretário de Saneamento do estado de São Paulo. O Brasil tem ainda quatro governadores no Conselho.

Agência Brasil: Por que o senhor acha que falar em maior oferta hídrica passa a impressão de a água ser inesgotável?

Andrade: Porque dá a sensação de que nós temos muita água, que ela nunca via acabar e que não temos que nos preocupar com ela. E isso não é verdade. Nós temos essa água, sim. Mas onde tem água não tem gente e onde tem gente não tem água. Na Amazônia, tem água mas não tem gente. No Nordeste, em quase todo o litoral brasileiro, tem gente mas não tem água. E onde tem água e tem gente, muitas vezes, a água não é bem cuidada. É poluída, desperdiçada. Então, passando por essas reflexões, entendemos que era o momento de oferecer ao Conselho Mundial da Água a oportunidade de trazer o Fórum para o Hemisfério Sul.

Agência Brasil: Partindo dos resultados dos fóruns anteriores, o senhor diria que houve realmente um progresso na discussão do tema da água, desde o primeiro lá no Marrocos?

Andrade: Um fato inédito, por exemplo: nós temos um compromisso de desenvolvimento sustentável especifico para a água. Dizer que isso é resultado apenas das discussões ocorridas nos Fóruns Mundiais da Água talvez seja exagerado, mas dizer que os Fóruns Mundiais da Água não tiveram nada a ver com isso seria leviano e falso. Então, acho que os fóruns contribuíram sim para a discussão, mobilizaram a sociedade, e os seus resultados são reais. Hoje, você tem dezenas de eventos sobre água em diferentes regiões do mundo a cada ano. Sempre mobilizando as populações locais, a sociedade, os governantes.

Agência Brasil: Como esses eventos podem, de algum modo, trazer soluções?

Andrade: Não se consegue oferecer água de boa qualidade no tempo certo e no lugar correto se não tiver financiamento, se não tiver uma boa governança. Não adianta oferecer água se não tratar o esgoto, porque aí o manancial que se tinha para oferecer água perde a qualidade. E aí passa a se ter um problema de quantidade não porque falta água, mas porque falta qualidade. Então, o grande desafio, de fato, está nessa linha. Os investimentos do governo avançaram, a conscientização da população avançou. Estamos avançando, temos ainda muito a progredir, mas organizações como a ANA, as agências reguladoras estaduais, as companhias de saneamento, os governos, no Brasil em especial, têm trabalhado incansavelmente para melhorar os índices de qualidade de vida.

Agência Brasil: O senhor acredita que o Fórum Mundial da Água no Brasil vai ampliar essa compreensão do tema?

Andrade: Há um dado interessante que eu poderia citar a partir das reuniões preparatórias do fórum que tivemos em Brasília. Uma ocorreu em junho de 2016, antes da crise hídrica, e outra em Abril de 2017, durante a crise por que passa a capital. Na primeira reunião, 30% do público eram de moradores locais. Na segunda, esse público local era de 60%. Qual a diferença entre as duas reuniões? Em 2016, tínhamos normalidade no abastecimento de água e, em 2017, tínhamos uma situação de crise instalada. Os sinais são muito claros de que o fato de a crise estar instalada aumentou o interesse pelo tema água. Então, é possível que o fato de se correr o risco de não ter págua em casa leve as pessoas a refletir sobre a água disponível, a necessidade de economizá-la, de usar essa água racionalmente, de protegê-la de certa forma, de cobrar os governantes, e não apenas os governantes, mas o cidadão, seu próprio vizinho.

Edição: Talita Cavalcante
Fonte: Agência Brasil

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