Ação Reivindicatória - Contrato de compra e venda de imóvel - Venda ad corpus

Ação Reivindicatória - Contrato de compra e venda de imóvel - Venda ad corpus - Restituição da área ocupada a maior - Impossibilidade - Sentença mantida - Recurso não provido 
 

APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO REIVINDICATÓRIA - CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL - VENDA AD CORPUS - RESTITUIÇÃO DA ÁREA OCUPADA A MAIOR - IMPOSSIBILIDADE - IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO - SENTENÇA MANTIDA - RECURSO NÃO PROVIDO

- Constatando-se que o negócio de compra e venda não foi celebrado com base na dimensão do imóvel, mas em decorrência das características peculiares do bem (mencionadas no contrato, tais como localização, preço, condições, etc.), o que se conclui é que a compra e venda foi ad corpus.

- Desse modo, não há falar em ausência de legitimidade da posse da demandada, tendo em vista que firmou o compromisso de compra e venda englobando a totalidade da área hoje por ela ocupada, e não área menor.

- A sentença que entendeu dessa forma deve ser mantida e o recurso não provido.

Apelação Cível nº 1.0324.10.001169-5/001 - Comarca de Itajubá - Apelantes: Benedito Aires de Oliveira, Nalzira Freitas de Oliveira - Apelada: Maria Emília Vilas Boas Ribeiro - Relatora: Des.ª Mariângela Meyer

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, a 10ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, à unanimidade, em rejeitar a preliminar e negar provimento ao recurso.

Belo Horizonte, 3 de dezembro de 2013. - Mariângela Meyer - Relatora.

NOTAS TAQUIGRÁFICAS

DES.ª MARIÂNGELA MEYER - Cuida-se de recurso de apelação interposto contra a sentença de f. 94-95, da lavra do MM. Juiz da 2ª Vara Cível da Comarca de Itajubá, proferida nos autos de uma ação reivindicatória manejada por Benedito Aires de Oliveira em face de Maria Emília Vilas Boas Ribeiro, que julgou improcedente o pedido inicial.

Consubstanciando seu inconformismo nas razões de f. 98-102, busca o apelante a reforma da sentença, afirmando que o contrato de compra e venda firmado entre as partes é bastante claro quanto ao valor e à medição do terreno, tendo a apelada se aproveitado do erro, incluindo como sua parte o terreno que não foi objeto do pacto. Diz que a apelada agiu de má-fé, tentando se locupletar ilicitamente. Ressalta que o Julgador de origem reconheceu que a área ocupada pela apelada é maior do que aquela adquirida, devendo ser reconhecida a sucumbência recíproca.

Requer o conhecimento do recurso para a reforma da sentença nos termos acima apontados.

A apelada, devidamente intimada, apresentou contrarrazões às f. 107-110, arguindo, preliminarmente, intempestividade do recurso. No mérito, bateu-se pela manutenção da sentença.

É o relatório em resumo.

Da preliminar de não conhecimento do recurso em contrarrazões da apelada.

Inicialmente, analisando a preliminar relativa à impossibilidade de conhecimento do recurso em razão de sua intempestividade, verifico que razão não assiste à apelada.

Isso porque, ausentes o autor e seu procurador na audiência em que foi prolatada a sentença, o prazo para interposição do apelo começa a fluir a partir da data da publicação da referida decisão, que, no caso, ocorreu em 26.04.2013 (sexta-feira), iniciando-se o prazo em 29.04.2013 (segunda-feira) e findando-se 13.05.2013 (segunda-feira), exatamente a data em que foi apresentado o recurso.

Desse modo, não há falar em intempestividade, razões pelas quais rejeito tal preliminar.

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

Adentrando o mérito, observo que o autor ajuizou a presente ação afirmando que, após a alienação de uma área de 1.232,402 à requerida, percebeu que esta teria tomado posse de área superior àquela efetivamente negociada. Assim, busca reaver a fração de terras que, em excesso, estaria sendo ocupada pela demandada.

O pedido foi julgado improcedente, e, a meu ver, não merece reparo a decisão de origem pelos motivos a seguir expostos.

Ora, ressalta-se que a ação reivindicatória é o meio processual adequado para a defesa da propriedade de bem devidamente individualizado contra a posse injusta de terceiro. Assim, para seu conhecimento, necessária a demonstração da titularidade do domínio, da área reivindicada e da posse injusta da outra parte (art. 1.228 do CC/2002).

Sobre o tema, elucida o insigne professor Arnold Wald:

"A garantia básica da propriedade é a possibilidade de reivindicação do bem em mãos de quem estiver. A ação de reivindicação constitui uma das faculdades que a lei atribui ao proprietário, quando o art. 524 do Código Civil assegura o direito de reaver os bens do poder de quem quer que injustamente os possua" (Curso de direito civil brasileiro - direito das Coisas. 7. ed., editora RT, p. 118).

Paulo Tadeu Haendchen e Remelo Letteriello também esclarecem:

"São requisitos para admissibilidade da ação:

a) que o autor tenha a titularidade do domínio sobre a coisa reivindicanda;

b) que a coisa seja individuada, identificada;

c) que a coisa esteja injustamente em poder do réu, ou prova de que ele dolosamente deixou de possuir a coisa reivindicanda.

São esses os requisitos oriundos do art. 524 do Código Civil, que assegura ao proprietário o direito de usar, gozar e dispor de seus bens e de reavê-los do poder de quem quer que injustamente os possua. [...]

Cabe ao autor provar que é titular do domínio do imóvel, mediante juntada de certidão atual do registro imobiliário. [...]

Da exigência da prova da propriedade resulta a necessidade de o autor individuar a coisa que reivindica. Cumpre ao autor, na reivindicação de imóvel, descrever os limites externos, o perímetro da área reivindicanda. E se quiser reivindicar apenas parte do imóvel, porque, vamos admitir em tese que apenas parte está sendo ocupada injustamente pelo réu, deve descrever a área reivindicanda, além do imóvel. [...]

A posse injusta do réu, além de ser requisito para o julgamento da procedência da ação, ainda o é para a própria admissibilidade da reivindicatória" (Ação reivindicatória. 5. ed. Saraiva, p. 34.)

Portanto, a ação reivindicatória é o remédio jurídico posto à disposição do proprietário, sem posse, para reaver a coisa do poder de quem quer que injustamente a possua. E a propriedade se prova mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis.

Na espécie, embora o autor demonstre o título dominial, é assente na doutrina e na jurisprudência que não basta, para o acolhimento da pretensão reivindicatória, a demonstração da propriedade do imóvel pela parte autora, sendo necessária, ainda, a inexistência de justificativa plausível para a posse da parte demandada. E é precisamente dessa ausência de justificativa que decorre a injustiça da posse.

Entretanto, legítima a posse da demandada, pois devidamente justificada, consoante a ampla prova nos autos.

Isso porque, da leitura do instrumento contratual de f. 12-15, verifica-se que se trata de compra e venda ad corpus, e não ad mensuram, uma vez que as partes contratantes apenas fizeram menção a respeito da área superficial da fração de terras (1.232,10m2), sem estipular o preço por medida de extensão.

Sobre a compra e venda ad corpus, lição de Arnaldo Rizzardo:

"Trata-se da venda sem fixação do preço por medida de extensão. Na venda, considera-se o bem como corpo certo ou determinado, individualizado por suas características e confrontações, e mesmo pela simples denominação, se rural" (Contratos. 4. ed. Editora Forense, p. 349).

Por sua vez, para o referido doutrinador, a venda ad mensuram seria aquela na qual "a determinação da área é o critério decisivo na fixação do preço. Compra-se uma extensão territorial por um valor calculado por metro ou outra medida empregada".

Na espécie, não houve a estipulação do preço com base no metro quadrado ou em outra medida, mas a aquisição do bem se deu como um todo (fração ideal de 1.232,40m2 de uma área total de 14.805m2), ou seja, levando-se em conta suas peculiares características.

Com efeito, a área é meramente enunciativa, não vinculando os contraentes, pois o só fato de constar no instrumento de compra e venda a área da superfície do imóvel não implica dizer que a compra foi ad mensuram.

A título de ilustração, colaciono o seguinte julgado:

"Ação de ressarcimento de valores. Venda de imóveis ad corpus ou ad mensuram. Ônus da prova. Artigos 333, I, do CPC e 1.136 e parágrafo único do Código Civil (1916). Para definir-se a natureza contratual da escritura de compra e venda do imóvel, se é ad corpus ou ad mensuram, deve-se estar atento ao instrumento contratual e à verdadeira intenção das partes quando da celebração do negócio. Assim, a mera especificação da área no contrato, por si só, não leva ao entendimento de que a venda foi ad mensuram, pois é natural a determinação de área, que é utilizada em todos os contratos da espécie, especialmente se os imóveis, em número de três, tiveram cada um deles o respectivo preço devidamente avençado e consignado no instrumento público de compra e venda. Caso em que, na dilação probatória, a autora reconhece que esteve anteriormente à assinatura da escritura no local e o corretor que intermediou o negócio, pai dela, admite ser conhecedor das áreas em questão. Honorários de Sucumbência. Nada também há a modificar no que concerne aos honorários de sucumbência, arbitrados em 15% sobre o valor da causa, levando em conta os critérios da Câmara em litígio que não dispensou a realização de audiência de instrução. Apelação improvida" (Apelação Cível nº 70010456432, 17ª Câmara Cível, Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Relatora Elaine Harzheim Macedo, julgado em 15.02.2005).

Desse modo, constatando-se que o negócio de compra e venda não foi celebrado com base na dimensão do imóvel, mas em decorrência das características peculiares do bem (mencionadas no contrato, tais como localização, preço, condições, etc.), o que se conclui é que a compra e venda foi ad corpus.

Demais disso, o § 3º do art. 500 do Código Civil traz a seguinte regra que define a venda ad corpus:

"§ 3º. Não haverá complemento de área, nem devolução de excesso, se o imóvel for vendido como coisa certa e discriminada, tendo sido apenas enunciativa a referência às suas dimensões, ainda que não conste, de modo expresso, ter sido a venda ad corpus".

Assim sendo, não há falar em ausência de legitimidade da posse da demandada, tendo em vista que firmou o compromisso de compra e venda englobando a totalidade da área hoje por ela ocupada, e não área menor, como pretende fazer entender a parte autora.

Aliás, nesse sentido foi a conclusão da prova pericial:

"2. As dimensões descritas no contrato de f. 12/15 dos autos do processo originam uma área de 1.464m2 e não 1.232,40m2;

3. apesar de ser apontada uma área de 1.232,40m2 no contrato de f. 12/15 dos autos do processo, não é comum marcar os limites dos terrenos em função da área; o usual é determinar-se a área a partir das medidas das confrontações;

4. no terreno em questão, a determinação da área não é simples, tendo em vista seu formato, que é de um polígono irregular;

5. as dimensões estabelecidas no contrato de f. 12-15 dos autos do processo induziram a requerida a marcar seu terreno da forma como hoje se encontra;

[...]" (f. 82).

Nessas condições, esbarra a pretensão do autor na ausência de injustiça da posse da ré, o que impossibilita o acolhimento do pedido inicial.

Diante do exposto, afasto a preliminar de não conhecimento do recurso por intempestividade e nego provimento ao recurso, mantendo a sentença de primeiro grau.

Custas recursais, pelo apelante.

DES. PAULO ROBERTO PEREIRA DA SILVA - De acordo com a Relatora.

DES. ÁLVARES CABRAL DA SILVA - De acordo com a Relatora.

Súmula - Recurso não provido.

 

Data: 10/02/2014 - 09:43:39   Fonte: Diário do Judiciário Eletrônico - 02/07/2014 
Extraído de Sinoreg/MG

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