A responsabilidade pelo pagamento da despesa propter rem do imóvel entre a arrematação e a imissão na posse

A responsabilidade pelo pagamento da despesa propter rem do imóvel entre a arrematação e a imissão na posse

Sâmla Campissi

Reflexão sobre quando o arrematante deve pagar as despesas do imóvel, destacando o conflito entre posse e responsabilidade segundo o STJ.

terça-feira, 15 de abril de 2025
Atualizado às 10:57

Quando o arrematante passa a ser responsável pelas despesas do imóvel? Esta é uma pergunta frequente dos interessados em arrematar. Além de uma dúvida pertinente, essa pergunta serve como ponto de partida para uma reflexão necessária.

Atualmente, o entendimento do STJ é de que o arrematante é responsável pelas despesas a partir da data da arrematação, ainda que não tenha a posse.

Ocorre que na prática, por vezes, entre a arrematação e a imissão na posse há um lapso temporal considerável. Geralmente há uma demora do próprio juízo em dar andamento ao processo. Ou, ainda, pelo fato de o imóvel arrematado estar ocupado e o ocupante prolongar a sua permanência através de impugnações vazias e/ou manobras procrastinatórias. 

A arrematação é uma forma de expropriação na qual os bens do executado são transferidos ao patrimônio do arrematante por um procedimento público1. Uma vez realizada a arrematação do imóvel em processo judicial, será expedida a carta de arrematação destinada ao registro público - já que mesmo no procedimento executivo observa-se o art. 1.245 do CC/02.2 Será expedido, também, mandado de imissão na posse autorizando o arrematante a tomar posse do bem.3 

Considerando que a arrematação judicial é título aquisitivo originário, entende que à hasta pública não podem sobreviver pendências que anteriormente recaiam sobre a propriedade, devendo o imóvel ser transmitido ao arrematante livre de qualquer ônus.

Além disso, em obediência ao previsto no art. 908 § 1º do CPC e art. 130, parágrafo único, do CTN, nenhum passivo pretérito do imóvel deve ser transferido ao arrematante.

Por outro lado, nas operações de compra e venda de imóveis, o comprador só assume as despesas do imóvel a partir da posse, conforme tese firmada no Tema repetitivo 886 do STJ. Ademais, há casos em que a mera condição de proprietário do imóvel não é suficiente para a responsabilização do adquirente pelas obrigações propter rem. 

A título de esclarecimento, as obrigações propter rem são aquelas impostas ao devedor ao se tornar titular de um direito real, independentemente da sua vontade. É o que ocorre no caso da aquisição de um imóvel quanto aos valores devidos a título de condomínio - as obrigações de contribuir com as despesas de conservação não decorrem necessariamente de um contrato firmado, mas do direito real que acompanha o bem - e com relação aos tributos que incidem sobre a propriedade.4 

A controvérsia sobre o tema girava em torno da legitimidade para responder pelas dívidas condominiais no caso de compromisso de compra e venda não levado a registro (hipótese em que é realizado o leilão de direito e ação ou leilão de direitos aquisitivos).

De acordo com o firmado no repetitivo, o parâmetro para a definição da responsabilidade pelas obrigações condominiais não é o registro do compromisso, mas, sim, a imissão na posse pelo promissário comprador somada à ciência inequívoca do condomínio da ocorrência da transação.5  

Assim, mesmo que o CC equipare o proprietário ao promitente comprador, o STJ firmou entendimento no sentido de que apenas quando consolidado o domínio direto sobre o bem é que passa o promissário comprador a ter responsabilidade sobre as obrigações condominiais. Isso porque somente com a imissão na posse é possível se beneficiar dos serviços que o condomínio oferece.6  

De igual modo, o STJ vem decidindo que a imissão na posse é requisito para a responsabilização do comprador sobre as obrigações relacionadas ao bem, de maneira que "somente a partir da efetiva posse do imóvel, com a entrega das chaves, passa o adquirente a ter a obrigação de pagar as despesas condominiais e IPTU, sendo responsabilidade da vendedora até a imissão na posse".7 A situação se mostrou distinta, porém, quando se trata da arrematação de imóveis em leilão judicial.         

O que se esperaria é que, levando em conta o firme posicionamento do STJ acima demonstrado, o arrematante só viesse a arcar com as despesas propter rem quando, de fato, estivesse na posse do imóvel.

É certo que, na alienação forçada, ocorre a perda da propriedade, por parte de uma pessoa, e aquisição por outra, sem que entre elas exista qualquer relação, ou seja, sem que se caracterize uma transmissão. Assim, deveria ser inquestionável a transferência do imóvel livre de qualquer dívida e ônus.

O que há de se questionar é a razão de nos casos de promessa de compra e venda o promitente comprador se manter livre de quaisquer despesas propter rem relacionadas ao imóvel até a imissão na posse, enquanto o arrematante - que é o verdadeiro resolvedor do processo - deve suportar tais encargos.

Não é assim, porém, que os tribunais têm se posicionado. 

Conforme se extrai das decisões do STJ sobre o assunto, o arrematante é responsável tanto pelos débitos condominiais como pelos tributários, desde a arrematação (sem mencionar as decisões que responsabilizam os arrematantes até por dívidas anteriores à arrematação). E pouco importando o momento da imissão na posse ou o registro imobiliário do bem.8 

Os tribunais estaduais vêm seguindo a mesma orientação ao decidir sobre o tema. No TJ/RJ, por exemplo, o posicionamento majoritário é no sentido da responsabilização do arrematante, garantido, quando muito, a possibilidade de abatimento dos valores excedentes quando há saldo derivado da alienação judicial.9 

Ocorre que, mesmo nos casos em que há saldo, em razão da insegurança sobre o tema e do atual entendimento do STJ, o comum é que seja necessário recorrer das decisões para obter tal abatimento. Sendo necessário comprovar no recurso a existência do saldo e o enriquecimento sem causa do ocupante, que muitas vezes é o executado, que permaneceu residindo no imóvel de forma gratuita, se beneficiando de sua própria torpeza.

Veja-se, assim, um caso concreto, em que tive a oportunidade de atuar como advogada do arrematante. O leilão ocorreu em razão da execução da dívida de condomínio. Após 8 anos de inadimplência, o imóvel foi arrematado. Ocorre que, por manobras do executado, a imissão na posse foi realizada somente 6 meses após a arrematação. Durante este período, permaneceu o executado no imóvel, residindo de forma gratuita.

Após o pagamento das dívidas propter rem, vencidas até a data da arrematação, restava saldo depositado em juízo. Peticionamos para que o valor fosse descontado do saldo, que seria recebido pelo executado.

Se ele deu causa ao leilão, e permaneceu usufruindo do imóvel de maneira gratuita após a arrematação, ocasionando o aumento da dívida que gerou o leilão, nada mais justo que o valor das respectivas cotas condominiais seja descontado do montante que o ex-proprietário viesse a receber.

Mas, não foi assim que o juízo de 1 grau entendeu. Fundamentado no entendimento do STJ, nosso pedido foi indeferido. Ocasionando, assim, recurso de agravo de instrumento por parte do arrematante, que foi provido.10  

O desembargador relator, mesmo ciente do entendimento do STJ, decidiu por mitigá-lo em razão das peculiaridades do caso. Reconheceu que o devedor havia permanecido no imóvel arrematado, usufruindo do condomínio sem arcar com as despesas, não sendo lícito que não lhe impusesse a obrigação do pagamento.

Este caso é um exemplo de que, em regra, a demora entre a arrematação e a imissão na posse sequer é causada pelo arrematante, mas por resistência do executado ou retardamento na prestação jurisdicional com os entraves cartorários. Questiona-se, a partir disso, se seria realmente justo onerar o arrematante ao pagamento das obrigações referentes ao imóvel, antes mesmo de desfrutar da propriedade.

Apesar do desafio ser no âmbito nacional, no TJ/SP também encontramos de maneira tímida, mesmo que seguindo a orientação do STJ quanto à responsabilização do arrematante desde a assinatura do auto, a possibilidade das despesas condominiais até a efetiva imissão na posse serem quitadas com o produto da arrematação.11 

O TJ/RJ, apesar de não ser esse o entendimento majoritário, veio a decidir de maneira mais assertiva acerca dessas obrigações. Em sede de agravo de instrumento, o Tribunal, dando aplicação analógica ao Tema 886 do STJ, entendeu ser possível a responsabilização do devedor pelo IPTU posterior à arrematação, uma vez que, após doze anos da lavratura do auto de arrematação, se mantinha na posse direta do imóvel.12 Tratando-se de débitos condominiais, o TJ/RJ decidiu em certas ocasiões da mesma maneira,13 assim como já deferiu o ressarcimento em perdas e danos ao arrematante que, em virtude da má-fé do devedor que se mantinha no imóvel, teve que arcar com as despesas de condomínio, IPTU e FUNESBOM14.

O que parece ser a posição mais razoável - e justa - nesses casos, é garantir que o arrematante esteja livre de quaisquer despesas propter rem até a imissão na posse - principalmente quando o devedor, de má-fé, resiste à arrematação. 

Se nas operações de compra e venda, quando há relação direta entre comprador e devedor, já se reconhece a necessidade de definir que o adquirente assuma as despesas a partir da posse, necessário é observar a situação do arrematante.

Como adquirente de boa-fé e resolvedor do problema, visto que é aquele que leva dinheiro ao processo e soluciona a execução, deveria ter mais direitos e proteção. Vale ressaltar que, na maioria dos casos, o devedor que deu causa ao processo e ao leilão, não colabora com a desocupação do imóvel e celeridade dos pós arrematação.

Com mais proteção ao arrematante, não haverá apenas um estímulo para que os interessados adquiram imóveis em leilões judiciais, mas, consequentemente, um aumento na celeridade e efetividade dos processos.

Fonte: Migalhas

                                                                                                                            

Notícias

Herança digital e o testamento como aliado

Herança digital e o testamento como aliado Thauane Prieto Rocha A herança digital ganha destaque como parte essencial do testamento, permitindo que o testador decida sobre bens e memórias digitais após a morte. sexta-feira, 25 de abril de 2025 Atualizado em 28 de abril de 2025 08:08 Ao realizar uma...

Análise crítica de estratégias de planejamento sucessório

Análise crítica de estratégias de planejamento sucessório Gabriel Vaccari Holding/Sucessão: Cuidado online! Artigo expõe riscos de soluções fáceis (procuração, S.A., 3 células). Evite armadilhas fiscais/legais. Leitura essencial para famílias e advogados. sexta-feira, 25 de abril de 2025 Atualizado...

Bens trazidos à colação não respondem pelas dívidas do falecido

Processo Familiar Bens trazidos à colação não respondem pelas dívidas do falecido Mário Luiz Delgado 20 de abril de 2025, 8h00 Os bens recebidos em antecipação da herança necessária (legítima), nos moldes do artigo 544 do CC [6], quando “conferidos” pelo herdeiro após a abertura da sucessão, NÃO...

10 informações jurídicas essenciais acerca do inventário

10 informações jurídicas essenciais acerca do inventário Amanda Fonseca Perrut No presente artigo, abordamos pontos cruciais sobre inventário, como prazo, multas e recolhimento de tributos, dentre outros. segunda-feira, 21 de abril de 2025 Atualizado em 17 de abril de 2025 14:23 De modo a auxiliar...

Partilha testamentária como meio eficaz de planejamento sucessório

Partilha testamentária como meio eficaz de planejamento sucessório Amanda Fonseca Perrut A indicação de bens específicos pelo testador a determinado herdeiro é possível e evita eventuais disputas sucessórias. quinta-feira, 17 de abril de 2025 Atualizado às 09:11 É juridicamente possível atribuir...