Artigo - É possível ter dois pais ou duas mães no registro civil

Artigo - É possível ter dois pais ou duas mães no registro civil

Por Roberta Raphaelli Pioli

O direito de família vem passando por inúmeras modificações com o passar dos anos, e o conceito de família vem se ampliando para abranger as mais diversas formas de núcleos familiares existentes hoje em dia. É nesse contexto, observando que o divórcio vem se tornando algo cada vez mais comum e frequente, é que surge o tema da multiparentalidade.

A título exemplificativo é possível imaginarmos a seguinte situação: uma menina cujos pais biológicos são divorciados perde a mãe biológica ainda na infância, sendo criada a vida toda pelo pai e pela madrasta. Cria-se entre a madrasta e a enteada um vínculo socioafetivo, estabelecido pelo laço de amor e de cuidado, laço este que perdura ao longo da vida em uma exímia relação maternal. Seria possível que esta menina ou que a madrasta requeressem a declaração da maternidade socioafetiva e inclusão em seu registro civil mantendo o nome da falecida mãe biológica?

Trata-se apenas de uma possibilidade, entre tantas outras, em que o assunto da multiparentalidade vem à tona. A Lei 11.924/2009 já regulamentou a possibilidade de o enteado ou enteada adotar o patronímico da família do padrasto ou da madrasta, porém a questão da multiparentalidade vai além, e questiona-se se seria possível alguém ter em seu registro civil o nome de duas mães ou de dois pais.

Sobre o tema não há consenso doutrinário, sobretudo no que tange à questão sucessória e alimentar, porém grande parte dos doutrinadores modernos é favorável a essa possibilidade, como o professor Flávio Tartuce¹, que afirma que a multiparentalidade é um caminho sem volta na modernização do direito de família e que representa uma consolidação da afetividade como princípio jurídico em nosso sistema.

Embora também não haja jurisprudência consolidada acerca do assunto, em agosto de 2012 a 1ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo inovou ao julgar procedente a apelação cível 0006422-26.2011.8.26.0286, interposta em ação declaratória de maternidade socioafetiva, declarando a maternidade socioafetiva concomitantemente com a maternidade biológica.

O relator, desembargador Alcides Leopoldo e Silva Junior, em caso semelhante ao exemplificado acima, mencionou que não haveria qualquer tipo de reprovação social em se declarar legalmente a maternidade socioafetiva concomitantemente com a biológica. Citou por base decisão do STJ que reconheceu a possibilidade de adoção por duas mulheres, equiparando a multiparentalidade à dupla adoção.

Nesse contexto, levando em consideração o princípio da dignidade da pessoa humana, bem como a afetividade, a solidariedade e a idéia de família contemporânea plural, é provável que surjam novas decisões nesse sentido, consagrando a tendência do direito de família de se adaptar a uma nova realidade social, buscando assegurar direitos constitucionalmente protegidos.

 

Referências Bibliográficas
1 - TARTUCE, Flávio. O princípio da afetividade no direito de família. In: https://www.ibdfam.org.br/novosite/artigos/detalhe/859

Roberta Raphaelli Pioli é advogada no escritório Fernando Quércia Advogados Associados.

Fonte: Conjur

Publicado em 18/01/2013

Extraído de Recivil

Notícias

Juíza reconhece nulidade de algibeira em caso de execução de patrimônio

SÓ QUANDO CONVÉM Juíza reconhece nulidade de algibeira em caso de execução de patrimônio 8 de maio de 2025, 11h57 Tal conduta caracteriza a chamada ‘nulidade de algibeira’. Em síntese, a nulidade de algibeira consiste na estratégia de não alegar a nulidade no momento em que ela ocorre, utilizando-a...

Quando o bem de família pode ser penhorado? Jurisprudência do STJ

Opinião Quando o bem de família pode ser penhorado? Jurisprudência do STJ Caroline Valéria Adorno de Macêdo 5 de maio de 2025, 6h32 A jurisprudência do STJ tem reiterado que tais exceções devem ser interpretadas restritivamente, em respeito à função social da moradia e à dignidade da pessoa...

Herança digital e o testamento como aliado

Herança digital e o testamento como aliado Thauane Prieto Rocha A herança digital ganha destaque como parte essencial do testamento, permitindo que o testador decida sobre bens e memórias digitais após a morte. sexta-feira, 25 de abril de 2025 Atualizado em 28 de abril de 2025 08:08 Ao realizar uma...

Análise crítica de estratégias de planejamento sucessório

Análise crítica de estratégias de planejamento sucessório Gabriel Vaccari Holding/Sucessão: Cuidado online! Artigo expõe riscos de soluções fáceis (procuração, S.A., 3 células). Evite armadilhas fiscais/legais. Leitura essencial para famílias e advogados. sexta-feira, 25 de abril de 2025 Atualizado...

Bens trazidos à colação não respondem pelas dívidas do falecido

Processo Familiar Bens trazidos à colação não respondem pelas dívidas do falecido Mário Luiz Delgado 20 de abril de 2025, 8h00 Os bens recebidos em antecipação da herança necessária (legítima), nos moldes do artigo 544 do CC [6], quando “conferidos” pelo herdeiro após a abertura da sucessão, NÃO...