Juiz nega penhora de imóveis rurais usados para subsistência
Proteção
Juiz nega penhora de imóveis rurais usados para subsistência
Magistrado reconheceu que a família do devedor explora diretamente a terra para sua subsistência e que os imóveis se enquadram como pequena propriedade rural.
Da Redação
domingo, 5 de outubro de 2025
Atualizado em 3 de outubro de 2025 15:32
O juiz de Direito José dos Reis Pinheiro Lemes, da 1ª vara Judicial de Pires do Rio/GO, reconheceu a impenhorabilidade de duas propriedades rurais pertencentes ao devedor, por serem exploradas diretamente pela família para sua subsistência e se enquadrarem como pequena propriedade rural, de área inferior a quatro módulos fiscais.
Com a decisão, foi revogada a penhora que recaía sobre os bens, assegurando a proteção constitucional da pequena propriedade rural prevista no art. 833, VIII, do CPC.
Entenda o caso
O processo trata de cumprimento de sentença em que houve penhora de dois imóveis rurais - com áreas de 80,46 ha e 36,32 ha - pertencentes ao executado. Inicialmente, o devedor alegou a impenhorabilidade da pequena propriedade rural e impugnou o laudo de avaliação dos bens. Em decisões anteriores, o pedido de adjudicação dos imóveis havia sido deferido em favor do credor, sob argumento de preclusão da discussão sobre impenhorabilidade.
Posteriormente, em sede de agravo de instrumento, o Tribunal declarou a nulidade da intimação da defesa e afastou a preclusão, o que possibilitou nova apreciação do pedido de impenhorabilidade.
Com isso, voltou ao debate a alegação de que as propriedades, localizadas em Urutaí/GO, possuíam área inferior a quatro módulos fiscais e eram utilizadas para a subsistência familiar. O credor não apresentou prova de que os imóveis não eram explorados pela família, sustentando apenas a validade da penhora e do laudo.
Proteção da pequena propriedade rural
Ao analisar o caso, o juiz destacou que os imóveis se enquadram no conceito de pequena propriedade rural, já que um módulo fiscal no município corresponde a 30 hectares.
Além disso, registrou que "as fotografias acostadas aos autos, em conjunto com os outros documentos, revelam, de forma inequívoca, que a propriedade rural é trabalhada pela família, a qual trabalha na produção de frutas variadas e vinhos, além de outros vegetais, estando evidente, portanto, que a pequena propriedade rural possui destinação específica para o trabalho familiar".
O magistrado aplicou o entendimento consolidado na jurisprudência do TJ/GO de que a pequena propriedade rural, quando trabalhada pela família, é impenhorável, salvo prova em contrário - presunção juris tantum em favor do pequeno agricultor.
Citando precedente da 5ª câmara Cível do TJ/GO, ressaltou que a proteção decorre de garantia constitucional prevista no art. 833, VIII, do CPC:
"EMENTA (...)2. A pequena propriedade rural familiar, assim entendida como aquela com área total inferior a 04 (quatro) módulos fiscais do município de localização e desde que trabalhada pela família, não será objeto de penhora para pagamento de débitos decorrentes de sua atividade produtiva, dispondo a lei sobre os meios de financiar o seu desenvolvimento."
Na conclusão, o juiz afirmou que a impenhorabilidade da pequena propriedade rural constitui direito fundamental do grupo familiar, razão pela qual revogou a penhora anteriormente determinada.
Como consequência, deixou-se de analisar a impugnação ao laudo de avaliação, determinando-se que a parte exequente indique outros bens do devedor passíveis de constrição.
O escritório João Domingos Advogados atua no caso.
Processo: 0282395-40.2015.8.09.0155
Leia o acórdão.
Fonte: Migalhas
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Devedor deve provar que imóvel rural é explorado pela família e não pode ser penhorado, define STJ em repetitivo
A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ), sob a sistemática dos recursos repetitivos (Tema 1.234), estabeleceu a tese de que é ônus do devedor provar que a sua pequena propriedade rural é explorada pela família, como forma de assegurar a impenhorabilidade do bem.
Com a fixação da tese – que confirma entendimento já pacificado na Segunda Seção –, poderão voltar a tramitar os recursos especiais e agravos em recurso especial que estavam suspensos à espera da definição do precedente qualificado.
A ministra Nancy Andrighi, relatora do tema repetitivo, comentou que a proteção da pequena propriedade rural contra a penhora para pagamento de dívidas tem fundamento na Constituição Federal (artigo 5º, inciso XXVI) e em outras leis, como o Código de Processo Civil (CPC), segundo o qual o reconhecimento da impenhorabilidade desse tipo de imóvel depende de dois elementos: a qualificação da propriedade como rural e a sua exploração pela família (artigo 833, inciso VIII, do CPC).
Em relação ao tamanho da propriedade, a ministra citou precedentes do STJ (a exemplo do REsp 1.408.152) no sentido de que é incumbência do devedor comprovar que ela não tem mais do que quatro módulos fiscais (área máxima atualmente compreendida pela jurisprudência como pequeno imóvel rural).
Já no tocante à exploração do imóvel pela família, a relatora lembrou que havia divergência entre as turmas de direito privado sobre a quem competiria demonstrar essa situação – se à parte exequente (credor) ou ao executado (devedor). Essa divergência, contudo, foi superada em 2023, quando a Segunda Seção pacificou o entendimento de que cabe ao executado comprovar não apenas o enquadramento do imóvel como pequena propriedade rural, mas também que o bem é voltado para a subsistência familiar (REsp 1.913.234).
Proprietário tem mais condições de produzir prova sobre uso do imóvel
Segundo Nancy Andrighi, é mais fácil ao devedor demonstrar que a propriedade rural é objeto de exploração familiar, tendo em vista que ele é o proprietário do imóvel e, por isso, pode acessá-lo livremente.
Além disso, para a relatora, caso houvesse uma presunção relativa de que o pequeno imóvel rural é explorado pela família – transferindo-se ao credor, portanto, o encargo de afastar essa presunção –, ocorreria uma indevida equiparação entre a impenhorabilidade da pequena propriedade rural e a impenhorabilidade do bem de família, institutos juridicamente distintos.
"O artigo 833, VIII, do CPC/2015 é expresso ao condicionar o reconhecimento da impenhorabilidade da pequena propriedade rural à sua exploração familiar. Isentar o devedor de comprovar a efetiva satisfação desse requisito legal e transferir a prova negativa ao credor importaria em desconsiderar o propósito que orientou a criação dessa norma, o qual consiste em assegurar os meios para a efetiva manutenção da subsistência do executado e de sua família", concluiu a ministra.
Leia o acórdão no REsp 2.080.023.
Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):
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Resumo em linguagem simples: O STJ decidiu que é papel do devedor provar que a sua pequena propriedade rural é explorada pela própria família, como forma de evitar que o imóvel seja penhorado para pagamento de dívidas. Para o STJ, é o devedor – e não o credor – aquele que tem mais condições de comprovar de que forma a propriedade rural é utilizada. A decisão do STJ deve ser aplicada a todos os processos semelhantes na Justiça brasileira de primeiro e segundo graus.
Superior Tribunal de Justiça (STJ)
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