Jornada Lei Maria da Penha discutirá formas de combater e prevenir o feminicídio

Jornada Lei Maria da Penha discutirá formas de combater e prevenir o feminicídio

04/08/2014 - 10h25

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) realiza, nos dias 7 e 8 de agosto, em Brasília/DF, a VIII Jornada da Lei Maria da Penha, evento que discutirá os desafios a serem cumpridos pelos Tribunais de Justiça na implementação da Lei n. 11.340/2006. Entre os temas que serão debatidos no evento estão as medidas para combater e prevenir o chamado feminicídio, assassinato cometido de forma violenta e intencional contra mulheres em razão de seu sexo.

O tema será abordado no evento, na manhã do dia 8, na palestra da militante e ativista do movimento feminista e secretária nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres, Aparecida Gonçalves. De acordo com ela, o Brasil é o país com o 7º maior índice de assassinatos de mulheres no mundo, grande proporção decorrente do feminicídio, o que é uma realidade triste e inaceitável, que precisa ser mudada. De acordo com o Mapa da Violência, em que são utilizados principalmente dados do Ministério da Saúde, estima-se que os assassinatos de mulheres entre os anos de 1980 e 2010 somem mais de 92 mil.
 
Confira abaixo a íntegra da entrevista com a palestrante, em que ela fala sobre esse tipo de crime, suas origens e como enfrentá-lo.
 
O que caracteriza o feminicídio?

O feminicídio é um crime de ódio contra as mulheres, caracterizado por circunstâncias específicas em que o pertencimento da mulher ao sexo feminino é central na prática do delito. Entre essas circunstâncias estão incluídos os assassinatos em contexto de violência doméstica e os crimes que envolvem violência sexual, mutilações  especialmente do rosto, seios e genitais , exposição pública do corpo da mulher  quase sempre nu , tortura, etc.
 
O que diferencia esses crimes de outros tipos de assassinatos de mulheres?

Os crimes que caracterizam o feminicídio reportam, no campo simbólico, à destruição da identidade da vítima e de sua condição de mulher. Nesses casos, a mulher torna-se potencial vítima apenas por ser mulher. É um crime de ódio, muito diferente de outros tipos de assassinatos que estão ligados à violência urbana ou ao crime organizado, por exemplo.
 
Existem números relativos a esse tipo de crime?

Temos no Brasil algumas bases de dados sobre o assassinato de mulheres, que podem ser utilizadas para estimarmos a dimensão geral do fenômeno, já que o feminicídio corresponde a uma grande proporção desses crimes, mas não tem definição específica na lei penal.
 
E como tem sido a evolução desses números?

De acordo com o Mapa da Violência, em que são utilizados principalmente dados do Ministério da Saúde, estima-se que os assassinatos de mulheres entre os anos de 1980 e 2010 somem mais de 92 mil, sendo que a taxa de assassinatos de mulheres passou de 2,3 por 100 mil mulheres, em 1980, para 4,6 por 100 mil mulheres, em 2010. O maior aumento ocorreu entre 1980 e 1996. Um dado importante é que 41% dos assassinatos de mulheres ocorrem na residência das vítimas, enquanto, no caso dos homens, esse número é de apenas 14%.
 
É verdade que o Brasil é um dos países com maior índice de homicídios de mulheres no mundo?

O Brasil é o país com o 7º maior índice de assassinatos de mulheres no mundo, o que é realidade triste e inaceitável, que precisa ser mudada.
 
Por que motivos isso acontece, na opinião da senhora?

Além de uma cultura geral de violência, que subsiste na sociedade brasileira, os assassinatos de mulheres são fortemente impactados por uma cultura machista e patriarcal, em que o valor da vida da mulher é considerado menor e na qual a mulher é vista como propriedade do homem, como objeto a ser apossado ou descartado, conforme a conveniência masculina.
 
Como combater e prevenir o feminicídio?

O combate à impunidade é a forma mais direta de enfrentamento ao feminicídio, tanto para dar justiça às mulheres covardemente assassinadas, como para evitar novas mortes. Na quase totalidade dos casos, o feminicídio não é um ato isolado, mas parte de um histórico de violência que culmina em morte. Se os agressores forem identificados e sancionados de forma eficaz e as vítimas forem protegidas desde a primeira agressão, com apoio total do Estado e da sociedade, acredito que seremos capazes de diminuir esses números. No Brasil, a política de enfrentamento à violência contra a mulher e a Lei Maria da Penha estão sendo implementadas para atingir esse objetivo, por meio dos serviços especializados de assistência, das Delegacias da Mulher e dos Juizados, Promotorias e Defensorias Especializados. Mas ainda temos um caminho longo a percorrer para a universalização do acesso à Justiça e aos serviços de proteção, e também para a mudança das mentalidades.
 
Na opinião da senhora, a inserção cada vez maior da mulher no mercado de trabalho tem impacto sobre o feminicídio? Por quê?

Por um lado, as mulheres que ingressam no mercado de trabalho conseguem se empoderar e aumentar seu grau de independência e autonomia, tanto financeiramente quanto em relação à própria autoestima. Isso as ajuda a sair de relacionamentos abusivos e a denunciar violências sofridas no espaço público ou privado, por exemplo. Mas há também uma reação masculina ao empoderamento da mulher, que é a não aceitação da relação de igualdade. Isso pode se transformar em violência e pode ocorrer tanto no espaço privado  no caso das relações íntimas de afeto e a tentativa de controle pelos parceiros violentos  quanto no espaço público. A mulher hoje ocupa cada vez mais o espaço público, as ruas, ônibus e metrôs. A intimidação, o assédio e a violência sexual são formas de negar o espaço público a elas, de tentar “enquadrá-las” novamente no papel que a sociedade patriarcal reservava às mulheres no passado. A inserção no mercado de trabalho, porém, não é a única causa. Acredito que o preconceito, a discriminação e a cultura machista são os principais fatores do feminicídio.


 Serviço: VIII Jornada da Lei Maria da Penha
Data: 7 e 8 de agosto
Horário: dia 7 às 19h30 e dia 8 a partir das 8h.
Local: Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT)
Veja a programação.

 
Tatiane Freire
Foto/Fonte: Agência CNJ de Notícias



 

Notícias

Justiça nega exclusão de imóvel em divórcio com regime de comunhão de bens

Justiça nega exclusão de imóvel em divórcio com regime de comunhão de bens Autora argumentou que bem foi comprado com recursos próprios 23/05/2025 - Atualizado em 23/05/2025 Origem da Imagem/Fonte: TJMG Justiça entendeu que não há provas no processo de que o bem foi adquirido com recursos...

STJ exclui de partilha de novos bens herdeiro que renunciou à herança

Sucessão STJ exclui de partilha de novos bens herdeiro que renunciou à herança Colegiado entendeu que renúncia à herança é ato irrevogável, impedindo participação em sobrepartilha. Da Redação terça-feira, 13 de maio de 2025 Atualizado às 18:24 Por unanimidade, a 3ª turma do STJ decidiu que a...

Justiça reconhece pai socioafetivo sem excluir o biológico

Vínculo afetivo Justiça reconhece pai socioafetivo sem excluir o biológico O juiz autorizou a expedição de mandado ao cartório de registro civil para averbação da sentença. Da Redação quarta-feira, 14 de maio de 2025 Atualizado às 12:05 A vara de Família e Sucessões de Varginha/MG reconheceu, por...

Juíza reconhece nulidade de algibeira em caso de execução de patrimônio

SÓ QUANDO CONVÉM Juíza reconhece nulidade de algibeira em caso de execução de patrimônio 8 de maio de 2025, 11h57 Tal conduta caracteriza a chamada ‘nulidade de algibeira’. Em síntese, a nulidade de algibeira consiste na estratégia de não alegar a nulidade no momento em que ela ocorre, utilizando-a...

Quando o bem de família pode ser penhorado? Jurisprudência do STJ

Opinião Quando o bem de família pode ser penhorado? Jurisprudência do STJ Caroline Valéria Adorno de Macêdo 5 de maio de 2025, 6h32 A jurisprudência do STJ tem reiterado que tais exceções devem ser interpretadas restritivamente, em respeito à função social da moradia e à dignidade da pessoa...