A reforma do Código Civil e o casamento celebrado por procuração
A reforma do Código Civil e o casamento celebrado por procuração
Flávio Tartuce
quarta-feira, 30 de abril de 2025
Atualizado às 07:32
Como tenho insistido, uma das linhas metodológicas seguidas pela Comissão de Juristas na elaboração do projeto de reforma do Código Civil - atual PL 4/25, em trâmite no Senado Federal - foi a de reduzir as burocracias, destravando a vida das pessoas, um dos nortes necessários para que o Direito Civil Brasileiro ingresse de forma definitiva no século XXI.
Esse objetivo foi buscado, por exemplo, quanto às regras de celebração do casamento, como na inclusão de um procedimento pré-nupcial, simplificado e com o uso da via digital; e também com uma ampliação considerável da liberdade dos nubentes quanto ao ato de celebração do matrimônio em si, deixando a eles a função de melhor planejá-lo, de acordo com seus anseios.
A diminuição das burocracias é igualmente percebida no tratamento legal do casamento por procuração, tema deste breve texto. Conforme o atual art. 1.542, caput, do Código Civil, essa modalidade especial de casamento quanto à celebração é possível juridicamente desde que haja instrumento público lavrado no Tabelionato de Notas e com poderes especiais para tanto.
Consoante o seu § 1º, em vigor, a revogação do mandato para o casamento por procuração não necessita chegar ao conhecimento do mandatário. Porém, celebrado o casamento sem que o mandatário ou o outro contraente tivessem ciência da revogação, responderá o mandante por perdas e danos. Além disso, o nubente que não estiver em iminente risco de vida poderá fazer-se representar no casamento nuncupativo (§ 2º). Em todos os casos, a eficácia do mandato não ultrapassará o prazo de noventa dias (§ 3º). Por fim, está previsto no § 4º desse art. 1.542 que somente por instrumento público se poderá revogar o mandato, exigindo-se a mesma formalidade da celebração.
De todas essas normas extrai-se que a eficácia do mandato para a celebração do casamento não ultrapassará o prazo de noventa dias da sua celebração. Eventualmente, se o casamento for celebrado no 91º dia, deve ser considerado inexistente ou nulo, o que depende da filiação ou não à teoria da inexistência do negócio jurídico. A minha posição, nesse caso, é pela nulidade do casamento, por desrespeito à forma e à solenidade, nos termos do art. 166, incs. IV e V, do Código Civil.
Para ilustrar a aplicação prática do instituto do casamento por procuração, um pretenso marido - mandante - pode outorgar poderes para um mandatário, para que este o represente no casamento com sua futura esposa, uma vez que irá viajar para o exterior, por longo período. Se o mandante quiser revogar o mandato, a revogação não necessita chegar ao conhecimento do mandatário. Entretanto, somente é possível revogar o mandato para o casamento por meio de instrumento público, novamente lavrado no Tabelionato de Notas.
Celebrado o casamento sem que o mandatário ou o outro contraente tivesse ciência da revogação anterior, responderá o mandante por todas as perdas e danos perante o eventual prejudicado, caso do outro nubente, a incluir danos patrimoniais e extrapatrimoniais, caso das despesas com a celebração do casamento em si. No atual sistema, vale ainda lembrar que a revogação do mandato é motivo para a anulação do casamento, ou seja, o reconhecimento de sua nulidade relativa ou anulabilidade, nos termos do art. 1.550, inc. V, do Código Civil em vigor.
No casamento in extremis, nada impede que o nubente que não esteja em iminente risco de vida seja representado nesse casamento nuncupativo, tratado pelo art. 1.540 da lei civil da seguinte forma, no sistema ainda em vigor: "quando algum dos contraentes estiver em iminente risco de vida, não obtendo a presença da autoridade à qual incumba presidir o ato, nem a de seu substituto, poderá o casamento ser celebrado na presença de seis testemunhas, que com os nubentes não tenham parentesco em linha reta, ou, na colateral, até segundo grau".
Entendo, como a maioria da doutrina, que não há óbice para que o casamento seja celebrado por procurações outorgadas por ambos os cônjuges, se ambos não puderem comparecer, o que hoje não é tratado expressamente na norma. A título de curiosidade, o Código Civil português parece ter adotado esse entendimento ao dispor, em seu art. 1.620º, 1, da seguinte forma: "é lícito a um dos nubentes fazer-se representar por procurador na celebração do casamento".
Pois bem, a reforma do Código Civil, como já se adiantou, pretende a redução de burocracias, e também outros aperfeiçoamentos a respeito do casamento celebrado por procuração. De início, para sanar as dúvidas hoje existentes, e por último citadas, o caput do art. 1.542 passará a expressar que "qualquer dos nubentes ou ambos podem ser representados na celebração por procurador investido de poderes especiais por instrumento público de procuração, este com eficácia máxima de noventa dias". Como se percebe, inclui-se a menção expressa à possibilidade de ambos os cônjuges optarem por essa forma especial de celebração, trazendo-se ao caput a atual regra do § 3º, com melhor técnica.
Sobre a revogação do mandato, inclui-se no § 1º do dispositivo uma regra clara, no sentido de que "só poderá ser feita por instrumento público e em data anterior à da celebração do casamento". A proposição, portanto, visa a que não existam mais dúvidas quanto à possibilidade ou não de a revogação do mandato surtir efeitos no caso concreto, exigindo-se a anterioridade.
Ademais, consoante o projetado § 2º do art. 1.542, com menção a respeito de a quem são dirigidas as perdas e danos, "a revogação do mandato não necessita chegar ao conhecimento do mandatário, mas, celebrado o casamento sem que o mandatário ou o outro contraente tivessem ciência da revogação, responderá o mandante por perdas e danos perante o mandatário e o outro nubente". Mais uma vez, a proposta torna mais clara a norma, com vistas à segurança jurídica e à esperada estabilidade das relações privadas.
Seguindo com o estudo das proposições do projeto de reforma do Código Civil, inclui-se previsão no sentido de não se considerar "como celebrado o casamento contraído em nome do mandante quando o mandatário já não mais esteja no exercício de poderes de representação" (§ 3º), hipótese em que não será tido como aperfeiçoado o ato, solução que pareceu à Comissão de Juristas a mais adequada tecnicamente, por sugestão formulada pela professora Rosa Maria de Andrade Nery, também relatora do anteprojeto.
Com isso, revoga-se expressamente a previsão do art. 1.550, inc. V, da codificação privada, retirando-se do sistema a solução pela anulabilidade do ato, e substituindo-a pela não celebração do casamento, que passará a ser tido como inexistente nessas situações.
Por fim, o § 4º do art. 1.542 do Código Civil é a norma que passará a prever a possibilidade do casamento nuncupativo por procuração, com melhor organização, mas mantendo-se integralmente a regra segundo a qual o nubente que não estiver em iminente risco de vida poderá fazer-se representar no casamento nuncupativo. Como se pode perceber, em relação à essência dessa última previsão não há qualquer proposta de modificação do conteúdo.
Em verdade, como se iniciou este texto, todas as proposições, assim como outras elaboradas pela Comissão de Juristas, apenas visam à redução de burocracias, facilitando a vida das pessoas, para que o casamento não continue sendo considerado um ato excessivamente solene, e até mesmo tido hoje como distante de grande parte da população, pelos seus excessos formais. Espera-se, assim, a aprovação de todas as sugestões feitas para o casamento celebrado por procuração pelo Parlamento Brasileiro.
Fonte: Migalhas