Alienação fiduciária e polêmica sobre extinção de obrigações após segundo leilão obrigatório

Alienação fiduciária e polêmica sobre extinção de obrigações após segundo leilão obrigatório

Renata Cristina Zacarone Reis

Ao retomar o imóvel e reintegrá-lo a seu patrimônio, o credor fiduciário deve arcar com as despesas de consolidação e regularizar eventuais inadimplementos com o fisco e o respectivo condomínio, dentre outros.

quarta-feira, 27 de setembro de 2023
Atualizado às 07:44

A lei 9.514, promulgada em 20 de novembro de 1997, regulamentou o procedimento de Alienação Fiduciária e inovou o Sistema de Financiamento Imobiliário, estabelecendo procedimento extrajudicial específico para a retomada de imóvel dado em garantia em casos de inadimplemento.

A presente análise abordará a segunda fase do procedimento de retomada do imóvel junto ao respectivo cartório, ou seja, após o registro da consolidação. Parte-se da premissa de que, para se chegar à realização dos leilões, o inadimplemento é fato incontroverso, pois todos os atos de intimação são obrigatoriamente realizados junto ao cartório de registro de imóveis, que possui fé pública para validar cada passo dos atos expropriatórios.

O art. 26 da lei citada dispõe que a dívida vencida e não paga constituirá o devedor fiduciante em mora, autorizando-se a consolidação da propriedade em favor do credor fiduciário, sendo este o primeiro ato a ser efetivamente averbado na matrícula. Superada essa fase, iniciam-se os procedimentos para realização dos leilões obrigatórios previstos no art. 27 da referida lei, para satisfazer o crédito e/ou extinguir as obrigações contratuais.

É importante destacar que, por força legal, o primeiro leilão deverá ser feito no valor mínimo de avaliação da propriedade indicada. No segundo leilão, serão possíveis lances em valores superiores ao da dívida, com inclusão das demais despesas incorridas.

Obedecidas essas regras, caso ocorra o arremate no primeiro ou no segundo leilão, a depender do valor apurado, o devedor fiduciante receberá o que a lei chama de sobejo, ou seja, o excedente do valor previsto no edital do leilão.

A inteligência do art. 27, em seu parágrafo 5, legisla no sentido de que, após os leilões obrigatórios e não havendo licitante ou quantia suficiente para satisfazer o débito, restará a dívida extinta e o credor ficará exonerado quanto ao que prevê o parágrafo 4 do mesmo artigo, que diz respeito à devolução do sobejo.

A lei é clara em sua orientação, não dando margem a interpretações teleológicas diversas. Por isso, deve ser afastada qualquer alegação ou discussão quanto à possibilidade de restituição de valores, após frustrada a venda nos dois leilões obrigatórios.

Em algumas oportunidades, os devedores tentam, judicialmente, reaver a diferença entre o valor de avaliação do imóvel e o saldo devedor à época dos leilões obrigatórios. Contudo, os tribunais têm proferido decisões desfavoráveis a tais pedidos. Ainda, cabe relembrar que o procedimento de alienação fiduciária não se subordina às regras do Código de Defesa do Consumidor, sendo este tema pacificado pelo tema 1.095 DO STJ.

De tal modo, em que pese haver correntes que defendam a necessidade de restituição dos valores em caso de venda nos leilões particulares, sob pena de enriquecimento ilícito, é importante esclarecer que a lei previu expressamente a extinção das obrigações para ambas as partes, especialmente no art. 27, parágrafo 5º, não sendo o caso de omissão. Se assim fosse, o legislativo teria previsto obrigações até a efetiva venda do imóvel. Ao não o fazer e prever expressamente a extinção das obrigações, demonstra que não era sua intenção colocar em discussão a devolução do sobejo após o segundo leilão frustrado.

Ao retomar o imóvel e reintegrá-lo a seu patrimônio, o credor fiduciário deve arcar com as despesas de consolidação e regularizar eventuais inadimplementos com o fisco e o respectivo condomínio, dentre outros. Por isso, imputar a responsabilidade de devolução de sobejo após as duas praças frustradas, equivale a afirmar que a lei é inviável ao mercado imobiliário, com impacto direto na sociedade como um todo.

Conclui-se, portanto, não ser razoável manter a obrigação de restituição aos devedores fiduciários de valores que eventualmente ultrapassem a avaliação do imóvel no caso de venda em leilões particulares, conforme demonstra previsão legal expressa citada acima.

Renata Cristina Zacarone Reis
Advogada, Presidente da Comissão de Direito Imobiliário da 87ª Subseção da OAB - Bebedouro/SP e atua como Supervisora da área Imobiliária do Reis Advogados.

Fonte: Migalhas

Notícias

Lacunas e desafios jurídicos da herança digital

OPINIÃO Lacunas e desafios jurídicos da herança digital Sandro Schulze 23 de abril de 2024, 21h41 A transferência de milhas aéreas após a morte do titular também é uma questão complexa. Alguns programas de milhagens já estabelecem, desde logo, a extinção da conta após o falecimento do titular, não...

TJMG. Jurisprudência. Divórcio. Comunhão universal. Prova.

TJMG. Jurisprudência. Divórcio. Comunhão universal. Prova. APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE DIVÓRCIO - COMUNHÃO UNIVERSAL DE BENS - PARTILHA - VEÍCULO - USUCAPIÃO FAMILIAR - ÔNUS DA PROVA - O casamento pelo regime da comunhão universal de bens importa na comunicação de todos os bens presentes e futuros...

Reforma do Código Civil exclui cônjuges da lista de herdeiros necessários

REPARTINDO BENS Reforma do Código Civil exclui cônjuges da lista de herdeiros necessários José Higídio 19 de abril de 2024, 8h52 Russomanno ressalta que, além da herança legítima, também existe a disponível, correspondente à outra metade do patrimônio. A pessoa pode dispor dessa parte dos bens da...

Juiz determina que valor da venda de bem de família é impenhorável

Juiz determina que valor da venda de bem de família é impenhorável Magistrado considerou intenção da família de utilizar o dinheiro recebido para adquirir nova moradia. Da Redação terça-feira, 16 de abril de 2024 Atualizado às 17:41 "Os valores decorrentes da alienação de bem de família também são...

Cônjuge não responde por dívida trabalhista contraída antes do casamento

CADA UM POR SI Cônjuge não responde por dívida trabalhista contraída antes do casamento 15 de abril de 2024, 7h41 Para o colegiado, não se verifica dívida contraída em benefício do núcleo familiar, que obrigaria a utilização de bens comuns e particulares para saná-la. O motivo é o casamento ter...