Casar e se separar no mesmo dia: Nulidade ou divórcio?
Casar e se separar no mesmo dia: Nulidade ou divórcio?
Rudyard Rios
A lei protege os cônjuges ao não permitir o fim imediato do casamento. Fora exceções legais, só o divórcio garante segurança jurídica e respeito à vontade do casal.
quarta-feira, 3 de setembro de 2025
Atualizado às 09:14
É possível se casar no civil e desfazer o casamento no mesmo dia? A pergunta parece mera curiosidade, mas surge com frequência nas conversas informais e até em cartórios. A resposta, como quase tudo no Direito, é: depende.
O casamento civil não é um contrato comum que possa ser rescindido a qualquer tempo. A legislação brasileira confere a ele natureza solene, com hipóteses restritas de nulidade e anulabilidade. Fora delas, o único caminho para o fim do vínculo conjugal é o divórcio.
Nulidade e anulabilidade: Exceções restritas
O Código Civil prevê, no art. 1.548, hipóteses de nulidade absoluta, como o casamento entre ascendentes e descendentes, ou entre pessoas já casadas.
Já as hipóteses de anulabilidade (art. 1.550 do CC) envolvem situações como incapacidade relativa, vício de vontade ou erro essencial sobre a pessoa. O prazo para pleitear a anulação, por exemplo em caso de erro essencial, é de três anos a contar da celebração (art. 1.560, III, CC).
A jurisprudência do TJ/DFT ilustra bem esse caráter excepcional:
"Somente é possível a anulação de casamento por erro essencial de pessoa, mediante a prova cabal (.) que torne a convivência insuportável" (TJDFT, Informativo de Jurisprudência nº 347, 2017).
Portanto, arrependimento ou mera mudança de ideia após a cerimônia não configuram motivo para nulidade ou anulabilidade.
O divórcio como caminho ordinário
Desde a EC 66/10, o divórcio se tornou direito potestativo, não dependendo de separação prévia ou prazo mínimo de casamento. O STF, em repercussão geral (RE 1.167.478, julgado em novembro/23), fixou a tese de que:
"Após a promulgação da EC 66/10, a separação judicial não é mais requisito para o divórcio, nem subsiste como figura autônoma no ordenamento jurídico."
Na prática, isso significa que o divórcio pode ser requerido a qualquer tempo, inclusive imediatamente após a celebração.
O STJ também tem reforçado essa lógica. Em maio de 2025, a 3ª turma decidiu que o divórcio pode ser decretado liminarmente, com base no art. 356 do CPC, ainda antes da citação da outra parte, justamente em razão de seu caráter potestativo (STJ, 3ª turma, maio/25, REsp 2.093.953/DF).
Ou seja, embora não seja "instantâneo", o divórcio pode se concretizar de maneira célere, até mesmo no curso de decisão liminar.
Além da formalidade: Efeitos patrimoniais e vontade qualificada
O casamento produz efeitos imediatos: escolha do regime de bens, possibilidade de comunhão patrimonial, direitos sucessórios. Não é possível simplesmente "apagar" o ato como se não tivesse ocorrido.
Daí a razão do cuidado da lei: proteger não apenas a instituição do casamento, mas também os próprios cônjuges, diante das consequências patrimoniais e jurídicas do vínculo.
Opinião
Como juiz de paz, percebo de perto que o casamento é mais do que um ato solene: ele envolve emoção, simbolismo e também compromissos patrimoniais e jurídicos.
A legislação brasileira, ao não permitir o simples "desfazer" do casamento no mesmo dia, demonstra um cuidado importante: o de assegurar que a manifestação de vontade seja respeitada e que os efeitos patrimoniais do vínculo não sejam tratados de forma leviana.
Portanto, casar de manhã e "descasar" à tarde só é possível, em termos jurídicos, pelo divórcio, nunca por um mero arrependimento. Esse cuidado legislativo, longe de ser burocracia excessiva, é uma forma de proteger os cônjuges e dar estabilidade às relações familiares.
Rudyard Rios
Juiz de Paz pelo TJDFT - Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios. Formado em Direito e Filosofia, pós em Ciência Politica, Mestrando em Direito pela UNB com foco em Direito de Familia.
Fonte: Migalhas
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