Jurisprudência mineira - Apelação cível - Internação compulsória

Jurisprudência mineira - Apelação cível - Internação compulsória - Saúde - Prévio procedimento de interdição - Desnecessidade

APELAÇÃO CÍVEL - INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA - SAÚDE - PRÉVIO PROCEDIMENTO DE INTERDIÇÃO - DESNECESSIDADE - EMENDA DA PETIÇÃO INICIAL - ALTERAÇÃO DO POLO ATIVO - POSSIBILIDADE - INSTRUMENTALIDADE

- A saúde é direito de todos e dever do Estado, tratando-se de um direito fundamental, nos termos preconizados pelos arts. 6º e 196 da CR/88.

- A ação de internação compulsória dispensa o prévio procedimento de interdição, exigindo-se para tanto laudo médico atestando a sua incapacidade para os atos da vida civil, nos termos do art. 4º, II, do Código Civil.

- Excepcionalmente e tendo em vista o princípio da instrumentalidade, admite-se a emenda da petição inicial com o fito de alterar o polo ativo. Precedente do STJ (REsp 803.684/PE).

Apelação Cível nº 1.0324.12.010129-4/001 - Comarca de Itajubá - Apelante: E.P.H. - Apelado: J.P.F. - Relator: Des. Jair Varão

A C Ó R D Ã O

Vistos etc., acorda, em Turma, a 3ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, por maioria, em dar provimento ao recurso.

Belo Horizonte, 21 de fevereiro de 2013. - Jair Varão - Relator.

N O T A S T A Q U I G R Á F I C A S

DES. JAIR VARÃO - Trata-se de apelação interposta contra a r. sentença de f. 18/22 prolatada pelo MM. Juiz de Direito da 3ª Vara Cível da Comarca de Itajubá, que, nos autos da ação de internação compulsória proposta por E.P.H. em face de J.P.F., indeferiu a petição inicial e extinguiu o processo sem resolução do mérito por entender incabível a ação de internação sem prévia interdição, bem como por ilegitimidade ativa ad causam.

A apelante, em suas razões de f. 26/35, aduz possuir legitimidade para a causa, na medida em que vive há mais de dois anos em união estável com o apelado, relacionamento este, que originou o filho V.E.F., nascido em 02.06.2012.

Noutro giro, salienta ser cabível a internação compulsória sem prévia interdição, conforme entendimentos jurisprudenciais colacionados.

Dessa forma, requer o provimento do presente recurso a fim de que, reformando a r. sentença, seja admitida a petição inicial. Não obstante, caso se entenda pela sua ilegitimidade, pugna pela emenda da petição inicial para, por via de consequência, substituir o polo ativo com o filho. Sem contrarrazões, até porque não triangularizada a relação processual.

Remetidos os autos à Procuradoria-Geral de Justiça, manifestou-se o eminente Procurador de Justiça Márcio Luís Chila Freyesleben pelo desprovimento do recurso.

É o relatório.

Admissibilidade.

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

Do objeto do recurso.

A questão versada na presente sede recursal consiste em verificar se é cabível a internação compulsória sem prévia interdição, bem como se a suposta companheira teria legitimidade para formular o pedido de internação, e, não tendo, se o seu filho com o requerido teria.

Preliminar.

Não havendo preliminares suscitadas, nem as vendo de ofício, passo ao exame do mérito.

Mérito.

A saúde é direito de todos e dever do Estado, tratando-se de um direito fundamental, nos termos preconizados pelos arts. 6º e 196 da CR/88.

Compulsando os autos, embora ausente o laudo pericial deduzindo a dependência química do apelado, certo é que há pedido de internação formulado pela Psicóloga do Município de Itajubá, às f. 14/16.

Não adentrando a questão de ser ou não o caso de internação do apelado, mas, tão somente, se é possível a internação sem prévia interdição, tenho que o art. 4º, II, do Código Civil preconiza como incapaz de exercer pessoalmente os atos da vida civil os viciados em tóxicos.

Nessa perspectiva, independentemente de procedimento formal de interdição, a ausência de discernimento constitui sua inaptidão para exercer de forma autônoma os atos da vida civil.

A propósito, os arts. 6º e 9º da Lei nº 10.216/2001, a qual regulamenta a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais, estatui a possibilidade de a internação psiquiátrica (compulsória) ser determinada pelo juiz, exigindose, para tanto, a realização de laudo médico circunstanciado que caracterize os motivos da internação.

Daí se depreende inexistir, no ordenamento jurídico pátrio, a exigência de prévia interdição como condição para a internação compulsória, sendo suficiente a constatação em perícia médica de dependência química com a respectiva indicação de tratamento.

Nesse sentido, o entendimento deste egrégio Tribunal de Justiça. Veja-se:

“Ementa: Medida protetiva de internação. Cautelar satisfativa. Ação de interdição. Ajuizamento desnecessário. Provimento do recurso. - A medida protetiva de internação compulsória dispensa o ajuizamento de ação principal de interdição diante do caráter satisfativo da cautelar pleiteada, sob pena de o tratamento de saúde dedicado à enferma ser obstado por prestígio a formalidades que não se coadunam com o previsto no art. 196 da Constituição Federal” (Apelação Cível 1.0324.11.006492-4/001, Rel. Des. Edilson Fernandes, 6ª Câmara Cível, j. em 19.06.2012, publ. da súmula em 29.06.2012).

“Apelação cível. Direito à saúde. Internação compulsória. Indeferimento da petição inicial. Ausência de interdição prévia. Desnecessidade. Medida protetiva à saúde e à integridade física e mental do toxicômaco. Lei nº 10.216/2001. Prosseguimento do feito. Sentença cassada” (Apelação Cível 1.0324.11.009850-0/001, Rel. Des. Audebert Delage, 4ª Câmara Cível, j. em 26.04.2012, publ. da súmula em 14.05.2012).

Portanto, admissível a propositura de internação compulsória sem prévia ação de interdição. Noutra perspectiva, tenho que a apelante não possui legitimidade para formular o pedido de internação do apelado, pois, embora tenha um filho com ele, não existem provas suficientes de que mantêm uma relação de união estável.

Contudo, o pedido de emenda da petição inicial, a fim de ser substituída pelo filho merece albergue, precipuamente tendo em vista os princípios da instrumentalidade e da razoável duração do processo.

Nesse sentido, decidiu o colendo Superior Tribunal de Justiça. In verbis:

“Civil e processual. Recurso especial. Ação indenizatória. Ilegitimidade ativa. Decisão do acórdão determinando a emenda à inicial. Pretensão

da ré de ver decretada a extinção do processo. Descabimento. Art. 284, caput, do CPC. - I. Em certos casos, possível a determinação judicial de emenda à inicial, mesmo após a contestação do réu, se a definição do polo ativo é de convalidação possível, em prestígio ao princípio do aproveitamento dos atos processuais (art. 284, caput, do CPC). - I. Recurso especial não conhecido” (REsp 803.684/PE, Rel. Ministro Aldir Passarinho Junior - Quarta Turma - j. em 18.10.2007 - DJ de 12.11.2007, p. 223).

Igualmente, este egrégio Tribunal de Justiça: “Processual civil. Ilegitimidade ativa de parte. Substituição após a citação. Não anuência do réu. Impossibilidade. - Constatada a ilegitimidade ativa da parte, não há que se falar em substituição processual, mas sim em emenda à petição inicial, a qual, uma vez citada a parte ré, somente é cabível com o seu consentimento” (Apelação Cível 1.0534.06.005129-7/001, Rel. Des. Mota e Silva, 18ª Câmara Cível, j. em 11.08.2009, publ. da súmula em 03.09.2009).

Dessa forma, reconheço a ilegitimidade da apelante E.P.H, e, de outro lado, admito a possibilidade de emenda da petição inicial, substituindo o polo ativo, vale dizer, a ora apelante pelo seu filho com o apelado, a saber, V.E.F.

Conclusão.

Com esteio em tais considerações, dou provimento ao recurso para reformar a r. sentença, determinando o retorno dos autos ao Juízo de origem para regular prosseguimento do feito, inclusive com oportunidade de emenda da petição inicial. Custas recursais, ex lege.

DES. KILDARE CARVALHO - Peço vênia para divergir do eminente Desembargador Relator e, nos termos da fundamentação a seguir, negar provimento ao recurso por entender irretocável o entendimento externado na sentença de f. 18/22.

Cinge-se a controvérsia posta em debate, devolvida à apreciação desta instância revisora, por força do recurso de apelação, em aferir a correção da sentença que, em sede de ação ordinária proposta por E.P.H., visando à internação compulsória de J.P.F., indeferiu a petição inicial e, com fundamento no art. 267, I e IV, do Código de Processo Civil, julgou extinto o processo, sem resolução de mérito.

Pois bem, não obstante não tenha ainda me manifestado sobre o mérito de demandas semelhantes à presente, tenho por irretocável a sentença primeva, porquanto comungo do entendimento de que se apresenta deveras drástica a medida que atenta contra a liberdade individual do ser humano, sobretudo se a incapacidade deste não foi ainda declarada pelo Poder Judiciário.

Não bastasse isso, da leitura dos documentos que instruem o processado, não vejo como enquadrar a hipótese versada no caso aos ditames da Lei nº 10.216/01, que dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental.

Vale dizer, não se tendo notícia acerca da declaração de incapacidade do réu, não vejo como poder atribuir-lhe a condição de "portador de transtorno mental", de modo que a ele se apliquem os ditames da mencionada lei.

Além do mais, não pode passar despercebido o fato de ser controversa a discussão acerca da sujeição dos dependentes químicos de drogas à internação compulsória, ainda mais se considerarmos a possibilidade de o Poder Público fornecer-lhe o devido, necessário e adequado tratamento.

Frise-se: o que a lei invocada pela recorrente para sustentar seu pedido trata é sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais, não sendo esta, contudo, pelos documentos juntados aos autos, a situação do requerido, o qual poderia, em decorrência do acolhimento da pretensão inaugural, ter privada, de forma arbitrária e brusca, a própria liberdade, direito este constitucionalmente assegurado.

Constatada, pois, a hipótese de indeferimento da inicial e consequente extinção do feito, sem resolução do mérito, não vejo também como acolher a pretensão recursal, consistente no retorno dos autos à instância de origem para prosseguimento do feito com a emenda da petição inicial, porquanto não vislumbrado qualquer prejuízo à recorrente, haja vista sua flagrante ilegitimidade ativa.

Feitas essas considerações, renovando venia ao eminente Desembargador Relator, nego provimento ao recurso para manter, assim, intocável a bemlançada sentença de f. 18/22, impondo, ainda, à recorrente o pagamento das custas recursais, observado, contudo, o disposto no art. 12 da Lei nº 1.060/50.

É como voto.

DES.ª ALBERGARIA COSTA - De acordo com o Relator.

Súmula - DERAM PROVIMENTO AO RECURSO, VENCIDO O REVISOR.

 

Fonte: Diário do Judiciário Eletrônico - MG

Publicado em 25/04/2013

Extraído de Recivil

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