“Desinteresse por política ameaça a democracia”

20/06/2012 - 16h27 Especial - Jornal do Senado - Atualizado em 20/06/2012 - 16h39

“Desinteresse por política ameaça a democracia”, diz filósofo francês

Da Redação

O filósofo francês Francis Wolff é um ardoroso defensor da democracia, mas evita o romantismo ao analisar aquele que é tido como fonte e sustentáculo dos regimes democráticos:

— O povo está para a democracia como Don Juan está para as mulheres: a conquista mobiliza toda a sua energia, mas a posse o entendia – costuma observar, em tom bem humorado, aos seus alunos da Escola Normal Superior de Paris.

Autor de livros como Aristóteles e a Política e Dizer o Mundo, Wolff fará nesta quarta-feira (20) a primeira palestra do ciclo de debates Fórum Senado Brasil 2012.

Como se pode notar pela comparação em que remete ao lendário sedutor espanhol, um dos alvos da filosofia de Wolff é o apolitismo. Na opinião do filósofo, o desinteresse dos cidadãos pela política ameaça a democracia, ao fomentar entre outros males a ação do que chama de “políticos profissionais”. Livre de cobranças, esse grupo teria o hábito de aprovar ou impor medidas descoladas das verdadeiras necessidades e desejos dos cidadãos.

- Quando é governado por um tirano, o povo sonha em conquistar o poder. No entanto, ao alcançar a democracia, recusa-se a exercê-lo e abandona a política – lamenta Francis wollf, que classifica o distanciamento entre governantes e governados de “negação da democracia”.

Observador da cena política brasileira desde os anos 1980, quando lecionou na Universidade de São Paulo (USP), o filósofo vê de forma positiva o avanço no Brasil dos mecanismos de fiscalização do poder público por meio da internet.

- Cada país precisa encontrar seus próprios remédios – disse Wolff em entrevista a Ricardo Westin, do Jornal do Senado.

O que é o apolitismo?

O apolitismo é a recusa dos cidadãos, explícita ou implícita, em participar da vida da comunidade política e das escolhas que essa comunidade faz. É o desinteresse pela coisa pública. Na Europa, o apolitismo se manifesta quando o povo vota em grupos populistas e demagógicos (partidos de extrema direita, xenófobos) e quando se abstém em massa das votações. No Brasil, o apolitismo se manifesta quando os cidadãos se afastam dos políticos. Em vez de entrar no território ligado ao poder, os cidadãos se “retiram” para o território individual, familiar, religioso e até esportivo.

Por que o apolitismo é uma ameaça à democracia?

O distanciamento entre os governantes e os governados é a negação da democracia. É possível que o cidadão nem perceba que, quando ele procura “viver em paz”, sem intrometer-se nos temas públicos, a política acaba se tornando um campo exclusivo dos “políticos profissionais”. Como estão distantes do povo, esses políticos tendem a tomar medidas tecnicistas, orientadas por critérios técnicos, sem levar em consideração as opiniões, os interesses e as vontades da população. No dia a dia, o cidadão não se dá conta disso. Só percebe quando os políticos baixam alguma medida que realmente o prejudica.

O apolitismo pode levar à ditadura?

A possibilidade existe. O apolitismo cria “políticos profissionais”, políticos que não distinguem entre público e privado, políticos corruptos. Isso, por sua vez, estimula partidos populistas e demagógicos a espalhar a ideia de que todos os governantes são corruptos e que é preciso “limpar” a política. Com tais argumentos, podem instaurar a ditadura.

O que leva os cidadãos a recusar a vida política?

O individualismo. Trata-se de um paradoxo, porque o individualismo é uma conquista feliz da democracia e, ao mesmo tempo, sua principal ameaça. A democracia deixa as pessoas livres para realizar, sozinhas, seus objetivos de vida. Mas, justamente por conseguirem preencher suas necessidades sem depender de outras pessoas, elas se preocupam menos com o grupo e se afastam da política — o que abre espaço para os “políticos profissionais”.

De que forma se combate o apolitismo?

Não se trata de obrigar as pessoas a fazer política. Repito: o individualismo é uma das maiores conquistas da democracia. Trata-se de encontrar meios educacionais e institucionais que preencham a distância entre a comunidade e o poder. Pode-se reduzir o apolitismo por meio da educação para a cidadania, nas escolas, e por meio de campanhas. Há também soluções políticas, maneiras institucionais de melhorar o funcionamento da democracia. Para reduzir os votos brancos nas eleições, por exemplo, a Sérvia recentemente decidiu que, quando a porcentagem desse tipo de voto atingir certo patamar, nenhum candidato pode ser eleito. No caso do Brasil, boas medidas são a prestação pública de contas de políticos e governantes, o acesso dos cidadãos pela internet à informação pública e a divulgação de indicadores que permitam comparar gestores públicos. Cada país precisa encontrar seus próprios remédios.

Quando fala do apolitismo, o senhor costuma fazer uma comparação com o personagem Don Juan.

Os momentos em que um povo é mais politizado são os períodos de transição, como o que o Brasil viveu nos anos 1980 e o que certos povos árabes viveram no ano passado. Mas, quando finalmente conquista a democracia, o povo tende a desinteressar-se da política. Eis outro paradoxo. O interesse do povo é conquistar o poder, e não exercê-lo. O povo execra os tiranos, aqueles que exercem o poder contra ele, mas tem horror de exercê-lo ele mesmo. Usa sua liberdade para não ocupar esse lugar. É por isso que digo que o povo está para a democracia assim como Don Juan está para as mulheres: a conquista mobiliza toda a sua energia, mas a posse o entendia.

O senhor viveu no Brasil nos anos 1980. Do que mais se lembra?

Eu tive a sorte de morar no Brasil entre 1980 e 1984. Peguei desde a Lei da Anistia, no governo Figueiredo, até as grandes manifestações das Diretas Já. No meu voo de Paris para São Paulo, voltavam para o Brasil os últimos intelectuais exilados. Foi a época da minha vida em que mais aprendi do ponto de vista político. Eu sempre escutava que “um povo sem passado nem cultura democrática não está maduro para a democracia”. No Brasil, aprendi que isso é bobagem, pura bobagem. O povo brasileiro conseguiu fazer uma transição democrática exemplar, que até agora está absolutamente fiel aos seus objetivos.

 

Agência Senado

 

Notícias

Lacunas e desafios jurídicos da herança digital

OPINIÃO Lacunas e desafios jurídicos da herança digital Sandro Schulze 23 de abril de 2024, 21h41 A transferência de milhas aéreas após a morte do titular também é uma questão complexa. Alguns programas de milhagens já estabelecem, desde logo, a extinção da conta após o falecimento do titular, não...

TJMG. Jurisprudência. Divórcio. Comunhão universal. Prova.

TJMG. Jurisprudência. Divórcio. Comunhão universal. Prova. APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE DIVÓRCIO - COMUNHÃO UNIVERSAL DE BENS - PARTILHA - VEÍCULO - USUCAPIÃO FAMILIAR - ÔNUS DA PROVA - O casamento pelo regime da comunhão universal de bens importa na comunicação de todos os bens presentes e futuros...

Reforma do Código Civil exclui cônjuges da lista de herdeiros necessários

REPARTINDO BENS Reforma do Código Civil exclui cônjuges da lista de herdeiros necessários José Higídio 19 de abril de 2024, 8h52 Russomanno ressalta que, além da herança legítima, também existe a disponível, correspondente à outra metade do patrimônio. A pessoa pode dispor dessa parte dos bens da...

Juiz determina que valor da venda de bem de família é impenhorável

Juiz determina que valor da venda de bem de família é impenhorável Magistrado considerou intenção da família de utilizar o dinheiro recebido para adquirir nova moradia. Da Redação terça-feira, 16 de abril de 2024 Atualizado às 17:41 "Os valores decorrentes da alienação de bem de família também são...

Cônjuge não responde por dívida trabalhista contraída antes do casamento

CADA UM POR SI Cônjuge não responde por dívida trabalhista contraída antes do casamento 15 de abril de 2024, 7h41 Para o colegiado, não se verifica dívida contraída em benefício do núcleo familiar, que obrigaria a utilização de bens comuns e particulares para saná-la. O motivo é o casamento ter...

Atos jurídicos e assinatura eletrônica na reforma do Código Civil

OPINIÃO Atos jurídicos e assinatura eletrônica na reforma do Código Civil Ricardo Campos Maria Gabriela Grings 12 de abril de 2024, 6h03 No Brasil, a matéria encontra-se regulada desde o início do século. A Medida Provisória 2.200-2, de 24 de agosto de 2001, estabeleceu a Infraestrutura de Chaves...