Ação Reivindicatória - Ocupação injusta do imóvel pelo réu

Ação Reivindicatória - Ocupação injusta do imóvel pelo réu - Obrigação de pagar aluguéis aos autores a título de indenização - Recurso desprovido  

- Sendo evidente que os autores não puderam entrar na posse do imóvel por eles adquirido após a lavratura da escritura pública de compra e venda de f. 20-22 e não havendo dúvida do caráter injusto da posse exercida pelo réu, é inafastável a conclusão no sentido de que aqueles têm o direito de receber deste os "frutos" (aluguéis), a título de fruição do imóvel.

Recurso desprovido.

Apelação Cível nº 1.0083.12.000877-2/001 - Comarca de Borda da Mata - Apelante: Fábio Vergílio dos Santos - Apelados: Nazareno Aparecido Gonçalves Pereira e outro, Teresinha dos Santos Pereira

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, a 17ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em negar provimento ao recurso.

Belo Horizonte, 3 de abril de 2014. - Eduardo Mariné da Cunha - Relator.

NOTAS TAQUIGRÁFICAS

DES. EDUARDO MARINÉ DA CUNHA - Trata-se de recurso de apelação interposto por Fábio Vergílio dos Santos, em face da sentença proferida pelo MM. Juiz a quo, da Vara Única da Comarca de Borda da Mata, que, nos autos da ação reivindicatória c/c perdas e danos movida por Nazareno Aparecido Gonçalves Pereira, julgou parcialmente procedentes os pedidos iniciais, para:

"1) tornar definitiva a decisão que concedeu parcialmente os efeitos da tutela, a fim de restituir aos autores a posse do imóvel reivindicado;

2) condenar os autores ao pagamento dos valores discriminados na inicial pela fruição do imóvel e despesas pagas pelos autores (débitos discriminados nos carnês de IPTU, água e luz), destas excluindo-se valores anteriores ao ano de 2003".

Insurgiu-se o apelante contra a sua condenação ao pagamento de indenização, a título de fruição do imóvel, ao argumento de que sua posse, a princípio, estava amparada em contrato de compra e venda, acrescentando que, tão logo foi deferido o pedido de antecipação de tutela nos presentes autos, foi demitido da posse do bem.

Contrarrazões às f. 146-152.

Conheço do recurso, presentes os pressupostos legais de sua admissibilidade.

De início, vale esclarecer que o requerido não se insurgiu contra a procedência do pleito reivindicatório, tampouco contra a sua condenação ao ressarcimento dos valores atinentes ao IPTU e faturas de consumo de água e energia elétrica quitadas pelos autores, razão pela qual, quanto a esses tópicos, a r. sentença de primeiro grau, por assim dizer, transitou em julgado.

Quanto à condenação do réu ao pagamento de aluguéis em favor dos autores, algumas considerações se fazem necessárias.

Sendo evidente que os requerentes não puderam entrar na posse do imóvel por eles adquirido, após a lavratura da escritura pública de compra e venda de f. 20/22, e não havendo dúvida do caráter injusto da posse exercida pelo requerido, é inafastável a conclusão no sentido de que aqueles têm direito de receber deste os "frutos" (aluguéis), a título de fruição do imóvel.

Em caso semelhante ao dos autos, já decidiu o colendo Superior Tribunal de Justiça:

"Civil. Ação reivindicatória. Procedência. Imóvel. Lucros cessantes. Ocorrência. I - Demonstrada a ilegalidade da privação da posse de imóvel, presume-se a ocorrência de lucros cessantes em favor do seu proprietário, correspondentes aos aluguéis que deixou de auferir no período. II - Sendo fato extintivo do direito do autor, caberia ao réu provar a existência de circunstância que impediria a locação do bem por seu proprietário. III - Na hipótese, a contestação silenciou-se acerca do pedido de lucros cessantes, caracterizando-se a presunção de veracidade dos fatos alegados na exordial. Recurso provido" (STJ, REsp nº 214.668/SP, Rel. Ministro Castro Filho, Terceira Turma, j. em 19.09.2006, DJ de 23.10.2006, p. 294).

Não destoa a jurisprudência desta Corte:

``Apelação cível. Ação reivindicatória c/c cobrança. Rescisão de contrato de arrendamento e prestação de serviços. Notificações extrajudiciais. Propriedade comprovada. Posse injusta. Demonstrada. Aluguéis. Devidos. Recurso provido. - Se o autor individualizou a área reivindicada, provou sua propriedade, bem como a posse injusta do réu sobre o bem litigioso, impõe-se a procedência da ação reivindicatória, nos termos do art. 1.228 do Código Civil. - É devido o pagamento de valor fixado a título de fruição do imóvel ao proprietário, se o réu se utilizou do bem após o término da relação contratual, sob pena de enriquecimento sem causa. - O termo inicial para incidência do aluguel é a data em que se deu a posse injusta (Apelação Cível 1.0699.04.042423-5/001, Rel. Des. Amorim Siqueira, 9ª Câmara Cível, j. em 04.02.2014, publicação da súmula em 24.02.2014).

"Apelação cível. Ação reivindicatória. Requisitos presentes. Indenização pela fruição do bem. Possibilidade. Procedência do pedido. I - A ação reivindicatória compete ao proprietário não possuidor da coisa para reavê-la do poder de terceiro, possuidor não proprietário, que injustamente a detém. II - É de se julgar procedente a ação reivindicatória quando o autor consegue demonstrar o preenchimento dos requisitos legais, consubstanciados na completa individualização da área reivindicada, prova da propriedade através do registro do imóvel, bem como a posse injusta do réu sobre o bem litigioso. III - Por derradeiro, é devido o pagamento do aluguel correspondente, em virtude da fruição do bem, ao tempo em que o réu deteve a sua posse, evitando o enriquecimento sem causa" (Apelação Cível 1.0672.08.307626-1/001, Rel. Des. Alberto Henrique, 13ª Câmara Cível, j. em 24.02.2011, publicação da súmula em 15.03.2011).

Vale destacar que posse injusta é simplesmente aquela que se contrapõe ao domínio do autor, que é inconteste.

A alegação do apelante de que sua posse se encontrava amparada em contrato de compra e venda não merece prosperar, uma vez que este já havia sido rescindido antes mesmo da lavratura da escritura pública de compra e venda de f. 20-22, que alicerçou a pretensão inicial.

Acerca da posse injusta, como requisito da ação reivindicatória, destacam-se os ensinamentos de Humberto Theodoro Júnior (Propriedade e direitos reais limitados - direitos reais II. Rio de Janeiro: Aide, p. 91):

"[...] o conceito de posse injusta, para efeito de ação reivindicatória, não é o mesmo que prevalece para os interditos possessórios. No campo da tutela interdital, qualquer posse merece proteção, desde que não violenta, clandestina nem precária. No âmbito, porém, da ação dominial por excelência, que é a reivindicatória, fundada no art. 524 do Código Civil, injusta é qualquer posse que contrarie o domínio do autor" (grifei).

Confiram-se, ainda, as lições de Francisco Eduardo Loureiro, calcadas na jurisprudência que cita:

"Jurisprudência: ação reivindicatória. Posse injusta. - A posse injusta, na reivindicatória, não é a violenta, clandestina ou precária aludida no art. 489 do Código Civil, mas aquela que se contrapõe ao direito de propriedade, a não ser que se trate de posse ad usucapionem (TJPR, Proc. n. 013.128.800, 3ª Câm. Cível, Rel. Nunes do Nascimento, j. em 02.10.1990).

A ação reivindicatória é o instrumento processual adequado para o proprietário reaver os seus bens do poder de quem, injustamente, os possua (art. 523 do CPC), ou, na feliz expressão do Ministro Márcio Guimarães, "ação reivindicatória é a que compete ao proprietário que não tem a posse contra o possuidor que não tem o domínio, para que se reúna numa só pessoa posse e domínio" (Estudos de direito civil, p. 128). A posse injusta, a que se refere o art. 524, do Código Civil, é a que se insurge contra o direito de propriedade, estabelecendo uma luta entre ela, ainda que ad interdicta, e o domínio (TJPR, Proc. nº 145.081.900, 5ª Câm. Cível, Rel. Clayton Camargo, j. em 11.11.2003) (RTJ 99/804)" (destaquei) (ob. cit., p. 1.164).

Bem de ver-se, ainda, que não seria crível afastar a condenação do réu ao pagamento do valor atinente à fruição do imóvel, o que atentaria contra o princípio do direito que veda o enriquecimento sem causa, uma vez que restou comprovado nos autos, repita-se, que os autores adquiriram o imóvel em 2009 e que, desde então, ficaram privados de sua posse, uso e gozo, tendo intentado, inclusive, ação de manutenção de posse contra o réu, cujo recurso de apelação foi julgado por esta Corte, que somente não reconheceu sua pretensão em razão da ausência dos requisitos para o ajuizamento daquela demanda. Vejamos:

"[...]

Pois bem. Segundo se verifica dos documentos de f. 52/56, do apenso, o réu, ora apelante principal, celebrou com Pedro Mendes de Andrade e Lúcia Costa de Andrade, em 29.05.2003, contrato particular de compra e venda, tendo por objeto o imóvel mencionado na inicial, então de propriedade destes últimos, cuja posse foi imediatamente transferida àquele, conforme cláusula `da entrega das chaves:

¡®Neste ato está ciente o comprador de que a parte inferior do imóvel encontra-se locada e que somente será desocupada em 10.08.03, pelo locatário, contudo a parte superior desde já está devidamente à disposição do comprador. Afirmando ainda os vendedores que existe um documento escrito, em que o locatário abre mão da preferência de compra do imóvel (f. 55) (grifamos).

Tendo o apelante principal se tornado inadimplente em relação à sua obrigação de pagamento das parcelas do preço, os promitentes vendedores (Pedro Mendes de Andrade e Lúcia Costa de Andrade) ajuizaram a Ação de Rescisão Contratual nº 0016.05.044628-1 (petição inicial coligida às f. 38/44), no bojo da qual as partes celebraram acordo, ajustando nova forma de pagamento (f. 141/142 do apenso).

Descumprido o acordo pelo ora apelante principal, os alienantes Pedro Mendes de Andrade e Lúcia Costa de Andrade aviaram execução de sentença (f. 143/144 do apenso), tendo sido penhorado o imóvel mencionado na inicial, conforme auto de f. 193, do apenso. Na ocasião, o primeiro exequente, Pedro Mendes de Andrade, foi nomeado depositário judicial, consoante documentos de f. 196/198.

E, ainda que destituída de animus domini, não há dúvida de que o depositário, a quem compete a guarda e conservação do bem (CPC, art. 148), passou a exercer posse sobre o imóvel.

Noticiado o falecimento do exequente e depositário (f. 219 do apenso), foi procedida a substituição processual por suas filhas, Patrícia Costa Andrade Faciulli, Germana Costa Andrade Regitano e Sabrina Costa Andrade Vieira (f. 223/240 e 293, autos em apenso).

Certo é que as exequentes acabaram por adjudicar o imóvel (f. 319 e 326 do apenso) e, posteriormente, o alienaram aos ora apelados, pelo preço de R$145.000,00, conforme escritura pública de compra e venda de f. 11/13.

Embora seja indubitável que os apelados, Nazareno Aparecido Gonçalves e sua esposa, Teresinha dos Santos Pereira, tenham adquirido a propriedade do imóvel, não há prova do exercício da posse.

[...]

Como visto, a posse anterior não foi demonstrada pelos apelados, Nazareno Aparecido Gonçalves e Teresinha dos Santos Pereira. Sopesando todos os elementos de prova constantes dos autos, chego à conclusão de que os apelados, embora tenham adquirido a propriedade do imóvel da viúva e das filhas do Sr. Pedro Mendes de Andrade - as quais, por sua vez, o haviam adjudicado em ação de execução movida em desfavor do apelante, Fábio Vergílio dos Santos - não chegaram a tomar posse do imóvel, o qual, ao contrário, encontra-se ocupado por este último, desde meados de 2003, quando foi celebrado o contrato particular de compra e venda coligido às f. 52/56 dos autos em apenso.

Vale ressaltar que o fato de os apelados terem adquirido o domínio do imóvel se mostra irrelevante, uma vez que, na ação de manutenção de posse, não é dado debater acerca da propriedade do imóvel sub judice. A esse respeito, confiram-se as palavras de Carlos Alberto Gonçalves:

`A doutrina e a legislação têm buscado, ao longo dos anos, a separação entre o possessório e o petitório. A teor dessa concepção, no juízo possessório, não adianta alegar o domínio, porque só se discute posse. Por outro lado, no juízo petitório, a discussão versa sobre o domínio, sendo secundária a questão daquela.

[...]

Com o advento do Código Civil de 2002 ficou evidenciada, de modo irrefragável, a referida extinção [extinção da exceção do domínio em nosso sistema], pois esse diploma não contempla a possibilidade de se arguir a exceptio proprietatis, limitando-se a proclamar, no art. 1.210, § 2º: Não obsta à manutenção ou reintegração na posse a alegação de propriedade, ou de outro direito sobre a coisa (Direito civil brasileiro. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, v. V, Direito das coisas, p. 122-123).

A nosso aviso, a pretensão dos apelados - que adquiriram o domínio, mas não a posse - deveria ser exercida através de ação dominial (reivindicatória ou imissão de posse), de natureza petitória, fundada no jus possidendi" (Apelação Cível nº 1.0083.09.014589-3/006).

Diante do exposto, mostrou-se escorreita a sentença, no tópico em que condenou o réu ao pagamento de indenização, a título de fruição do imóvel.

Com tais razões de decidir, nego provimento ao recurso, mantendo inalterada a sentença.

Votaram de acordo com o Relator os Desembargadores Luciano Pinto e Márcia De Paoli Balbino.

Súmula - RECURSO DESPROVIDO.

 




Data: 06/06/2014 - 10:36:59   Fonte: Diário do Judiciário Eletrônico - 05/06/2014 
Extraído de Sinoreg/MG

 

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