Contratos de namoro qualificado, namoro qualificado e união estável

Postado em 08 de Novembro de 2018 - 15:31

Contratos de namoro qualificado, namoro qualificado e união estável

Por conta do entendimento de que o núcleo de afeto permite o reconhecimento de uma união familiar, pessoas tem, de modo cada vez mais frequente entabulado contratos de namoro, de namoro qualificado e de união estável.

Fonte: Júlio César Ballerini Silva

Muitos de meus alunos já ouviram minha expressão no sentido de que o mundo seria um lugar perigoso para se viver e isso se lança diante do enorme risco de judicialização de tudo na sociedade moderna – o risco de alguém ser processado é enorme. Por conta do entendimento de que o núcleo de afeto permite o reconhecimento de uma união familiar, pessoas tem, de modo cada vez mais frequente entabulado contratos de namoro, de namoro qualificado e de união estável.
Como o Brasil é um celeiro de operadores do direito, com grande número de faculdades, lançando muitos profissionais no mercado, semestre a semestre, a potencialidade do aumento de número de demandas acompanha este ritmo, eis que a possibilidade do cidadão comum conhecer alguém com formação jurídica e saber da potencialidade de demandar é muito grande, o que talvez explique o dado da pesquisa do CNJ do ano passado, dando conta de um novo processo a cada cinco segundos no país.

Nesse contexto, se faz excepcionalmente necessário, o conhecimento da técnica material e processual, eis que, pequenas atitudes ou comportamentos podem alterar substancialmente o alcance das consequências de uma dada relação jurídica, não saber de detalhes pode ser curial para ser lançado em demandas ruinosas.

Há vários tipos de família reconhecidos no direito brasileiro, desde há muito que não nos atemos apenas e tão somente aos modelos de família formal e matrimonial (opção lícita e legítima para aqueles que tenham um viés mais conservador e, sobretudo, as pessoas afeitas ao cumprimento de regras religiosas – sabe-se que o Estado é laico, mas simplesmente não se pode negar a validade de regras que prestigiem o fenômeno cultural religião – a própria Constituição prestigia o direito de liberdade religiosa, diga-se de passagem).

Pelo óbvio que a família matrimonial pode ser uma opção também para os não conservadores ou mesmo para ateus, é uma questão de opção, simplesmente. Mas, a par da existência de famílias formais (com a ideia de um vínculo matrimonial e formação de uma sociedade conjugal com seus direitos e deveres), o direito tutela, na mesma medida, a família informal.

Numa visão do início da formulação técnica do conceito de união estável, o que se observava seria o fenômeno de se separar a união estável da relação de concubinato, pelo simples fato de que, na primeira, não haveria impedimento para o casamento, situação evidenciada no segundo caso.

Vem daí a ideia de que a concubina, conceito a que se agregou carga ideológica negativa, seria a “amante” (ou o concubino seria o “amante”), eis que como estaria se relacionando com pessoa já casada, havendo impedimento para que se casasse, a união havida entre eles não seria passível de tutela para o direito, eis que haveria uma ideia de família monogâmica (a previsão do artigo 226 CF com referência à união de um homem com uma mulher).

Quando não havia impedimento para o casamento, por exemplo, duas pessoas solteiras, que poderiam se casar, se o quisessem, não haveria uma mácula ao conceito de família informal, vindo, daí, a ideia de ser possível uma união estável, diversa da situação de um concubinato.

No entanto, nem tudo é tão simples assim, eis que a legislação civil estabelece que o separado de fato (pessoa formalmente casada) poderia constituir união estável – vindo daí questionamentos no sentido de que a união estável não seria tão fácil, assim, de se separar de uma união concubinária, apenas e tão somente por conta do requisito impedimento matrimonial.

O foco deve ser colocado na função, ou não, de se constituir família – isso tornará uma pessoa formalmente casada e impedida de se casar novamente, mas separada de fato, em companheiro em união estável.

Observe-se a ênfase que se dá, no texto legal, em sua parte final no sentido de que: "é reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família".

Parte-se, portanto, desse marco diferencial seria a intenção, ou não, de se constituir família (artigo 1.723 CC – parte final) – se houve intenção haverá união estável, hetero ou homoafetiva.

Se não houve tal intenção, o caso poderá ser de um namoro ou de um namoro qualificado. Namoro qualificado seria a figura criada pelo Superior Tribunal de Justiça, por sua 4ª Turma, para designar situações em que os namorados moram sob um mesmo teto, mas continuam sem a intenção de constituir família (em recurso cujo número não se informa para preservar o sigilo de Justiça, mas que se encontra disponível  em https://www.stj.jus.br/sites/STJ/default/pt_BR/noticias/noticias/Destaques/Conviv%C3%AAncia-com-expectativa-de-formar-fam%C3%ADlia-no-futuro-n%C3%A3o-configura-uni%C3%A3o-est%C3%A1vel>. Acesso em: 14 mar. 2015).

Nesse mesmo sentido a orientação lançada como premissa número 2, da edição 50 da ferramenta Jurisprudência em Teses, do STJ, dedicada à união estável:

"A coabitação não é elemento indispensável à caracterização da união estável" (precedentes citados: STJ, Ag. Rg. no AREsp 649.786/GO, Rel. ministro Marco Aurélio Bellizze, 3ª Turma, julgado em 4/8/2015, DJE 18/8/2015; Ag. Rg. no AREsp 223.319/RS, Rel. ministro Sidnei Beneti, 3ª Turma, julgado em 18/12/2012, DJE4/2/2013; Ag. Rg. no AREsp 59.256/SP, Rel. ministro Massami Uyeda, 3ª Turma, julgado em 18/9/2012, DJE 4/10/2012; Ag. Rg. nos EDcl. no REsp 805265/AL, Rel. ministro Vasco Della Giustina (desembargador convocado do TJ/RS), 3ª Turma, julgado em 14/9/2010, DJE 21/9/2010, REsp 1.096.324/RS, Rel. ministro Honildo Amaral de Mello Castro (desembargador convocado do TJ/AP), 4ª Turma, julgado em 2/3/2010, DJE 10/5/2010, e REsp 275.839/SP, Rel. ministro Ari Pargendler, Rel. p/ Acórdão ministra Nancy Andrighi, 3ª Turma, julgado em 2/10/2008, DJE 23/10/2008).

De fato, morar ou não, debaixo de um mesmo teto, inclusive, não seria elemento necessário nem mesmo para uma família formal, matrimonial, mais tradicionalista e conservadora (são muitos casais, por exemplo, que trabalham em cidades distintas e se encontram apenas em finais de semana e feriados). Não faria sentido exigir isso em uma união que, por definição, seria considerada família informal. Essas pequenas questões geram muitas dúvidas nos estudantes e concurseiros de um modo geral.

Portanto, fique atento, não basta morar sob um mesmo teto para que se presuma a intenção de constituir família e haver união estável. Isso explica o número cada vez maior de contratos de namoro para evitar disputas sobretudo patrimoniais em caso de fim de relacionamento.

Isso porque, em se cuidando de pessoas maiores e capazes, dispondo sobre direitos patrimoniais, o que for ajustado em relação ao patrimônio prevalecerá, independentemente de ter havido, ou não, concurso para a construção de algum bem, em situação reiterada pela jurisprudência do mesmo STJ neste ano.

De todo modo, com relação a direitos existenciais, por exemplo, direito de obter pensão alimentícia (direito de personalidade de integridade física, na tradicional classificação de Rubens Limongi França), o acordo não produzirá efeito, eis que aí há limites de ordem pública que não são aptos a atingirem os direitos patrimoniais, sobre os quais, reitere-se, a disposição será livre..

Autor: Júlio César Ballerini Silva é magistrado e professor coordenador nacional do curso de pós graduação em Direito Civil e Processo Civil da Escola Superior de Direito – ESD Proordem Campinas e da pós graduação em Direito Médico da Vida Marketing Formação em Saúde.

Fonte: Jornal Jurid

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