Interesse do menor não pode ser invocado para justificar adoção irregular sem consentimento dos pais

DECISÃO
18/01/2019 06:56

Interesse do menor não pode ser invocado para justificar adoção irregular sem consentimento dos pais

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu provimento a um recurso para julgar improcedente o pedido de guarda formulado por casal que manteve irregularmente uma criança por mais de sete anos e determinou sua entrega imediata aos pais biológicos. O colegiado considerou que o argumento do melhor interesse do menor não justifica a guarda em caso de desrespeito a acordos e ordens judiciais.
 
Segundo o processo, a menor, logo após o nascimento, foi levada do hospital sem a autorização dos pais por um tio paterno que, agindo em conluio com o conselho tutelar local, entregou-a a um casal – o qual figura como recorrido no recurso especial julgado pelo STJ. Tudo foi feito sob a justificativa de que os pais seriam andarilhos e usuários de drogas, e a entrega da criança a outro casal evitaria o risco de ela acabar em um abrigo.
 
O tribunal de segunda instância deu a guarda da criança ao casal que a adotou informalmente, considerando que a situação consolidada por longo período de tempo gerou um vínculo afetivo caracterizador de relação paterno-filial, cujo rompimento ofenderia o princípio do melhor interesse do menor.
 
A relatora do caso no STJ, ministra Nancy Andrighi, disse que os pais biológicos rapidamente se restabeleceram, tornando-se aptos a cuidar da filha, e não há nos autos nenhuma informação que os desabone ou autorize que sejam destituídos. Ela destacou que a situação foi estabelecida sobre bases insustentáveis, causando graves prejuízos à criança e aos pais biológicos.
 
“Eles não puderam acompanhar os primeiros olhares, as primeiras palavras e os primeiros passos. E perderam todos esses momentos não porque quiseram, mas porque foram reiteradamente tolhidos de querer e, consequentemente, foram tolhidos de amar em sua plenitude, embora os seus comprovados esforços demonstrem que nunca desistiram de ser pais”, afirmou.
 
Situação artificial
 
Segundo a ministra, não se pode compactuar com algo artificialmente desenvolvido sobre o “terreno pantanoso das inverdades”.
 
“A ruptura entre o que se afirma ser e o que efetivamente é, normalmente, é dolorosa, mas, ainda assim, será sempre mais benéfica do que o mais simples e doce sofisma, pois amor sem liberdade não é amor, mas sim mera posse, quando não indevido cárcere”, acrescentou.
 
Nancy Andrighi disse que a decisão de negar o pedido de guarda não é a desconstrução de um vínculo, mas, sim, o fim de uma fraude que perdura por mais de sete anos para que a verdade seja restabelecida.
 
A relatora destacou que a situação analisada não tem semelhança com os casos de adoção à brasileira julgados pelo STJ, que algumas vezes permitem a flexibilização da regra da adoção. Segundo ela, o princípio do melhor interesse do menor não pode e não deve ser interpretado como uma espécie de metanorma que a tudo serve e tudo resolve.
 
“A aplicação do princípio do melhor interesse do menor se relaciona, mais adequadamente, às situações de lacuna legal ou, especialmente, à solução de conflitos entre regras jurídicas potencialmente antinômicas, servindo, como leciona Robert Alexy, como um mandamento de otimização que ordena que algo seja realizado na maior medida possível.”
 
De acordo com a ministra, o princípio do melhor interesse do menor deve ser lido não apenas sob a perspectiva do que eventualmente ganhou na relação estabelecida com os adotantes, mas, também e principalmente, sob a ótica daquilo que a menor deixou de ganhar ao ser repentinamente arrebatada de sua família biológica.
 
Sucessivas manobras
 
Nancy Andrighi destacou que o casal recorrido efetuou sucessivas manobras para não cumprir o acordo para devolver a criança, inclusive ocultando-a durante a tentativa de cumprimento de ordem de busca e apreensão até a obtenção de uma liminar para permanecer com a guarda provisória.
 
“Os atos praticados pelos recorridos são muito graves, pois dizem respeito à efetiva participação, ou ao menos a conivência, com a retirada irregular de uma recém-nascida de um hospital, contrariamente aos interesses de seus pais biológicos, somada a uma manobra processual consistente em celebrar um compromisso de entrega da criança, sucedido por um recurso contra a decisão homologatória do acordo e posterior ocultação da menor por ocasião da busca e apreensão determinada judicialmente”, declarou a relatora.
 
O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.
 
Superior Tribunal de Justiça (STJ)

 

Notícias

Proposta de alteração no Código Civil não muda status jurídico dos animais

SERES COISIFICADOS Proposta de alteração no Código Civil não muda status jurídico dos animais José Higídio 26 de março de 2024, 8h51 De acordo com a proposta da relatoria-geral, “os animais, objetos de direito, são seres vivos sencientes e passíveis de proteção jurídica própria, em virtude da sua...

Como fica a divisão dos bens em uma separação?

Como fica a divisão dos bens em uma separação? Francisco Gomes Júnior Antes de casar ou unir-se, defina o regime de bens e faça acordos antenupciais para evitar disputas na separação. segunda-feira, 25 de março de 2024 Atualizado às 07:58 Ultimamente, com a notícia de diversos casos de famosos...

Casamento em cartório oficializa amor entre mulheres

Casamento em cartório oficializa amor entre mulheres 22 de março de 2024 - Notícias CNJ / Agência CNJ de Notícias Contar com a segurança do “papel passado” para oficializar a união levou um casal de mulheres a tomar a decisão mais importante em pouco mais de dois anos de vida em comum: casar...

Você sabia que precatório de credor falecido é herança?

Você sabia que precatório de credor falecido é herança? Laís Bianchi Bueno Os precatórios são dívidas governamentais decorrentes de várias situações. Após o falecimento do titular, são automaticamente transmitidos aos herdeiros de acordo com o Código Civil. quarta-feira, 20 de março de...

Imóvel de família pode ser penhorado para pagamento da própria reforma

PENHORABILIDADE RETROALIMENTANTE Imóvel de família pode ser penhorado para pagamento da própria reforma Danilo Vital 19 de março de 2024, 14h33 Essa exceção está no artigo 3º, inciso II, da mesma lei. A lógica é impedir que essa garantia legal seja deturpada como artifício para viabilizar a reforma...

Modernidade e sucessão: como funciona a herança digital

OPINIÃO Modernidade e sucessão: como funciona a herança digital Rodrigo Chanes Marcogni 18 de março de 2024, 18h23 Obviamente que temos que considerar aqui que ao estabelecerem suas regras e políticas de uso as empresas que hospedam as redes sociais o fazem imbuídas no princípio constitucional do...