AÇÃO DE RETIFICAÇÃO DE REGISTRO - ADOÇÃO - MODIFICAÇÃO DO REGISTRO E DO LOCAL DE NASCIMENTO DO MENOR

AÇÃO DE RETIFICAÇÃO DE REGISTRO - ADOÇÃO - ART. 47 DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE - MODIFICAÇÃO DO REGISTRO E DO LOCAL DE NASCIMENTO DO MENOR - DESCONSTITUIÇÃO DO VÍNCULO DE PARENTESCO ANTERIOR

- Havendo, com a adoção, o rompimento do vínculo de parentesco com a família de origem, desaparecendo as ligações anteriores da criança, não há empecilhos para a modificação do município de nascimento do menor, nos termos do art. 47 do ECA, o que privilegia o seu interesse, preservando-o de qualquer tipo de constrangimento, estando em consonância com a finalidade precípua do instituto da adoção.

Apelação Cível nº 1.0024.11.329937-4/001 - Comarca de Belo Horizonte - Apelante: C.B.V. representado p/ pais C.M.G.B. e F.A.M.V. - Relatora: Des.ª Teresa Cristina da Cunha Peixoto

A C Ó R D Ã O

Vistos etc., acorda, em Turma, a 8ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, à unanimidade, em dar provimento ao recurso.

Belo Horizonte, 6 de setembro de 2012. - Teresa Cristina da Cunha Peixoto - Relatora.

N O T A S T A Q U I G R Á F I C A S

DES.ª TERESA CRISTINA DA CUNHA PEIXOTO - Conheço do recurso, reunidos os pressupostos de sua admissibilidade.

Trata-se de "Ação de Retificação de Registro Civil" ajuizada por C.B.V., menor púbere, representado pelos pais F.A.M.V. e C.M.G.B., afirmando que foi adotado na cidade de Guarapari - ES, mas, desde o primeiro dia de nascido, veio morar em Belo Horizonte, na residência dos pais, sendo que, "em decorrência do processo de adoção, foi expedida nova certidão de nascimento, em 31.08.2010", na qual consta como cidade de nascimento Guarapari, autorizando o art. 47, § 3º, do Estatuto da Criança e do Adolescente, contudo, a modificação do registro, requerendo a procedência do pedido para determinar assentamento de novo registro da criança "no ofício do 1º Registro Civil das Pessoas Naturais [...], alterando tão somente o local de nascimento do menor para a cidade de Belo Horizonte".

O MM. Juiz singular julgou parcialmente procedente o pedido "para determinar [...] que se proceda à lavratura do novo registro nesta Capital, no Cartório de Registro Civil da Comarca de Belo Horizonte [...], mantendo, no entanto, o local de nascimento como sendo Guarapari - ES", com a comunicação a esta Comarca para fins de cancelamento do registro realizado em 31.08.2010 (f. 42/46), consignando que "a mudança do local de nascimento, antes de ser um gesto de amor e respeito à dignidade das pessoas, sempre será um elemento a mais para ajudar a sonegar ao autor a sua condição de ter sido livremente escolhido para preencher a lacuna existente na família do casal, transformando-se em filho do coração".

Inconformado, apelou o autor (f. 66), sustentando resumidamente que "a alteração visa proteger os interesses do menor", alegando que "não têm desejo de esconder do apelante sua origem. Esclarecerão, a tempo e modo, sua condição de filho do coração, porém questionamentos que possam surgir na infância acerca de sua naturalidade poderão afetar este processo, que deve ser construído respeitando o desenvolvimento do apelante", pleiteando o provimento do recurso.

Parecer da douta Procuradoria-Geral de Justiça no sentido do desprovimento do recurso (f. 76/77).

Revelam os autos que C.B.V., representado pelos pais F.A.M.V. e C.M.G.B., ajuizou "Ação de Retificação de Registro Civil", pretendendo novo assentamento de seu registro no Cartório de Belo Horizonte, com a modificação da cidade do seu nascimento, pedido julgado parcialmente procedente pelo Magistrado singular, motivando a presente irresignação.

Nesse mister, é certo que os registros públicos visam espelhar a realidade dos dados no momento em que são realizados, estipulando o art. 54 da Lei nº 6.015/73 que a certidão de nascimento deverá conter, dentre outras informações, o dia, mês, ano e lugar do nascimento, os nomes e prenomes, a naturalidade, a profissão dos pais, o lugar e cartório onde se casaram, a idade da genitora e do registrando em anos completos, na ocasião do parto e o domicílio ou a residência do casal.

Deve-se ter em conta, por pertinente, que os dados fornecidos e registrados, em regra, são aqueles considerados na ocasião do parto.

Não obstante, o caso em debate guarda uma peculiaridade, na medida em que pretende a modificação do local de nascimento de criança adotada, estipulando o art. 47, §§ 1º a 4º, do Estatuto da Criança do Adolescente (Lei nº 8.069/90) que:

"Art. 47. O vínculo da adoção constitui-se por sentença judicial, que será inscrita no registro civil mediante mandado do qual não se fornecerá certidão.

§ 1º A inscrição consignará o nome dos adotantes como pais, bem como o nome de seus ascendentes.

§ 2º O mandado judicial, que será arquivado, cancelará o registro original do adotado.

§ 3º A pedido do adotante, o novo registro poderá ser lavrado no Cartório do Registro Civil do Município de sua residência. (Redação dada pela Lei nº 12.010, de 2009)

§ 4º Nenhuma observação sobre a origem do ato poderá constar nas certidões do registro. (Redação dada pela Lei nº 12.010, de 2009)".

Sobre os efeitos da adoção, leciona o autor Arnaldo Rizzardo:

"Inúmeros efeitos surgem da adoção.

Em primeiro lugar, desaparecem todas as ligações com a família natural. Nada mais ligará a criança ou o adolescente aos pais sanguíneos. Todos os liames com a família original são esquecidos e apagados.

O parentesco passa a ser o da adoção, ou seja, os parentes do adotado serão os dos pais adotantes. Remanesce apenas uma única vinculação e que é mais de ordem moral, relativa aos impedimentos para o casamento [...].

Relativamente ao nome e à origem sanguínea do adotado, há completa modificação" (Direito de família. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, p. 521).

Dimas Messias de Carvalho também preleciona:

"Os efeitos pessoais da adoção se resumem, essencialmente, no desligamento do adotado de sua família biológica e integrar como filho a família do adotante. [...].

Maria Helena Diniz apresenta diversos efeitos pessoais na adoção. De forma resumida, podem-se apresentar os seguintes efeitos elencados pela doutrinadora:

a) rompimento automático do vínculo de parentesco com a família de origem, salvos os impedimentos matrimoniais;

b) estabelecimento de verdadeiros laços de parentesco civil entre o adotando (e seus descendentes) e o adotante, abrangendo a família do adotante;

c) transferência definitiva e de pleno direito do poder familiar para o adotante, se o adotado for menor, com todos os direitos e deveres que lhe são inerentes;

d) liberdade razoável em relação à formação do nome patronímico do adotado;

e) possibilidade de promoção da interdição e inabilitação do pai ou mãe adotiva pelo adotado ou vice-versa;

f) inclusão do adotante e do adotado no rol das pessoas que não podem testemunhar e daquelas em relação às quais o juiz tem impedimentos;

g) determinação do domicílio do adotando menor de idade, que adquire o do adotante". (Adoção e guarda. Belo Horizonte: Del Rey, p. 46/47).

Assim, havendo com a adoção o rompimento do vínculo de parentesco com a família de origem, desaparecendo as ligações anteriores da criança, tanto que o § 4º do mencionado art. 47 determina que "nenhuma observação sobre a origem do ato poderá constar nas certidões do registro", não vejo empecilhos para a modificação do município de nascimento da forma como pretendida que, a meu sentir, privilegia o melhor interesse do menor, preservando-o de qualquer tipo de constrangimento, estando em consonância com a finalidade precípua do instituto da adoção.

Nessa senda, data vênia, não comungo do entendimento do Julgador de que a mudança do local de nascimento "sempre será um elemento a mais para ajudar a sonegar ao autor a sua condição de ter sido livremente escolhido para preencher a lacuna existente na família do casal" (f. 45), sendo de livre escolha do casal a comunicação ao filho menor a condição de adotado, inexistindo qualquer diferenciação entre a filiação sanguínea e a socioafetiva.

A propósito, o § 8º do art. 47 do ECA estipula que "o processo relativo à adoção assim como outros a ele relacionados serão mantidos em arquivo, admitindo-se seu armazenamento em microfilme ou por outros meios, garantida a sua conservação para consulta a qualquer tempo", assegurando-se ao adotado o conhecimento de sua origem, conforme igualmente dispõe o subsequente art. 48:

"Art. 48. O adotado tem direito de conhecer sua origem biológica, bem como de obter acesso irrestrito ao processo no qual a medida foi aplicada e seus eventuais incidentes, após completar 18 (dezoito) anos. (Redação dada pela Lei nº 12.010, de 2009) Vigência

Parágrafo único. O acesso ao processo de adoção poderá ser também deferido ao adotado menor de 18 (dezoito) anos, a seu pedido, assegurada orientação e assistência jurídica e psicológica. (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009)".

Nesse sentido a iterativa jurisprudência dos tribunais pátrios:

"Agravo de instrumento. Adoção. Substituição do local de nascimento da criança, no novo registro de nascimento. Possibilidade. O § 3º do art. 47, Estatuto da Criança e do Adolescente, com redação dada pela Lei nº 12.010/2009, disciplina que "a pedido do adotante, o novo registro poderá ser lavrado no cartório do registro civil do município de sua residência. Agravo de instrumento provido. (Segredo de justiça.)" (Agravo de Instrumento nº 70040242349, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Roberto Carvalho Fraga, j. em 08.06.2011).

Consequentemente, deve ser autorizada não apenas a lavratura de novo registro da criança no Cartório de Registro Civil da Comarca de Belo Horizonte, nos termos do art. 47 do ECA, com a determinação do cancelamento do registro anterior, mas também a modificação do local de seu nascimento para a mesma cidade, tendo o d. representante do Ministério Público Estadual, inclusive, conforme parecer de f. 38-v., se manifestado favoravelmente ao pedido inicial.

Mediante tais considerações, dou provimento ao recurso para, reformando parcialmente a sentença singular, também autorizar a retificação do município de nascimento do menor para Belo Horizonte - MG.

Custas recursais, ex lege.

Votaram de acordo com a Relatora os Desembargadores Elpídio Donizetti e Bitencourt Marcondes.

Súmula - DERAM PROVIMENTO AO RECURSO.

 

Data: 20/12/2012 - 09:40:45   Fonte: Diário do Judiciário Eletrônico/MG - 19/12/2012 

 

Extraído de Sinoreg/MG
 

Notícias

Juiz determina que valor da venda de bem de família é impenhorável

Juiz determina que valor da venda de bem de família é impenhorável Magistrado considerou intenção da família de utilizar o dinheiro recebido para adquirir nova moradia. Da Redação terça-feira, 16 de abril de 2024 Atualizado às 17:41 "Os valores decorrentes da alienação de bem de família também são...

Cônjuge não responde por dívida trabalhista contraída antes do casamento

CADA UM POR SI Cônjuge não responde por dívida trabalhista contraída antes do casamento 15 de abril de 2024, 7h41 Para o colegiado, não se verifica dívida contraída em benefício do núcleo familiar, que obrigaria a utilização de bens comuns e particulares para saná-la. O motivo é o casamento ter...

Atos jurídicos e assinatura eletrônica na reforma do Código Civil

OPINIÃO Atos jurídicos e assinatura eletrônica na reforma do Código Civil Ricardo Campos Maria Gabriela Grings 12 de abril de 2024, 6h03 No Brasil, a matéria encontra-se regulada desde o início do século. A Medida Provisória 2.200-2, de 24 de agosto de 2001, estabeleceu a Infraestrutura de Chaves...

A importância da doação com usufruto vitalício e encargos

A importância da doação com usufruto vitalício e encargos Amadeu Mendonça Doação de imóveis com usufruto e encargos como alimentos promove transição patrimonial e segurança familiar, requerendo documentação precisa e compreensão legal. quarta-feira, 3 de abril de 2024 Atualizado às 14:39 Dentro do...